Presença feminina na política continua tímida

Para especialista, o que falta não são mulheres participarem, mas serem eleitas

Postado em: 14-07-2023 às 18h47
Por: Rodrigo Melo
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Para especialista, o que falta não são mulheres participarem, mas serem eleitas | Foto: Agência Senado

Sete mulheres para cada homem? O ditado, além do viés machista, exagera. Porém, de fato elas representam a maior parte da população brasileira. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 4,8 milhões de mulheres a mais que homens no país, representando 51,1% da população.

Apesar de considerável proporção, o voto feminino foi conquistado a pouco mais de 90 anos. Atualmente, elas contabilizam maioria do eleitorado (52,65%), mas a presença em cargos políticos não ocupa nem um quarto dos representantes (18%).

Nas últimas eleições, houve um leve aumento no número de candidaturas. No entanto, o quadro ainda é de instabilidade. Nas disputas de 2016 e 2018, elas representavam 32%. Em 2020, a taxa subiu para 34%, e se manteve em 2022. Segundo o Inter-Parliamentary Union, o Brasil é um dos piores países em termos de representatividade política feminina. Ocupa o terceiro lugar na América Latina em menor representação parlamentar de mulheres, cuja taxa está praticamente estabilizada desde a década de 1940. Isso indica que além do país estar atrás de muitos outros, poucos avanços têm se apresentado nas últimas décadas.

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Democracia em crise

A advogada Nara Bueno, especializada em direito e processo eleitoral, alertou sobre o risco dessa constatação em relação a democracia. Para ela, a democracia representativa deve ser enxergada como um espelho da sociedade. Com isso, considerada a quantidade de mulheres existentes no Brasil em contraste ao número de eleitas, “o reflexo dessa democracia não está saudável”.

Ela ainda explicou que as mulheres têm se engajando na política. Porém, há uma cultura misógina que dificulta elas vencerem nas urnas.

“O que falta não são mulheres participarem, mas serem eleitas. Nossa cultura afasta as mulheres. Isso pode ser visto quando mulheres são atacadas, nas campanhas eleitorais, pelo que elas são e não pelas propostas que elas trazem, de acordo com levantamentos reais trazidos em campanhas. Isso ocorre quando uma mulher é atacada por ser feia ou bonita, baixa, alta, magra, gorda, maquiada ou não, pelo jeito que fala pelo que ela fala, vemos uma demonstração de uma cultura político de ódio as mulheres, porque ela resulta de uma concepção coletiva de que mulheres deveriam estar nos espaços privados e não na esfera política.”, afirmou a especialista.

Melhora no cenário de participação

Vale ressaltar que, há 26 anos, foi aprovada uma lei relacionada a cotas de gênero que estimulava cada partido ou coligação a preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. A regra passou a ser obrigatória a partir de 2009.

Os números melhoraram. Mulheres representam 46% dos filiados a partidos políticos do país em 2022, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2018, a porcentagem era de 44%, o que apontou o crescimento de mulheres filiadas nos últimos quatros anos em 28 das 32 legendas.

Houve avanços, mas há, ainda, um longo caminho a percorrer se considerada a evidência de candidatas laranjas, ou seja, mulheres que participam do pleito apenas para cumprir o coeficiente necessário que os partidos devem ter para serem considerados legais no processo eleitoral. Algumas nem chegam a fazer campanha política e não obtém votos substanciais.

Conforme dados da página TSE Mulheres, em 2022, apenas duas mulheres se elegeram governadoras. Das 27 vagas para o Senado, foram eleitas quatro parlamentares. No Congresso Nacional elas representam 17%.

Em Goiás, a média de mulheres eleitas, nas disputas gerais, está abaixo do nível nacional com 17%. Quando consideradas as eleições municipais, o número cai para 14%.

Para a cientista política Ludmila Rosa, há uma falta de esforço por parte dos partidos que são dirigidos esmagadoramente por homens.

“Os partidos políticos não têm acompanhado a aspiração social crescente por mais mulheres na política. Pelo contrário, buscam mulheres apenas para o período eleitoral, deixando de fazer o dever de casa do recrutamento e da formação efetiva de quadros femininos. Pelas razões já expostas, quando são pegos em cristalina violação à lei de cotas eleitoral, buscam aprovar ampla anistia no âmbito do Congresso Nacional. Portanto, sem que os partidos se posicionem como aliados dessa causa, pouca coisa mudará.”, explicou.

O marqueteiro político Marcos Marinho acrescentou que os partidos políticos não investem nas mulheres, que já sofrem por uma jornada exaustiva.

“Se o partido não dá acolhimento, espaço ou investimento, é claro que a mulher não vão entrar no processo. Além da questão partidária, onde as mulheres não tem estrutura nem apoio para as candidaturas, elas enfrentam um problema familiar muitas vezes. Do machismo do marido, do pai que não quer que a filha ou a esposa entre na política, da tripla jornada de trabalho que ela tem que trabalhar pra sustentar a família, cuidar da casa, cuidar dos filhos e ainda ter que participar de um processo político”, explicou.

Ocupação de cargos por mulheres cai em 2023

Apesar da promessa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não conseguiu ainda aumentar o efetivo feminino em seu governo. Ao contrário, o número caiu. De acordo com a plataforma Observatório de Pessoal, lançado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), o número de mulheres em cargos do governo passou de 46%, em fevereiro de 2019, para 41% em maio de 2023.

A solução para esse descompasso na política de forma geral deve partir um “cinturão” de iniciativas, ressaltou a advogada Nara Bueno.

“Para elegermos mulheres, temos que ter, o que algumas autoras chamam, de cinturão de ações. Não basta só a lei de cotas. Não basta só discussão nas universidades. Não basta só ações sociais. Não bastam só iniciativas da sociedade civil, quer dizer, não basta só. Tem que ser tudo junto, um cinturão de ações”

Para a cientista política Ludmila Rosa, será necessária uma mudança de percepção social.

“É importante que mostremos os números e dados concretos sobre como as mulheres performam quando estão investidas em mandatos eletivos. Invariavelmente, mais avessas aos conluios para corrupção e mais focadas em pautas coletivas: saúde, educação, assistência, meio ambiente, etc. Falando disso, romperemos um ceticismo que se atrela demais ao primeiro ponto que trouxe aqui para qualificar essa exclusão da mulher nos espaços de poder e decisão.”

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