Mudança contábil que reduz base de cálculo do piso da Saúde é estudada pela Fazenda

Alteração pode significar uma obrigação menor de R$ 29 bilhões com as despesas na área da Saúde.

Postado em: 03-10-2023 às 17h26
Por: Larissa Oliveira
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Foto: EDU ANDRADE/Ascom/MF/Flickr

Uma mudança contábil que pode reduzir a base de cálculo do piso constitucional da Saúde nos próximos anos está em estudo pelo Ministério da Fazenda. A alteração exigirá da administração pública a aplicação de valores menores nessa área. Além disso, a medida tem potencial de interferir nos limites de gastos com as previstas pessoais na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Ademais, também pode afetar o valor obrigatório das emendas parlamentares indicadas pelo Congresso Nacional.

Em síntese, a proposta consiste em alterar os métodos de cálculo da RCL (receita corrente líquida), excluindo algumas fontes de arrecadação mais voláteis que hoje são contabilizadas nesse conceito. Como, por exemplo, a aplicação mínima de recursos na Saúde, o limite máximo de gastos com folha de variação e o volume de emendas parlamentares. A estimativa desses fatores é proporcional à RCL, portanto a mudança teria como consequência uma redução desses valores de referência.

Minuta de projeto de lei

Essa mudança contábil consta em em minuta de projeto de lei complementar para instituir o novo “Regime de Reequilíbrio Fiscal dos Estados e do Distrito Federal”. De acordo com o Ministério da Fazenda, trata-se de “uma minuta preliminar em discussão técnica”. Ou seja, o projeto ainda precisa passar pelo crivo das “instâncias competentes” dentro da massa, além de outras áreas do governo. Conforme a minuta, as mudanças valeriam para União, estados e municípios.

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De acordo com o documento, o governo pretende excluir da RCL as receitas com concessões e permissões, dividendos e participações , royalties e participações especiais. Além disso, também haveria a remoção da arrecadação obtida com programas especiais de recuperação fiscal, transações e acordos destinados a promover a regularização de créditos. A justificativa do governo é que a RCL é referência para o controle de despesas de caráter continuado.

Para o governo, computar receitas não recorrentes ou extraordinárias em sua base “pode ​​criar distorções significativas e colocar em risco a sustentabilidade fiscal dos entes”. Portanto, na visão do Ministério da Fazenda, retirá-las é uma “medida saudável”. Conforme a explicação do órgão, a aprovação da mudança evitará que receitas voláteis sirvam de lastro temporariamente para a criação de uma despesa que terá de ser fornecida de forma permanente nos orçamentos.

“Ao excluir do cômputo da RCL receitas extraordinárias, como as decorrentes de concessões, obrigações e de acordos e transações tributárias, está se adotando maior rigor na mensuração de receita corrente líquida e evitando que indicadores de despesas de pessoal ou de individualização sobre a RCL sejam momentaneamente distorcidos em função de receitas que não possuem caráter de recorrência”, afirmou o Ministério da Fazenda a fim de justificar a mudança.

Governo defende mudança

Uma mudança semelhante no conceito de receita líquida ocorreu quando o governo de Luiz Lula da Silva (PT) aprovou o novo arcabouço fiscal. Como a expansão real do limite de gastos é proporcional à variação das receitas, a Fazenda excluiu essas mesmas fontes de arrecadação dos números que servem de base para o cálculo do arcabouço. Aliás, o Tesouro Nacional começou a divulgar o novo indicador, a RLA (Receita Líquida Ajustada), no final do mês de setembro.

A partir dele, é possível identificar que, em 2022, foram descontados R$ 193,6 bilhões em receitas ligadas às fontes que, agora, o governo também quer tirar da base da RCL. A constatação permite algumas simulações, pois retomou-se, no ano passado, a regra constitucional que exige aplicação de 15% da RCL. Portanto, a mudança contábil proposta pelo Ministério da Fazenda significaria uma obrigação menor de R$ 29 bilhões com as despesas na área da Saúde.

Nas emendas parlamentares, a norma prevê 2% da RCL para mandatos individuais de deputados e senadores e 1% da RCL para emendas de bancadas estaduais. Pelos dados de 2022, as reduções seriam de R$ 1,9 bilhão e R$ 968 milhões, respectivamente. Para o Ministério da Fazenda, a mudança contábil na RCL vai na direção correta de evitar que receitas temporárias ou muito voláteis acabem gerando espaço para criação de despesas permanentes.

Portanto, o governo federal crê que a alteração é conveniente porque ajuda a manter a sustentabilidade do novo arcabouço fiscal no futuro. Na década passada, por exemplo, o boom nos preços do petróleo turbinou a arrecadação de estados. Inclusive, o Rio de Janeiro usou o dinheiro para dar aumentos salariais generosos a seus servidores até 2014. Poucos anos depois, quando essas receitas reduziram, o estado teve graves dificuldades para honrar seus compromissos.

Possíveis impactos negativos

Há algum tempo, a equipe econômica do atual governo tem a retomada da vinculação dos pisos constitucionais de Saúde e Educação à dinâmica da arrecadação como uma fonte de preocupação. Isso porque a expansão dessas despesas se dará de forma mais célere do que o ritmo de ampliação do limite de gastos. Este vai crescer entre 0,6% e 2,5% acima da inflação ao ano. Contudo, o piso da Educação é cálculo sobre a receita líquida de impostos, conceito até agora não realizado pelas mudanças.

Apesar da concordância técnica, nos bastidores há uma preocupação política, porque a alteração da RCL traz uma série de repercussões, algumas delas mais sensíveis. A própria base do atual governo já fez críticas sobre pedir o afastamento dos pisos de Saúde e Educação no ano de 2023. O eleitorado de Lula busca evitar a necessidade de remanejar até R$ 20 bilhões de outras áreas para cumprir o mínimo de recursos em ações e serviços públicos de saúde.

O impacto negativo sobre o valor das emendas também precisará de uma discussão cautelosa com o Congresso Nacional. O órgão tem seguido uma tendência contrária, de carimbar um valor cada vez maior de recursos para sua própria indicação. Além disso, estados e municípios hoje dentro das regras de gasto com pessoal podem acabar estourando os limites de 60% da RCL para esse tipo de despesa. Esse tipo de situação travaria a concessão de novos reajustes ou a contratação de servidores.

Geralmente, o Judiciário e Legislativo contam com quadros menores de servidores e folga em seus limites. Porém, eles também podem enfrentar algum tipo de restrição, porque a a verificação ocorre de forma individual entre os Poderes. De acordo com estudos internos do Ministério da Fazenda, existe a possibilidade de estabelecer um “período de transição”. Esse tempo seria para a adequação de todos os entes, levando em consideração os novos estratos contábeis da RCL.

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