Quando nem a razão vê
Em 88 anos do maior prêmio do cinema, algumas atrizes foram escandalosamente preteridas em favor de outras bem inferiores
Adalberto Araújo
Sabe-se lá que critérios levam os votantes nas categorias de Melhor Atriz principal a elegerem suas preferidas – já que quem as escolhe são seus colegas também atrizes e atores –, se a amizade entre eles, o talento propriamente dito e revelado naquela determinada produção, a indecisão entre uma indicada e outra, ou quaisquer demais motivações de ordem técnica e subjetiva. O certo é que, muitas vezes, atrizes que tiveram desempenhos irretocáveis em alguns papéis foram solenemente ignoradas pela Academia e ficaram a ver navios naquele papel pelo qual receberam a nomeação. Por isso, o Essência relembra algumas que entraram para a história pelas suas atuações memoráveis, mas que saíram das cerimônias de entrega do Oscar de mãos abanando.
Um caso típico, e talvez o mais emblemático na categoria, foi em 1950. Naquele ano, concorriam a Melhor Atriz cinco intérpretes, com três que competiam pau a pau pela estatueta – e até com chances de um inédito empate. A irrepreensível Gloria Swanson, em Crepúsculo dos Deuses, pelo seu papel da decadente atriz do cinema mudo Norma Desmond que, anos depois, sonha em voltar aos estúdios em um papel que ela mesma criou para si, o de Salomé.
A soberana Bette Davis e sua oponente no filme, Anne Baxter, ambas pelo lendário A Malvada, eram as outras duas mais qualificadas ao prêmio. Bette Davis como a estrela dos palcos da Broadway Margo Channings, que leva uma puxada de tapete de sua “fã”, a ardilosa Eve Harrington (Baxter), que lhe toma não apenas o papel principal da peça pelo qual se tornaria uma atriz respeitada após uma armação dos amigos de Margo, como também os “amigos” de Margo, e quase seu marido.
Naquele ano, embora Gloria Swanson tivesse ganhado o Globo de Ouro como Melhor Atriz e fosse dada como vencedora do Oscar, quem levou o prêmio foi a medíocre Judy Holliday, pelo papel da amante de um magnata que precisa aprender boas maneiras com um professor de etiqueta, em Nascida Ontem. Uma surpresa como não se via há anos, que assustou até a própria vencedora, estrela de filmes B, que tinha atuações pífias, e que nunca mais conseguiu um bom papel até morrer, em 1965, aos 43 anos, de câncer, no ostracismo.
Os alfarrábios do Oscar registram que a vitória de Holliday se deu por causa da divisão de votos entre Swanson, Davis e Baxter, o que acabou por premiar o cavalo paraguaio chamado Judy Holliday, que foi a opção entre os indecisos que não conseguiam escolher entre as três favoritas. A outra indicada foi Eleanor Parker, por À Margem da Vida, que até teria representado melhor a indecisão dos votantes, pois era uma atriz de verdade, ao invés de Judy. O Oscar tinha de ter ido para Gloria Swanson, a maior injustiçada da Academia até hoje entre as atrizes principais.
Maior roubo desde a Brinks
Em 1954, outro equívoco da Academia, este um dos mais memoráveis na categoria Melhor Atriz. A incrível Judy Garland, de Nasce Uma Estrela, saiu de mãos abanando após perder o prêmio certo para a belíssima, mas apenas razoável Grace Kelly, por Amar é Sofrer. A história do Oscar considera este prêmio o segundo mais injusto entre as atrizes de todos os tempos. Já para Groucho Marx, que disse a Judy no fim da cerimônia, foi “o maior roubo desde o cometido contra a Brinks”, uma seguradora de valores assaltada anos atrás.
Em 1960, a megaestrela da época Elizabeth Taylor levou um Oscar pela sua atuação apenas mediana como a prostituta Gloria Wandrous, em Disque Butterfield 8. Reza a lenda que tanto sua indicação como seu Oscar só foram conquistados porque ela estaria à beira da morte no início de 1961, quando as indicações foram anunciadas e o prêmio entregue semanas depois. Sua doença causou comoção nacional e resolveu a Academia, então, prestigiá-la com a estatueta antes que “morresse”. Em 1960, Shirley MacLaine deveria ter ganhado, por Se Meu Apartamento Falasse… Esta sim, uma interpretação digna do prêmio.
Em 1988, outro absurdo com a vitória de Jodie Foster, por Acusados, sobre a excelente Sigourney Weaver, em A Montanha dos Gorilas, e Glenn Close, em Ligações Perigosas. Acusados tem seu maior mérito no roteiro, que mostra que uma moça estar bebendo sozinha em um bar frequentado por homens não está pedindo para ser estuprada, o que acontece com a personagem Sarah Tobias, que depois sai em busca de justiça para seus agressores. Mas, no quesito interpretação, Sigourney Weaver, como a cientista Dian Fossey que tenta proteger os gorilas do Congo da caça indiscriminada e paga com sua própria vida pela iniciativa, foi infinitamente superior. O mesmo a se dizer da estupenda Glenn Close, como a maquiavélica Marquesa de Merteuil. Bem que poderia ter sido o segundo empate entre duas atrizes nesta categoria. Ambas mereciam. Muito mais do que Jodie Foster.
Xenofobia escancarada
Em 1998, uma equivocada garota levou o Oscar de Melhor Atriz sem dizer a que veio. A insossa Gwyneth Paltrow ganhou pelo seu papel em Shakespeare Apaixonado, como a musa Viola de Lesseps, inspiradora do bardo, deixando Fernanda Montenegro, em Central do Brasil e mesmo Cate Blanchett, em Elizabeth à mercê da miopia hollywoodiana. Nacionalismos à parte, uma Gwyneth Paltrow nunca foi e jamais será páreo para Fernandona e sua irretocável Dora. Coisas da Academia e de sua xenofobia latente no fim do século passado…
O caso mais recente de injustiça aconteceu em 2012, quando Jennifer Lawrence, sempre perfeita, levou seu Oscar como a garota maluquete, em O Lado Bom Da Vida. Não que sua interpretação não tenha sido espetacular e digna do prêmio. Só que havia a francesa Emmanuele Riva, em Amor, e sua interpretação antológica como Anne Laurent, uma octogenária que sofre um derrame e acaba na cama em estado vegetativo, cuidada pelo seu esposo e tendo de se conformar com sua atual condição e por à prova seus laços de amor com o marido. Um primor de interpretação, bastante superior ao de Lawrence.
Mas será que a Academia iria mesmo dar a uma atriz francesa um Oscar apenas cinco anos após premiar Marillon Cotillard, por Piaf – Um Hino Ao Amor? Improvável, mas que Emmanuelle Riva merecia, ah, disto não há dúvida. Vai entender… Neste ano, vai acontecer o mesmo. A competente Brie Larson levará a estatueta por O Quarto de Jack, a despeito da presença, entre as indicadas, do monstro sagrado Charlotte Rampling, em 45 Anos. A Academia não vai se redimir agora. Interpretação por interpretação, o Essência torce por Charlotte, de 70 anos e que já deu provas suficientes de que sabedoria, savoir-faire e talento estão anos-luz à frente de uma mocinha de 26 anos, bonitinha e até talentosa, mas que tem muito a aprender com as magas das telas, como Charlotte. Uma pena!