Crer amplia em 70% os atendimentos de pacientes com microcefalia
Aumento da incidência de casos de microcefalia fez acender preocupação sobre origem de disseminação
Há cerca de dois anos, o Brasil se viu em meio a um dos
casos mais desafiadores de saúde pública. O aumento da incidência de casos de
microcefalia, registrado em maior proporção na região Nordeste, fez acender um
alerta sobre a origem da sua disseminação. Desde então, o Centro de
Reabilitação e Readaptação Henrique Santillo (Crer) foi acionado pelo
Ministério da Saúde, para contribuir com sua expertise já empregada em outros
casos de comprometimento cerebral.
Com isso, a unidade registrou que os atendimentos e terapias
focadas na estimulação precoce de pacientes com comprometimento cerebral
tiveram aumento de 70%, chegando a ser oferecidos diariamente na unidade, nos
dois turnos, matutino e vespertino.
O centro de excelência goiano desde a sua criação, há quase
quinze anos, tem se dedicado ao tratamento de pacientes com comprometimentos
cerebrais, portanto encontrava-se na vanguarda de certos protocolos que
passaram a ser empregados no atendimento dos pacientes com microcefalia.
A Secretaria de Saúde instituiu um Comitê de acompanhamento
dos casos e inseriu dentre seus integrantes representantes do Crer. No boletim
da microcefalia produzido pela SES já foram notificados 269 casos em Goiás
desde 2015, quando passaram a ser acompanhados de perto pelo poder público.
O que se sabe sobre a síndrome nos dias de hoje
Segundo explica o médico fisiatra, Maurício Rassi Carneiro,
que ocupa a gerência de Reabilitação do Crer, os casos de microcefalia são
pré-existentes ao Zica Vírus e podem ser originários de doenças como toxoplasmose,
rubéola, sífilis e demais doenças congênitas, contraídas pela mãe durante a
gestação. “O Zica Vírus só ampliou a ocorrência da síndrome. Hoje se sabe que
1% das gestantes que contraem Zica Vírus vão desenvolver a microcefalia nos
seus filhos. Portanto ter contraído Zica pode ou não levar ao desenvolvimento
da microcefalia”, explica Maurício.
Um fator que despertou a atenção dos médicos que lidam com
gestantes Zica positivo é que mesmo bebês que nascem sem o crânio reduzido
estão demonstrando, em alguns casos, comprometimentos nos campos visual e
auditivo. Portanto, criou-se um protocolo de acompanhamento para todas as
crianças nascidas de mães que contraíram zica, elas tendo ou não a
microcefalia. “Hoje, é obrigatório às gestantes que apresentarem os sintomas da
Zica como vermelhidão no corpo associada à coceira, que passem pelo exame que
detecta o contágio por zica vírus. Assim, seu bebê automaticamente é
encaminhado ao CRER após o nascimento para acompanharmos se ele não apresenta
comprometimentos visuais ou auditivos”, explica Maurício.
Um olhar sobre a microcefalia
Conforme explica o fisiatra Maurício Rassi, devido ao crânio
pequeno proveniente da microcefalia o cérebro não consegue crescer normalmente.
Os casos de microcefalia são observados pontualmente pois dependem do grau de
acometimento de cada um. “Não dá para falar que todos os pacientes terão os
mesmos problemas. Cada caso é um novo desafio para nós”, explica. É preciso
analisar o tamanho dessa calota craniana, se ela está comprimindo o cérebro, o
que pode acarretar em paralisia cerebral, ou demais seqüelas. Tudo vai depender
do que realmente foi afetado por conta dessa caixa craniana menor.
Diante do desafio de tratar cada um dos pacientes com as
suas especificidades, o Crer formou uma equipe multidisciplinar composta por
fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo e odontólogo,
que acompanha diretamente a trajetória desse paciente na unidade. Somado ao
trabalho deles estão os neurologistas, fisiatras, otorrinolaringologista e
oftalmologista que são acionados para fazerem análises mais pormenorizadas de
cada caso, explica o supervisor da fisioterapia ambulatorial do Crer, o
fisioterapeuta Rogério de Castro.
Atualmente, 55 crianças com microcefalia são atendidas por
essa equipe, que desenvolveu três passos como protocolo de atendimento.
Primeiramente, ao chegar à unidade a criança é encaminhada para o Grupo de
Atenção Continuada (GAC), que o acolhe imediatamente. “Não temos uma criança na
lista de espera por atendimento. Todas que chegam até nós são imediatamente
atendidas”, explica Rogério. O GAC acontece por meio de atendimentos
quinzenais.
Em seguida, a criança é direcionada à estimulação precoce,
onde uma vez por semana recebe atendimento da equipe multidisciplinar. E após
um ano ela conquista uma vaga para as terapias individuais, onde passa a ter
acompanhamento até duas vezes por semana, de forma particularizada.
Tal metodologia de atendimento tem chamado a atenção de
demais unidades de saúde que também se empenham em conferir melhor qualidade de
vida aos pacientes com microcefalia. Portanto, o Crer foi acionado pelo
Ministério da Saúde para contribuir com o desenvolvimento dessa cadeia de
amparo a pessoas com a síndrome em todo o Brasil. “Somos um centro de
reabilitação tido como referência em todo o país. Naturalmente o governo quis
que participássemos mais diretamente desse processo ao levarmos nossa
experiência adquirida pelo grande volume de atendimentos que já oferecíamos a
pessoas com comprometimentos cerebrais. Com isso, ficamos na vanguarda dessa
capacitação”, explica Rogério.
Tanto o Crer tem enviado profissionais às unidades de saúde
para explicar os protocolos de atendimento adotados, como tem recebido equipes
interessadas em conferir in loco como tal atendimento foi sistematizado.
Em outra ponta, o pesquisador Heitor Rosa,
gastroenterologista que integra o corpo clínico do Crer tem mapeado os dados
coletados sobre a evolução dos pacientes com microcefalia para traçar um estudo
que visa mapear sua evolução com as técnicas aplicadas. “Contamos com a
expertise do doutor Heitor Rosa que está fazendo a avaliação das crianças antes
e depois para medirmos os avanços conquistados”, explica Rogério.
Atendimento integrado
Além das crianças com microcefalia, o Crer estendeu o
atendimento psicológico aos pais responsáveis por aprender a lidar com as
dificuldades enfrentadas pelos seus filhos. Amparar a família que sofre
diretamente o impacto de criar um filho com comprometimentos cerebrais é
fundamental para a evolução do tratamento, concluíram os especialistas
envolvidos.
Esse é o caso de Cybele Tomaz de Oliveira, 39 anos, que há
sete meses está lidando com a microcefalia, desde que sua filha Marcela nasceu
com a síndrome. Mãe também da pequena Ana Luíza, de 4 anos, Cybele se depara
pela primeira vez com a criação de um bebê com tal comprometimento. Ela recebeu
a equipe do Goiás Agora para uma conversa após sair de uma das sessões de
psicologia voltada especificamente para acompanhá-la.
Quando estava com dois meses de gestação, Cybele contraiu o
Zica Vírus e passou a fazer um acompanhamento gestacional pormenorizado desde
então. Foi por meio do ultrassom morfológico que ficou constatada a alteração
craniana de Marcela, com cinco meses gestacionais. “Você sente medo pelo que
sua filha vai passar, como a sociedade vai tratá-la. Portanto, eu iniciei a
preparação pela sua chegada desde cedo com a irmãzinha dela”, recorda.
Tal abordagem tem surtido resultados surpreendentes, conta a
mãe, que vê nas duas irmãs grandes companheiras. “Ana Luíza me acompanha no
Crer e aprendeu a fazer as massagens e estímulos para aplicá-los em casa. Elas
realmente se amam incondicionalmente”, conta a mãe, que se emociona ao relatar
a receptividade da filha mais velha.
Desde que deixou a maternidade, a pequena Marcela foi
encaminhada ao Crer e tem sido acompanhada diretamente. “Sou muito grata a
todos da equipe que nos acolheram com tanta dedicação e carinho”, finaliza.
Goiás Agora
Foto: Leo Iran