A Barbie já não é mais aquela
Boneca mais famosa do mundo mudou e agora tem versões mais próximas das gerações que ajudou a formar
Júnior Bueno
Loira, olhos azuis, cabelos sedosos, medidas harmônicas, roupas glamourosas, o emprego dos sonhos, um carro conversível e uma vida social agitada. Poderia ser a vida personagem de seriado, de uma modelo da Cosmopolitan, de uma coelhinha da Playboy. Mas estamos falando de um brinquedo. Seu nome é Barbie, e apesar de ter nascido em 1959, ainda conserva um corpinho esbelto de adolescente anoréxica. Quer dizer, conservava, pois na última sexta-feira, dia 28, a empresa Mattel, fabricante da boneca, anunciou o lançamento de três novos modelos de corpos, diferentes entre si: uma Barbie mais alta, outra mignon e uma com mais curvas, chegando a ter uma barriguinha e um quadril exuberante. Sim, a Barbie já não mais aquela.
Além dos quatro shapes, Barbie apresenta sete tons de pele, 22 cores de olhos e 24 estilos de cabelo. E podem ser brancas, negras ou nipodescendentes. Os cabelos, lisos ou cacheados, vêm em cores diferentes, além do loiro: ruivo, preto, castanho e até mesmo azul; nas opções curtos ou longos, aparecem também em cortes em versões modernas (como o undercut, que traz a lateral da cabeça raspada). Se antes era notíca mulheres gastando os tubos em cirurgias para ficarem parecidas com a Barbie, agora é ela que está parecida com muitas mulheres reais. Muitas garotinhas pelo mundo poderão crescer com mais de um modelo de beleza, não apenas o eurocêntrico e magro.
A notícia foi comemorada ao redor do mundo como um grande avanço na causa da representatividade. A revista Time, uma das mais importantes do mundo, estampou a sua capa com a boneca, em sua versão GG, ao lado da chamada “Agora podemos parar de falar sobre meu corpo?” As redes sociais e as páginas feministas também comemoraram. O alvoroço se justifica por se tratar da boneca mais famosa do mundo, sempre criticada por promover um estilo de vida inalcançável e um padrão de beleza excludente.
A jornalista Carmem Curti, mãe de duas meninas gêmeas, sempre teve algumas ressalvas em relação à Barbie, apesar de as filhas possuírem exemplares da boneca. “Se a gente parar pra pensar que o que vale é a intenção, a proposta da boneca é muito boa. Ela é aparentemente ‘independente’, pois há modelos da boneca de várias profissões. Mas o problema é que o tipo de mulher que ela representa é uma hiperminoria, então se sentir representada pela Barbie é quase impossível.” Ela se refere à grande maioria de garotas que não se viam na Barbie e não se sentiam representadas pela boneca, um ícone pop responsável por formar o imaginário de várias gerações ao longo de quase seis décadas.
Para a jornalista, a mudança é um avanço por contemplar as diferenças. “Se a ideia da boneca é o ‘seja o que você quiser’, fica muito mais fácil agora. Com os diferentes tipos de corpos e cores da Barbie, as meninas do público alvo vão realmente absorver a mensagem por se verem representadas nos brinquedos,” diz. Ela conta que agora comprará a Barbie para as filhas. “Elas ganharam dos outros porque nunca quis encorajar muito que elas assimilem o que Barbie representa, mas agora quem vai comprar sou eu, uma com undercut, e enorme, de preferência.”
A redatora Maria Rita brincou muito de Barbie, mas se achava diferente, já que ela é negra e a boneca, sempre muito loira. “Quando eu era criança eu tinha Barbie, mas via que era algo muito longe da minha realidade, que ela era muito diferente de mim,” diz ela. Sobre as mudanças, ela aprova a atitude inclusiva da Mattel. “É importante, sim, pois traz maior representatividade para quem admira e para as crianças que ganham Barbies de presente.”
Não é a primeira vez que a boneca passa por mudanças para se adequar aos novos tempos. A mais recente foi um comercial, lançado no ano passado, em que, pela primeira vez um garotinho aparece brincando com a boneca. A ideia é seguir uma tendência moderna de criar os filhos com noções de igualdade de gênero, sem essa de ter brinquedos específicos para meninos e para meninas. Em outro comercial, em tom feminista, meninas brincam com suas Barbies de serem astronautas, juízas, técnicas de futebol, junto com o slogan #Sejaoquevocêquiser.
Apesar de frisar que as mudanças da Barbie servem para espelhar tempos com maior celebração das diferenças, a decisão da Mattel, na verdade, vem para tentar reverter um quadro decrescente nos últimos anos, em que cada vez menos Barbies são comercializadas. Para se ter uma ideia, o fracasso da Barbie em 2014 nas lojas fez com que as vendas da companhia caíssem 2% na América do Norte, principal mercado para a empresa. Internacionalmente, a queda foi ainda mais acentuada, de 7%. A tendência de queda nas vendas da boneca já vinha sendo apontada desde 2012.
Essa reação do público à falta de representatividade nos brinquedos pode ser ilustrada em dois episódios recentes que movimentaram as redes sociais. A primeira foi a foto do garotinho brasileiro Martin, feliz ao lado do boneco Finn, do filme Star Wars. A foto chegou a ser compartilhada por John Boyega, intérprete de Finn no longa. Perguntado sobre por que gostou tanto do boneco, Martin, de quatro anos respondeu: “ele é pretinho igual a mim.” A segunda foi a campanha #SeNãoMeVejoNãoCompro, onde pais e crianças negras pediam mais bonecos e bonecas que se parecessem com eles.
Se as muitas versões da Barbie irão agradar, só o tempo pode dizer. Mas, mesmo que a intenção seja comercial, o benefício dessa diversidade faz muito bem às crianças – e os pais agradecem. Agora bem que poderiam fazer uma linha com o boneco Ken em versões mais realistas: gordinho, barbudo, negro e baixinho.