Quinta-feira, 28 de março de 2024

Todo aborto é crime? Entenda o caso da juíza que incentivou criança de 11 anos a desistir do aborto após estupro

A juíza, Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina, incentiva uma criança de 11 anos grávida, após ser vítima de estupro, a permanecer em um abrigo para evitar que a menina faça um aborto legal. A titular da Comarca de Tijucas mantem a menina no abrigo há um mês.

Postado em: 20-06-2022 às 17h18
Por: Ana Bárbara Quêtto
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O pedido aguarda análise pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. | Foto: Reprodução

A juíza, Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina, incentivou uma criança de 11 anos grávida, após ser vítima de estupro, a permanecer em um abrigo para evitar que a menina faça um aborto legal. A titular da Comarca de Tijucas mantem a menina no abrigo há um mês.

O caso foi revelado nesta segunda-feira (20/6), pelo site The Intercept. O Código Penal permite o aborto em caso de violência sexual, sem limitação prévia de semanas da gravidez e sem a autorização judicial.

Após dois dias da descoberta da gravidez, a mãe da vítima a levou ao Hospital da Universidade Federal de Santa Catarina. No entanto, a equipe médica responsável pelo procedimento se recusou a proceder com a interrupção da gravidez.

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Os médicos alegavam que, as normas internas do hospital apenas autorizavam o procedimento até a 20ª semana. Na época, a menina já estava na 22ª semana de gestação. Com a recusa, a família da menor procurou a Justiça. Depois de dois dias, o Ministério Público catarinense pediu o acolhimento da menina para protegê-la do agressor.

A medida protetiva foi autorizada pela juíza Joana. Ao apreciar o pedido, a magistrada comparou o anteparo da saúde da vítima com à proteção do feto. Assim, o acolhimento da menina teria outro motivo, o de não efetuar o aborto ilegal. “O risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”, anotou Joana.

No dia nove de maio, durante uma audiência judicial relacionada ao caso, Zimmer defendeu a continuação da gravidez por “uma ou duas semanas”, para aumentar as chances de sobrevivência do feto. Além de um possível parto antecipado.

“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questiona a juíza para a criança, durante a gravação da audiência obtido pelo The Intercept. Assim como Joana, a promotora do caso, Mirela Dutra Alberton, também tentou convencer a garota.

“A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”, disse Mirela.

“Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele morrer”, concluiu a promotora.

A juíza ainda afirma que o aborto não seria legal. Segundo Zimmer, o Ministério da Saúde estipula um período máximo de gestação para a interrupção de 22 semanas. “A questão jurídica do que é aborto pelo Ministério da Saúde é até as 22 semanas. Passado esse prazo, não seria mais aborto, pois haveria viabilidade à vida”, alegou.

“seria uma autorização para homicídio, como bem a dra. Mirela lembrou. Porque, no Código Penal, está tudo muito especificadamente o tipo penal”, disse durante a audiência.

Após a declaração das duas advogadas, a juíza pergunta à menina se ela gostaria de escolher o nome do feto: “Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?”. A resposta foi “não”.

“Hoje, há tecnologia para salvar o bebê. E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal”, continua Ribeiro. Em seguida, a mãe responde, chorando: “É uma felicidade, porque não estão passando o que eu estou”.

A mãe segue falando: “Independente do que a senhora vai decidir, eu só queria fazer um último pedido. Deixa a minha filha dentro de casa comigo. Se ela tiver que passar um, dois meses, três meses [grávida], não sei quanto tempo com a criança… Mas deixa eu cuidar dela?”, implora.

A família buscou o Tribunal de Justiça para pedir o retorno da garota para casa. O promotor do caso, Paulo Ricardo da Silva, concordou com o pedido. “a fim de que, de forma imediata e urgente, seja revogada a medida de proteção de acolhimento”, disse. O pedido aguarda análise pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 

O The Intercept entrou em contato com a juíza, Joana Ribeiro Zimmer, mas não obteve respostas. O espaço continua aberto para um posicionamento.

Todo aborto é crime?

O Código Penal brasileiro estabelece pena de 1 a 3 anos de detenção para a realização do aborto, exceto em caso de risco de morte da mulher ou de estupro. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu autorizar o procedimento, mas somente em casos de anencefalia fetal. Saiba mais.

A legislação brasileira autoriza o procedimento, em caso de abuso sexual, sem restrições quanto ao tempo de gestação, ou necessidade de autorização judicial. No vídeo, publicado pelo The Intercept, a juíza insiste para que a menina tenha o filho e o entregue à adoção.

A situação é configurada, pelo Código Penal no artigo 217, como estupro de vulnerável, uma vez que a criança não tem idade para consentir com um ato sexual. A promotora afirmou que, na época, não tinha conhecimento sobre os procedimentos de aborto.

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