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sexta-feira, 29 de novembro de 2024
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CRÍTICA

‘Johanne’ explora sons distantes dos que tornaram Lady Gaga conhecida

Quinto álbum contam uma outra versão da história da cantora

Postado em 17 de novembro de 2016 por Redação
‘Johanne’ explora sons distantes dos que tornaram Lady Gaga conhecida
Quinto álbum contam uma outra versão da história da cantora

Júnior Bueno

Houve uma vez 2009. A música foi tomada de assalto por um fenômeno desses que acontecem de tempos em tempos e que parece que será a salvação do pop. Até quem não se liga em paradas americanas de músicas mais ouvidas não ficou indiferente à aparição de Stefani Joanne Angelina Germanotta, que ganhou fama como Lady Gaga, que não bastasse provocar com performances milimetricamente montadas para causar burburinho e com seus figurinos, saídos diretamente de um delírio fashion, ainda fazia música pop de qualidade.

Fato é que Lady Gaga nunca passou despercebida por ninguém. Mesmo quem não é fã das divas pop em algum momento já criou uma opinião sobre ela. Isso alimentou uma aura de extrema ansiedade ao redor de cada passo de sua carreira. Ansiedade saudável, no início, com cada clipe da era The Fame superando o anterior e culminando em The Fame Monster, um verdadeiro divisor de águas audiovisual no pop norte-americano. Pareceu demais, em Born This Way, e entregou mais do mesmo Artpop. Com o tempo, a artista deixou que todas as pirações que cercavam seu trabalho musical (roupas de carne em uma premiação, clipes-conceito de quase 20 minutos, entre outras coisas) transformassem essa curiosidade do público em enfado. 

E é nesse cenário que Joanne, seu quinto álbum de inéditas, foi lançado há um mês. É importante dizer que, entre a rebordosa da Gaga conceitual e esse álbum, a cantora deu alguns passos importantes para mostrar que é uma grande artista, não importa qual embalagem use para mostrar sua música. Houve o disco e a turnê com a lenda viva da música americana Tonny Bennet, e, apesar de não ser nenhuma primadonna do jazz, Gaga não fez feio. Houve a apresentação matadora dos temas de A Noviça Rebelde na cerimônia do Oscar, no ano passado, e a estreia de Gaga como atriz, em American Horror Story, ambas muito elogiadas, e a última rendeu um Globo de Ouro.

E chegamos a Joanne, que traz ‘outra’ Lady Gaga, talvez não tão diferente da anterior. Essa persona sempre esteve lá, só que, boa ilusionista que é, ela sempre desviou o olhar do público para seus truques. Toda essa jornada a elevou a um ponto da carreira no qual ela pode escolher com liberdade o que fazer. E a escolha foi descansar os vestidos de carne e os saltos altos e assumir sua história. Joanne é o nome de sua tia, que faleceu cedo, devido ao lúpus – doença que também acomete Gaga – e deixou um legado artístico de quadros e poesias na família.

A ligação entre as duas se estabelece em todos esses pontos, e, de chapéu rosa e botas de cowboy, Gaga transforma sua tia não somente em um alter-ego, mas em um próprio reflexo de sua personalidade que não conhecíamos e fala menos sobre política e liberdade, e muito mais sobre seus demônios internos e como eles fazem parte de sua jornada. Abrindo com Diamond Heart, ela discorre sobre ter 19 anos e fazer o que quiser por diversão. É um retrato de seus primeiros anos de carreira nos bares de Nova York, que causa um estranhamento por ter uma estrutura pop típica de seus singles, mas sem o peso dos sintetizadores. Estabelece de cara o que veremos: Lady Gaga apoiada em baixo, guitarra e bateria, mas ainda pop. 

O mesmo acontece em A-Yo, mais radiofônica que a anterior, que repete a sina dos hits radiofônicos, mas substituindo os sintetizadores por metais e algum backing vocal. É a faixa para se dançar e cantar ao redor dos amigos. É como se dissesse que o ‘bate-cabelo’ morreu, mas a festa continua. Quando apresenta Joanne, a faixa que dá título ao álbum, é consideravelmente chocante. Tanto pela vulnerabilidade dos vocais, que deixaram qualquer tratamento de lado, na maior parte do disco – e especialmente nessa faixa –, quanto na simplicidade instrumental apoiada em violão e em percussões sutis. A composição e o tom da música apresentam uma Gaga ainda não vista antes, que agrada aos ouvidos de quem não acompanha sua trajetória pop. 

É quase o completo oposto, em termos de impacto, de Million Reasons, outra faixa que busca a proposta do country emocional, mas se apoia em uma repetição que a empurra para uma fórmula de balada poderosa que o público já ouviu tantas vezes. John Wayne é um respiro pop que se apoia na batida muito mais do que na letra. Boa música para dançar depois de algumas cervejas sem pensar muito, e bem diferente do que se ouviu até aqui. Assim como Dancin' in Circles, que traz uma vibe de reggaeton e vocais parecidos com os de seu primeiro disco, The Fame, acompanhando a letra sobre se divertir sozinho – em todos os sentidos. 

As faixas desembocam em Perfect Illusion, o single que dividiu opiniões. Dentro da estrutura do álbum, ele faz bastante sentido, pois traz um pouco da vulnerabilidade nem sempre genuína nos vocais, e caminha entre o pop de sempre e a vibe rock que Gaga explora em muitos momentos. Mesmo não sendo um single explosivo, agrada dentro do contexto. Sinner's Prayer é um manifesto de erros, em sua letra, e tem uma melodia que gruda facilmente. Uma faixa tipicamente country, com uma linha de baixo que remete ao pop e evidencia a experimentação de Gaga. Não é uma das faixas mais poderosas do álbum, mas agrada com facilidade. 

O mesmo não pode se dizer de Come to Mama. Gaga volta a flertar com o jazz e tenta trazer ainda assim uma pegada dançante nostálgica, mas que não acompanha o ritmo do álbum e força um vocal quebrado, que não parece preencher a música o suficiente nem em potência nem em emoção. Uma das faixas mais esperadas, Hey Girl, a colaboração com Florence Welch, é entoada em uma letra feminista, encaixada numa melodia que explora diversas nuances agudas da voz de Gaga, combinando-a bem com a voz característica de Florence. Poderia ser uma faixa mais explosiva, mas a suavidade parece necessária, colocando as duas em harmonia, dando mais sentido a letra, que busca cesar conflitos entre mulheres. 

A versão comum do disco fecha com Angel Down. Acertada escolha, a música evidencia em sua letra a confusão das prioridades modernas, com pessoas tão fechadas em si, que não percebem nem mesmo “a morte de um anjo”. A produção é simples, baseada em atmosferas, harpas e um distorcido canto gregoriano. Em certo ponto, algumas cordas, violão e uma leve percussão. O destaque é para a interpreção de Gaga que, aqui, acerta o tom e usa com sabedoria seus recursos. É um fim bastante intenso. 

A versão deluxe possui três faixas-bônus: Grigio Girls, homenagem a uma amiga que sofreu um câncer e que exalta tudo que ela ensinou a Gaga em uma melodia e levada tipicamente indies, que elevam o ânimo, e que caberia facilmente na versão standard do disco; Just Another Day, um novo flerte com levadas de jazz, dessa vez muito mais acertados ainda que não tornem a música um grande destaque; e uma releitura de Angel Down, chamada de Work Tape, que dá a entender que foi gravada em take único, acompanhada de piano e violão, revelando a potência e profundidade da música em uma interpretação notável de Gaga. 

Joanne está longe de ser um disco ruim. Tem suas falhas, mas conta uma história e apresenta um passo ousado e importante para quem Lady Gaga será a partir de agora. Não apresenta a Gaga a que estamos acostumados, e que vale a curiosidade de conhecer. É como se chegássemos a seu camarim, depois de um show eletrizante, sentássemos ao seu lado, e a observássemos tirar os figurinos e sentar ao piano para tocar um pouco de suas músicas favoritas na infância.

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