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sábado, 23 de novembro de 2024
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MÚSICA

Professor e pesquisador inglês defende a ‘cultura da cópia’ na música

Para Marcus Boon, apropriação cria novas formas de compartilhamento

Postado em 24 de março de 2016 por Sheyla Sousa
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Por Mariana Filgueiras/Agência O Globo

‘O que torna a música tão poderosa?”, parece se perguntar o tempo inteiro o inglês Marcus Boon, que chegou ao Rio nesta semana para pesquisar cenas musicais independentes, como a que fervilha a Audio Rebel, em Botafogo; e para dar a palestra Vanguardas, Underground e Pirataria, na segunda-feira (21), no Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS).

Pesquisador musical, professor de História Cultural da University of York, em Toronto e colunista da revista de música underground The Wire, Marcus está sempre em busca desta resposta em todos os estudos que faz.

Seja ao investigar as vantagens da “cultura da cópia” contemporânea no livro In Praise of Copying (segundo ele, o grande poder das apropriações musicais de hoje em dia são as novas formas de compartilhamento que geram); ou ao estudar os poderes que a vibração da música têm sobre o nosso corpo, gerando performances ora eróticas, ora violentas, tema de seu próximo livro, As Políticas da Vibração. Ele tenta responder a si mesmo nesta entrevista ao GLOBO: “A música bem-feita nos leva ao coração do ser”.

Quais são os tipos de apropriação musical que você investiga, tema de sua palestra na última segunda-feira (21)?

Eu estava em Nova York em 1982, quando a cena de hip hop no Bronx e no Harlem começava. Os DJs criavam novas músicas, em cima de outras, pré-existentes; os metrôs eram cobertos com pichações; à noite você ouvia o som do “booming bass” dos sistemas de som dos carros. Era uma apropriação literal dos sons de outras pessoas; do espaço público; da linguagem. E essas práticas de apropriação têm acontecido em todo o mundo, gerando formas locais de apropriação, como o kuduro em Angola ou o funk no Brasil. Eu estou interessado nesta distribuição global das apropriações, e na compreensão de como ela muda de acordo com as condições locais.

E como elas mudam?

O hip hop é uma forma, assim como o reggae e o dub são outra forma, ou o tecnobrega, no Brasil. Ou as “versões” de um ritmo ou canção em particular, que se proliferam infinitamente em novas faixas se tornaram uma das práticas básicas de apropriação na cultura digital. O que há de mais poderoso na cópia, na apropriação, na versão, não é que ela seja pessoal, única, mas específica. Um sampler contém algo de autêntico, de vivo, e envolve algo da cultura local que só pode emergir de um grupo específico de pessoas.

Toda música é uma apropriação?

A apropriação está em toda parte. A nossa História é uma história de apropriação. O colonialismo nas Américas é, em si, um enorme “empenho apropriativo”, assim como foi o comércio de escravos, que constituiu as grandes diásporas africanas. Talvez este seja um exemplo do que crítico Eve Kosofsky Sedgwick chama de “leitura de reparação”: a apropriação como “prática reparadora”. Nos EUA, estudiosos como Jayna Brown têm enfatizado esta “prática reparadora” dos estilos musicais africanos.

O hip hop seria uma espécie de vingança estética dos colonizados?

Sim. É um tipo de “contra-apropriação”. Um dos dilemas das sociedades pós-coloniais é em qual direção tomar essa apropriação. É por isso que é tão interessante para mim que a house music tenha se tornado tão popular na África do Sul depois do fim do apartheid. Como se houvesse uma necessidade de afirmar a diáspora através da apropriação de um estilo musical particular e redefini-lo.

Quais são as maiores formas de apropriação musical hoje em dia?

A maioria das formas de apropriação se torna hoje parte de um mercado de mainstream. Estamos famintos por novas formas de apropriação. O comunismo falhou para a maioria das pessoas, o mercado livre não está indo tão bem… Tecnologicamente, nossa capacidade de fazer e compartilhar nunca foi tão grande. Mas como viver juntos e apoiar-nos uns aos outros por meio destes novos ti­pos de distribuição e produção?

Ou: como pagar quem é copiado?

É uma questão que parece não ter resposta. Pelo me­nos não antes que se responda uma questão muito mais ampla acerca da organização da sociedade e da distribuição das necessidades e desejos humanos. Não são só os artistas que precisam de ser pagos; são os trabalhadores, são os pobres que trabalham em fábricas ou em áreas rurais. A industrialização é uma economia baseada na produção em massa de cópias; e essa é a nossa sociedade da informação.

O que está em debate hoje em dia quando falamos de apropriação?

O foco é realmente a ideia de propriedade. O neoliberalismo global é em grande parte construído em torno da ideia de propriedade privada. Os direitos humanos são considerados para garantir a cultura e a identidade como uma forma de propriedade privada. A “apropriação” vai contra esta noção de propriedade – que implica a possibi­lidade ou necessidade de partilha e redistribuição. Claro, o capitalismo global é, em si, altamente “apropriável”. Hou­ve uma reação contra a estética de apropriação nos últimos anos porque os direitos dos povos marginalizados estão muitas vezes sendo garantidos através do direito de propriedade. É compreensível, mas torna mais difíceis as práticas de partilha e da construção de uma noção de “domínio público” mais efetiva.

O que você veio pesquisar no Brasil?

Estou muito interessado na música que o Maga Bo faz, como um tradutor ou mensageiro dos sons pelo mundo (DJ, produtor, engenheiro de som e etnomusicólogo americano-brasileiro faz músicas com colagens de estilos de diversos países). Também é muito intrigante o “Bahia bass” do Lord Breu, com poderosos ritmos sintetizados (o movimento une artistas que fundem gêneros baianos com sons eletrônicos). Eu também estou curioso pelas cenas de rock independente e alternativo no Brasil, que inclui o Metá Metá, de São Paulo. Ainda me interessa a improvisação experimental e livre de cenas que estão florescendo em espaços como Áudio Rebel, em Botafogo. Em todos esses casos, quero entender como as redes globais estão sendo formadas em torno de cenas de subcultura sonora, e a possibilidade de novos tipos de “con­tra-globalização” através deles.

Sobre o que trata seu novo livro?

Em As Políticas da Vibração eu exploro a ideia de que no núcleo da música e das culturas musicais há uma ontologia de energia e vibração. Cenas como a da dancehall são formas conscientes de moldar a energia e as formas vibratórias do corpo. Pesquiso a maneira pela qual a exposição à potência de vibração resulta em uma espécie de erotismo (pelo movimento coletivo e de jogo de corpos), mas também resulta em surtos de violência. É um trabalho que está me ajudando a pensar de forma diferente sobre o que é a música e por que ela é tão poderosa.

E por que é tão poderosa?

A música, quando bem feita, nos leva ao coração do ser. E faz isso com elegância, consensualmente. Não é arbitrária ou aleatória, e qualquer um pode aprender a tocar música de uma forma poderosa e bela (esta é uma das lições do punk). A música é uma forma de som, que é uma forma de vibração. Como meu mentor Catherine Christer Hennix diz, o universo é um campo de vibração (um campo quântico, entre outros). Com a música, nós nos sintonizamos a este fato, e isso é alegre, mesmo quando uma determinada peça de música (o blues, por exemplo) expressa profunda dor ou sofrimento. 

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