‘100 Anos de Elizeth Cardoso’, a primeira dama da MPB em programação no SescTV

Elizeth Cardoso representa a ponte entre tradição e modernidade, consolidando-se como uma das maiores intérpretes da MPB

Postado em: 21-09-2021 às 09h24
Por: Lanna Oliveira
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Elizeth Cardoso representa a ponte entre tradição e modernidade, consolidando-se como uma das maiores intérpretes da MPB | Foto: Reprodução

O SescTV exibe pela primeira vez, nesta quarta-feira (22), às 22h, o show ‘100 Anos de Elizeth Cardoso’, mas quem foi essa artista tão importante para a música brasileira e que alguns não conhecem? Considerada a primeira dama da MPB, a cantora era uma mulher à frente do seu tempo. Além da personalidade pública, sua vida particular, como mãe solo e divorciada, representava em 1930 sua força que rompia barreiras. Mesmo tanto tempo após sua morte, ela segue lembrada como uma de nossas maiores vozes e precursora na luta das mulheres pelo reconhecimento na música.

Divina, elegante, carinhosa, forte, amorosa, talentosa e corajosa são alguns adjetivos atribuídos a uma das maiores cantoras que o Brasil já conheceu, por meio de depoimentos de amigos e intérpretes. Em sua homenagem, o show ‘100 Anos de Elizeth Cardoso’ gravado no Sesc Pinheiros, em março de 2020, com direção de Viviane Rodrigues. O repertório, rememorou canções como ‘Na Cadência do Samba’ (Ataulfo Alves e Paulo Gesta), ‘Flor e Espinho’ (Nelson Cavaquinho, Guilherme Brito e Aladés Caminha), e ‘Chega de Saudade’ (Tom Jobim e Vinicius de Moraes), famosas na voz de Elizeth.

A apresentação reuniu Alaíde Costa, Ayrton Montarroyos, Claudette Soares, Eliana Pittman, Leci Brandão e Zezé Motta. O time de intérpretes foi selecionado pelo produtor musical Thiago Marques Luiz, e boa parte do elenco já conviveu com Elizeth. Entre canções e depoimentos, eles fazem referência a episódios em que Elizeth marcou suas vidas. A cantora Eliana Pittman admite que foi criada em um mundo onde a voz do momento era a de Elizeth Cardoso. “Ela era uma mulher negra, cantora e artista em um País que não respeita nada, e brigou pelo seu lugar com classe, sem apelação”. Segundo a Eliana, pessoas como Elizeth não morrem, viram estrela.

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Já a cantora e compositora Leci Brandão assinala que hoje todo mundo é diva, mas divina, era um título que só Elizeth tinha e o exercia com maestria. Durante o show Leci comenta sensibilizada que gostaria de cantar ao lado de Elizeth Cardoso ‘Canção de Amor’ (Chocolate e Elano de Paula), uma música emocionante, que quase a fez chorar no palco, como se ela tivesse sido transportada para outro plano de vida. Na opinião com ela, Elizeth Cardoso é uma das maiores artistas da MPB, inegavelmente. “Uma voz com identidade que acalmava o coração da gente”, ressalta.

Para Zezé Motta, ela merecia o título que tinha de ‘divina’. “Elizeth era romântica, sofrida e corajosa. Ela nunca desistiu do amor”, diz Zezé, e ressalta que ser considerada ‘divina’, não é para qualquer pessoa. O cantor Ayrton Montarroyos recorda que pediu a avó, de presente de aniversário, ir a um show de Elizeth Cardoso, mas ela já não era mais viva e a música dela está nele como está na história da música popular do Brasil. “Elizeth conseguia interpretar tudo muito bem, bossa nova, samba, samba canção, samba de partido alto. Ela foi realmente uma intérprete sem amarras e sem nenhum impedimento”, afirma.

Quem foi a divina brasileira?

A divina Elizeth Cardoso nasceu no Rio de Janeiro em 16 de julho de 1920 e em maio de 1990, deixou seu legado. A artista, com seu timbre suave e potente, erudito e popular, tornou-se uma das vozes mais marcantes da música popular brasileira. Seu talento foi descoberto na sua festa de aniversário de 16 anos, quando Jacob do Bandolim, amigo de seu pai (também músico) ouviu-a cantar no quintal da humilde residência no bairro da Lapa. Sua carreira só passou a ter o devido êxito, no entanto, a partir dos anos quarenta, consolidando-se em 1958, quando ela participou de um dos marcos da música popular brasileira: a criação da bossa nova.

A gravação do LP ‘Canção do Amor Demais’ em 1958, com composições de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, com violão de João Gilberto, é um marco em sua trajetória. Apesar de não causar grande repercussão na época, o disco é bem recebido pela imprensa especializada. Considerado por alguns críticos o álbum precursor da bossa nova, ele caracteriza-se pelo estilo pessoal de Elizeth, marcado pelos vibratos, que reforçam o efeito dramático. O repertório continua na temática dos sambas-canções, com músicas de apelo sentimental. É o caso de ‘Serenata do Adeus’ e ‘Estrada Branca’, cujo desfecho é trágico: “Vou caminhando com vontade de morrer”.

O álbum desperta a atenção para o novo gênero, que se estabelece a partir da gravação, em 1959, de ‘Chega de Saudade’ pelo próprio João Gilberto. A parceria da cantora com tais compositores revela-se importante, que ainda sofrem retaliações pelos defensores de uma ‘legítima’ música popular brasileira. A carreira artística não veio fácil, mas sua sensibilidade musical deixa à MPB uma obra expressiva. Pode-se dizer que sua importância se define por uma versatilidade observada tanto em sua voz, quanto em sua facilidade em transitar por diferentes gêneros musicais e cativar diferentes públicos.

Sua vida pessoal também gerou bastante impacto para a época. Seu primeiro relacionamento foi com o futebolista Leônidas da Silva, mas logo acabou, após a divina decidir adotar uma bebê que havia encontrado abandonada na rua. Colocada na parede por Leônidas, Elizeth não só escolheu a Tereza, como não hesitou em registrá-la como ‘mãe solteira’, um escândalo para a época. Um pouco depois, ela conheceu o músico Ari Valdez, com quem casou rapidamente e tiveram um filho biológico, Paulo Cezar. A cantora passou anos do relacionamento lutando contra o ciúme do marido, que não aceitava as viagens a trabalho e os compromissos noturnos. No fim da década de 1930, quando se separou de Ari Valdez, ainda grávida, segundo o biógrafo e jornalista Sérgio Cabral, Elizeth não quis nada para ela, mesmo sem ter dinheiro para se sustentar e sustentar os filhos. Para conseguir alguma renda, ela decidiu aprender a dirigir e se tornar taxista na noite carioca. Ela revezava os dias em que se apresentava com o trabalho de motorista. Mulher negra, cantora, taxista, trabalhando na noite nos anos 1940. A divina não era divina só pela voz, mas por sustentar ideais e projetos de vida completamente inaceitáveis para a sociedade da época. Ainda mais mulheres separadas e com filhos.

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