Coluna

Crédito para pequenos negócios perde espaço em plena pandemia

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 30 de julho de 2020

As
grandes empresas continuaram ditando o ritmo das operações de empréstimos e
financiamentos em junho, enquanto micro, pequenas e médias empresas, mais
atingidas pela crise, viram sua participação no crédito total destinado às
pessoas jurídicas até reduzir na comparação com o período anterior à pandemia. Na
prática, as medidas de socorro a pequenos negócios, anunciadas não sem
estardalhaço pelo ministro Guedes e sua turma, têm se mostrado pouco efetivas e
nitidamente insuficientes, diante das proporções assumidas pela recessão.

Em
fevereiro, as micro, pequenas e médias empresas chegaram a responder por 37,51%
de todo o estoque de crédito contratado pelas empresas em geral, diante de uma
participação de 35,86% em igual mês do ano passado. A fatia das grandes, ao
contrário, recuou de 64,14% para 62,49%, num alívio apenas ligeiro nos níveis
de concentração observados neste mercado. Em março, numa espécie de corrida ao
crédito, as grandes aceleraram a contração de empréstimos, numa estratégia
defensiva para captar recursos no mercado e formar um “colchão de liquidez para
enfrentar os desafios da pandemia de Covid-19”, como aponta o Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

A
questão é que aquela trajetória foi alterada desde março, em plena crise
sanitária e econômica. A participação das empresas de menor porte no crédito total
contratado por pessoas jurídicas recuou para 35,51% em junho deste ano, quando
havia se aproximado de 36,9% no mesmo mês do ano passado. Em relação às grandes
empresas, que já haviam contratado 63,14% do crédito total em junho de 2019,
levaram 64,49% em junho deste ano.

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Como
se percebe, a tendência observada nos meses imediatamente anteriores ao
desembarque do Sars-CoV-2 no Brasil foi revertida exatamente em meio à crise, o
que demonstra a extrema dificuldade dos bancos – e entre estes especialmente os
bancos privados – de promover a disseminação do crédito e melhorar sua
distribuição dos recursos que levantam no mercado. Vale dizer, talvez este não
seja o caminho mais adequado para a execução de políticas de caráter público,
destinadas a promover ou, como no caso, a socorrer aqueles setores que em geral
têm maior dificuldade para acessar recursos e assegurar sua sobrevivência.

Apesar de
Trump…

Pátria
do liberalismo econômico, os Estados Unidos decidiram reforçar sua agência
encarregada de apoiar “empreendedores” e pequenos negócios – a US Small
Business Administration (SBA). Não se trata propriamente de uma novidade ou
invencionice de economistas “liberais” em tempos de pandemia. A SBA existe
desde 1953, mas não faz empréstimos de forma direta. Ela opera em parceria com
uma rede de instituições financeiras disseminadas por todo o país e oferece
garantias aos pequenos empresários, que podem superar 90% do valor do crédito
pretendido. E tem sido fundamental na guerra para preservar o que for possível
da economia, enquanto a pandemia continua a impor perdas drásticas.

Balanço

·  
Em
apenas dois programas criados para dar suporte às pequenas empresas nos EUA – o
PaycheckProtectionProgram (PPP) e o DisasterAssistence –, o trabalho
desenvolvido pela SBA permitiu realizar 7,275 milhões de operações até meados
de julho, o que significou a contratação de US$ 669,78 bilhões, ou seja,
qualquer coisa ao redor de R$ 3,483 trilhões – quase todo o estoque de crédito
no Brasil, que atingiu R$ 3,625 trilhões em junho deste ano, cobrindo toda a
economia, ou 48% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Apenas para micro,
pequenas e médias empresas.

·  
Para
explicar: o primeiro programa destina-se a ajudar as pequenas empresas a pagar
salários, preservando o poder de compra e a capacidade de consumo das famílias
e evitando demissões, na medida do possível (já que o desemprego aumentou
fortemente por lá). A estimativa é de que tenha favorecido perto de 51,0
milhões de trabalhadores. O segundo foi uma das formas encontradas pela SBA para
prover recursos para que essas empresas continuassem operando em meio ao
“desastre econômico” causado pela pandemia.

·  
Por
aqui, o saldo de empréstimos a micro, pequenas e médias empresas até cresceu,
saindo de R$ 523,038 bilhões em junho de 2019 para R$ 561,944 bilhões no mesmo
período deste ano, numa variação nominal de 7,4% (acréscimo de R$ 38,906
bilhões). A taxa não foi muito diferente daquele observada até março, por
exemplo, quando o estoque de crédito para aquelas empresas crescia a uma
velocidade muito próxima de 7,0% ao ano.

·  
Para
comparação, o crédito total para empresas aumentou 11,5% em idêntico período,
avançando de R$ 1,419 trilhão para R$ 1,582 trilhão, o que correspondeu a uma
variação de R$ 163,329 bilhões. Em outros termos, a contribuição dos pequenos
negócios para o aumento das operações de crédito no setor empresarial ficou
limitado a 23,8% (abaixo da participação do segmento no saldo daquelas operações,
que ficou, como visto, em 35,51% no último mês do semestre).

·  
As
grandes empresas contrataram R$ 1,020 trilhão em junho passado, o que
correspondeu a uma alta de 13,9% em relação ao mesmo mês de 2019. Considerando
que o estoque havia alcançado R$ 896,008 bilhões em junho de 2019, o saldo
registrou acréscimo de R$ 124,423 bilhões (ou algo em torno de 76,2%
crescimento observado para o crédito total das pessoas jurídicas).

·  
Na
avaliação do Iedi, considerando o valor das novas contratações (concessões) de
crédito, descontados efeitos sazonais (quer dizer, fatores que ocorrem em
períodos específicos do ano e que podem distorcer a comparação), houve variação
de 1,9% de maio para junho, variando apenas 0,9% frente a junho de 2019. O
comportamento, observa o instituto, sinaliza “mais um quadro de estabilidade do
que de crescimento”.