Coluna

Agronegócio registra bons números, mas enfrenta uma dupla ameaça

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 31 de julho de 2020

Salvo
acidentes ainda mais drásticos à frente, o agronegócio tende a atravessar a
crise gerada pela pandemia com estragos localizados, mas, no geral, os
resultados esperados ainda deverão ser positivos. As perspectivas surgem mais
promissoras para os setores de grãos e de proteína
animal, sustentados pelas exportações – com destaque para a soja para as carnes
–, e menos animadoras para a indústria sucroalcooleira e o algodão.A trajetória
do setor, no entanto, não está isenta de riscos e ameaças, representadas pelo
avanço da pandemia pelo interior do País e pelos desmandos na área ambiental, o
que despertou a reação de investidores, grandes empresários e banqueiros nas
últimas semanas.

Dentro
da porteira, ou seja, considerando apenas a produção primária, o Produto
Interno Bruto (PIB) da agropecuária pode vir a crescer 1,9% a 2,0% neste ano,
conforme Maurício Une, economista chefe do Rabobank Brasil e Ricardo Jacomassi,
economista chefe da TCPPartners. Essa taxa, estima Jacomassi, poderia alcançar
algo mais próximo de 2,4% e “só não será um pouco mais elevada porque a cadeia
de proteína animal está mais pressionada internamente”.Numa avaliação mais
geral, o diretor de agronegócio do Itaú BBA, Pedro Fernandes, afirma que “o
setor passa bem por essa pandemia”, apresentando bons resultados não apenas em
termos relativos, mas com ganhos efetivos derivados da melhora nos preços em
reais frente ao ciclo 2018/19 e de ganhos de produtividade nas principais
lavouras. O desempenho esperado para o agronegócio, pondera Une, poderá
arrefecer parcialmente “o grande choque negativo experimentado pelos setores
industrial e de serviços”, que tendem a encolher 6,4% e 8,2% respectivamente. A
natureza da atividade no agronegócio, prossegue, favorece o distanciamento.

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Risco sanitário

“Ainda
assim, todo o cuidado é pouco”, alerta Une, lembrando que a colheita de algumas
safras poderá atrair mão de obra de regiões com maiores índices de infestação
pela Covid-19, trazendo riscos maiores para o interior do país, onde é menor a
infraestrutura hospitalar. Analisando pelo lado da demanda, o economista alerta
ainda que a interiorização ou uma segunda onda da Covid-19, num momento em que
não se tem ainda vacinas ou medicamentos eficazes, “poderá conter a expansão da
atividade agropecuária, ou mesmo dar um viés de baixa”.

Balanço

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O novo
coronavírus, no entanto, não é a única ameaça ao agronegócio brasileiro.
Empresas do setor começam a notar maiores exigências de clientes no exterior,
especialmente na área ambiental, deflagradas a partir de medidas de relaxamento
na fiscalização e do aumento no desmatamento na Amazônia. A reação
internacional, na verdade, já vinha sendo observada desde o ano passado, com a
escalada das queimadas na região, mas ganhou força em junho deste ano. Naquele
mês, um grupo formado por 29 empresas de investimento de nove países, que
somadas administram uma carteira de quase US$ 3,7 trilhões (mais de duas vezes
o PIB do Brasil), entregou correspondência a diplomatas brasileiros pedindo
reuniões para debater a política ambiental do governo.

·  
A carta foi
entregue a embaixadas do Brasil nos Estados Unidos, Japão, Noruega, Suécia,
Dinamarca, Reino Unido, França e Holanda. Os investidores demonstram
preocupação com o avanço acelerado da derrubada da floresta, que aumentou 49,0%
nos primeiros cinco meses deste ano, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), e com os projetos de abertura de áreas indígenas à mineração.

·  
No início de
julho, um grupo de instituições e empresários entregou ao vice-presidente
Hamilton Mourão, também presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, o
Comunicado do Setor Empresarial Brasileiro. Assinada por 47 presidentes de
grandes empresas e grupos empresariais e cinco instituições, a manifestação em
defesa do desmatamento zero e da exploração sustentável na Amazônia foi
reforçada, na semana passada, por Sergio Rial, presidente do Banco Santander;
Octavio de Lazari Junior, presidente do Bradesco; e Claudia Politanski,
vice-presidente executiva do Itaú.

·  
O mercado de
trabalho no campo também reage negativamente à Covid-19. Segundo levantamento do
Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, com
base nos dados da Pesquisa por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o total de pessoas
ocupadas na agropecuária baixou de 8,266 milhões no trimestre móvel encerrado
em março deste ano para 7,993 milhões no trimestre finalizado em maio. Em
relação a igual trimestre de 2019, o Cepea aponta redução de 6,8% e fechamento
de 580,0 mil ocupações, numa queda menos intensa do que a observada para o
restante da economia. Para comparação, no mesmo intervalo, a ocupação em todo o
país foi reduzida em 7,5%, o que significou o encerramento de 7,011 milhões de
vagas.

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No agronegócio
como um todo, o emprego havia recuado 0,55% entre o último trimestre de 2019 e
o primeiro deste ano, saindo de 18,250 milhões para 17,968 milhões de ocupados
(282,53 mil a menos), dado mais recente divulgado pelo Cepea.