Pesquisadores destacam valor das mensagens de ‘Gentileza’

Leandro Melito Repórter da Agência Brasil “Gentileza gera gentileza”. A mensagem do poeta popular José Datrino (1917-1996), que completaria 100 anos em 2017,

Postado em: 24-05-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa

Leandro Melito Repórter da Agência Brasil


“Gentileza gera gentileza”. A mensagem do poeta popular José Datrino (1917-1996), que completaria 100 anos em 2017, ganha significado especial em tempos de intolerância política presente tanto em discussões nas ruas quanto em redes sociais. O ‘profeta’ que ganhou o apelido de ‘Gentileza’ deixou uma verdadeira obra escrita nas ruas do Rio Janeiro (RJ), com apelos que vão além da cordialidade entre as pessoas.

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No ano do centenário do artista, pesquisadores que ajudaram na preservação de seu trabalho ressaltam que os versos estão carregados de crítica ao modo de vida contemporâneo.

Para o professor Leonardo Guelman, do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense (UFF), o maior legado de Gentileza foi ter deixado uma mensagem que chama à solidariedade. “Ele faz esse chamado para pensar de que maneira nós podemos ser mais solidários enquanto sociedade e não ficarmos suscetíveis ao individualismo alimentado pela cultura do consumo”, avalia. 

Guelman é o idealizador e coordenador do Projeto Rio com Gentileza, que promoveu a restauração das obras do artista em 2000 e 2010. O “livro urbano” de Gentileza é formado por 56 páginas em concreto localizadas embaixo do viaduto do Caju, na Avenida Rio Branco, região central da capital fluminense.

As mensagens foram escritas com tinta e pincel por Gentileza, no período de quase cinco anos durante a década de 1980. “Ele vai nos apontar sua leitura de mundo pelo viés da cultura popular e no artesanato da escrita, uma linguagem muito própria para veicular sua mensagem enquanto oralidade e escrita”, aponta Guelman.

O movimento pela revitalização da obra de Gentileza foi apoiado por diversos artistas como Joãosinho Trinta, que dedicou ao profeta o enredo da Grande Rio no Carnaval de 2001, “Gentileza, o profeta do fogo”, e a cantora Marisa Monte, que gravou uma música em homenagem ao profeta em seu disco Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000).


Filmes

Para o documentarista Dado Amaral, que produziu dois filmes sobre Datrino –  Gentileza (1994) e Por Gentileza (2002) –, a obra do poeta popular continua viva.

Ele considera, porém, que a apropriação da tipologia e o que classifica como “uso indevido das mensagens” provocam um esvaziamento do sentido filosófico e ético proposto pelo profeta e acabam por difundir uma leitura rasa de sua obra. “Elas (mensagens) condenam o capitalismo, o lucro a qualquer preço e o amor pelo dinheiro. Essa parte da mensagem é muito incômoda no momento em que o capitalismo tem hegemonia irrestrita no mundo”, avalia.

Amaral conta que conheceu Gentileza por acaso, quando foi a uma passeata pelo impeachment de Fernando Collor, em 1992, no Rio de Janeiro. Na Avenida Rio Branco, Amaral subiu em um ponto elevado para observar a multidão que se concentrava no centro da capital carioca, quando avistou “uma figura extraordinária”.

Em meio à multidão, Gentileza se destacava pela vestimenta característica, a túnica branca, e segurava uma placa colorida com algumas de suas mensagens escritas à mão. “Que personagem, que figura, parei do lado dele e fiquei olhando, quase não prestava atenção na manifestação”, lembra. Desse encontro surgiu a ideia de fazer o primeiro documentário, lançado em 1994, em parceria com o cineasta Vinícius Reis.

No ano seguinte, preparou o argumento para um novo filme sobre Gentileza, mas não conseguiu apoio para o projeto. Em 1996, Gentileza morreu, mas Amaral manteve o projeto do filme e, em 2002, filmou o documentário Por Gentileza. 

Nascido em 11 de abril de 1917 em Cafelândia, interior de São Paulo, José Datrino passou a ser conhecido como Profeta Gentileza em 1961, após um  incêndio ocorrido em 17 de dezembro daquele ano em um circo em Niterói. Datrino diz ter ouvido vozes que revelaram a ele sua missão. 

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