Carta Magna: Sempre bom lembrar o discurso de Ulysses Guimarães

Na Carta Magna, que completa 35 anos, é possível aprender: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.”

Postado em: 05-10-2023 às 08h30
Por: Yago Sales
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Ulysses Guimarães se tornou, não por aquele dia, mas pela luta por restabelecer a democracia após duas décadas de ditadura civil-militar | Foto Acervo CEDI CD

Em 881 palavras, o discurso mais aguardado daquele 5 de outubro de 1989, ou seja, 35 anos atrás, era proferido em um importante microfone: o da Assembleia Nacional, onde deputados constituintes ouviam, boquiabertos, Ulysses Guimarães. Era uma aula de política, cidadania e esperança. Ulysses Guimarães se tornou, não por aquele dia, mas pela luta por restabelecer a democracia após duas décadas de ditadura civil-militar, uma voz efervescente do que aquele Brasil precisava: de uma Constituição em que os brasileiros poderiam se apoiar por muito tempo. Por várias gerações. 

Por isso, não é raro que, nos últimos anos, o documento, também conhecido como Carta Magna, fora constante e, quase, desesperadamente, empunhada em cima dos muros de debates políticos, em discussões por direitos – de todos os grupos ideológicos. 

Por isso é muito bom relembrar aquele dia histórico, lembrado nesta quinta-feira com certa nostalgia. Mas muita gente não percebe a dimensão político-histórica do dia em que o Brasil ganhou, mais atualizada, forte, consistente, a sua nova Constituição. 

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“Senhoras e senhores constituintes”, começa aquele senhor, que lembrava: “Hoje. 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou”. E foi aplaudido de pé. “A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos Poderes. Mudou restaurando a federação, mudou quando quer mudar o homem cidadão. E é só cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa”, disse, quase emocionado, o velho Ulysses.

À época, o Brasil tinha 30 milhões e, como citou o deputado, “401 mil analfabetos, afrontosos 25 por cento da população”. E advertiu: “cabe advertir a cidadania começa com o alfabeto. Chegamos, esperamos a Constituição como um vigia espera a aurora”.

Ele sabia que estava diante de uma missão que invejaria os políticos da contemporaneidade. “A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo”, disse, antes, contudo, de soltar uma das passagens mais conhecidas do discurso: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.”

Um dos grandes militantes para a derrubada dos anos de Chumbo, como ficou conhecido o período de 1964 e 1985. Foram 21 anos de desmandos, perseguição, censura, sequestros, assassinatos e exílio forçado de personalidades. E também de desconhecidos. A ditadura não aceitava críticos. 

“Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”. Em seguida, uma onda de aplausos explodiu no Congresso Nacional. 

Maldições mais tarde disse que “cerca de 10 mil postulantes franquearam livremente as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento à procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões”.

Com isso, o deputado ficou à vontade para afirmar que a Constituição, oxigenada, teve “sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar”.

E, prometendo organizar a casa bagunçada por anos sem transparência, avisou que “vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do Presidente da República ao prefeito, do senador ao vereador”. 

Algumas palavras e aplausos a mais, ele termina, abismado pela força: “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança”. E terminou, animado, emocionado, num berro: “Que a promulgação seja o nosso grito. Mudar para vencer. Muda Brasil.”

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