Tráfico humano: drama continua após libertação
Retomada de vida enfrenta obstáculos como isolamento familiar, crise de identidade e abandono do uso de drogas
Deivid Souza
O sucesso no resgate das vítimas de tráfico de pessoas não é garantia de felicidade para todas elas. Geralmente se deparam com inúmeros desafios para retomar o rumo de suas vidas. A desconfiança dos parentes, falta de apoio de amigos e familiares, dificuldade em encontrar emprego, superar traumas psicológicos e abandonar dependência química fazem parte da rotina que leva algumas delas a pensar: “se não era melhor ter ficado do jeito que estava”.
Vítimas, agentes públicos de amparo ao público e organizações não governamentais relatam as dificuldades. Amanda (nome fictício), 34, mora no interior do Estado, é mãe de dois filhos adolescentes e há cinco anos deixou para trás o pesadelo da exploração sexual. Ela não tem emprego fixo, faz “bicos” como auxiliar de serviços gerais para sobreviver e bancar o aluguel enquanto realiza uma pequena reforma na casa própria.
A dificuldade de conseguir um emprego fixo esbarra na escolaridade- ela estudou até o 5ª ano do Ensino Fundamental – há ainda outro obstáculo: o preconceito. “Quando vou fazer entrevista eles perguntam o que eu fiz nesse período e eu digo que estava na Europa, aí eles querem saber o que eu fazia lá. Digo que era garota de programa, aí já tem aquele corte”, relata.
Quando voltou ao Brasil, Amanda teve que superar a dependência química, pois passou a usar cocaína durante o período em que se prostituía. Ela considera que hoje está elhor do que antes, mas confessa que já pensou que “será que não era melhor ter ficado do jeito que estava”, admite. O apoio que recebe é basicamente o da mãe e também a colaboração da Organização Não Governamental Resgate Brasil, pois os familiares “são mais afastados”.
Psicológico
O secretário executivo da ONG Projeto Resgate Brasil, Marco Aurélio de Sousa, conhece bem esses dramas. Ele afirma que as vítimas enfrentam conflitos internos com a perda da dignidade e de referência. “Teve um caso de uma menina que voltou para o Brasil. No final do processo, o cafetão bateu nela e quebrou 2 dentes. Ela retornou machucada. O próprio pai que desfrutava da ajuda financeira disse para ela: ‘você não serve para nada, não serve nem para ser puta na Europa’. Imagina lidar com essa situação? Você voltar, e sem nada ainda”, enfatiza.
O membro do Comitê Executivo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CEETP), Juliano Vieira, também convive com os casos similares ao de Amanda. “A vítima, muitas vezes, perde o contato com a família, então assim, são extremamente fragilizadas”, frisa. Segundo ele, momentos de crise econômica como o que o país enfrenta são perigosos e favorecem o aliciamento. “As pessoas são extremamente ardilosas”, afirma.
Em Goiás, o CEETP da Secretaria Cidadã promoveu mais de 3,8 mil atendimentos, incluindo rodas de conversa, palestras, mobilizações em parceira com vários órgãos governamentais e não governamentais.
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