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segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Práticas

Um lugar para todas as religiões

Morros são usados para prática religiosa. Espaço é público e pode ser frequentado por qualquer pessoa

Postado em 18 de novembro de 2017 por Sheyla Sousa
Um lugar para todas as religiões
Morros são usados para prática religiosa. Espaço é público e pode ser frequentado por qualquer pessoa

Wilton Morais* 

A cidade de Goiânia possui três grandes morros, todos utilizados pela população para as mais diversas práticas religiosas. Sejam evangélicos, católicos, espíritas, ou praticantes da cultura racional, o lugar é laico. Apesar disso, os espaços possuem a predominação da prática religiosa, pentecostal ou neopentecostal. “Em um local mais elevado, buscamos a nossa origem, voltar para o centro. Não precisamos de uma doutrina para estarmos no monte. Tenho um grupo de amigos, por exemplo, que são astros clubes. Pegam o telescópio e vão para os montes diariamente”, relatou o jornalista Rodolfo Cardoso, praticante da cultura racional e frequentador do Morro do Além, há 10 anos.

Para Rodolfo, ao mesmo tempo que há segurança nos morros, falta policiamento. “A maioria das pessoas que vão nesses locais buscam um contato com a natureza. Mas aparece pessoas que buscam outras práticas, é inevitável. Por mais que digo que tem segurança, ainda falta. Em alguns momentos vão pessoas para usar drogas, e isso acaba sendo ruim. Pois aparecem pessoas para fazer sexo, nesses locais. Mas é um espaço público e não podemos interferir”, considerou.

Apesar das adversidades, nos locais predominam as características de pessoas, com “boas intensões”. Rodolfo assegura que o respeito às religiões deve ser presente, mesmo com conflitos isolados. “Eu sou uma pessoa que busca ter hábitos naturais, então é importante buscarmos um local seguro. É um momento de estarmos dentro da cidade e, ao mesmo tempo, fora. É um momento de fugir do trânsito, estar junto às estrelas e encontrar os amigos, ou pessoas novas. Acabamos interagindo com pessoas de outras religiões. O monte se torna um lugar neutro, onde várias pessoas de várias religiões vão até lá”, analisou.

Características

Há quatro anos, o pastor auxiliar Jaime José Costa, da igreja do evangelho quadrangular, relata que costuma frequentar os montes nas sextas-feiras, e considera que há policiamento no Morro do Além. “Seguro nunca é. Mas há policiamento, a viatura passa aqui todos os dias, seja a Rotam, a PM ou a Guarda Municipal”, disse. De acordo com o pastor, há todos os tipos de pessoas no monte. “Às vezes os policiais conversam com a gente, perguntam se está tudo bem. Outros dias não passa nada. Já fiquei sabendo de assaltos também. Mas sem agressões físicas. O que não deixa de ser violência”, reconheceu Jaime.

Ao falar sobre o Morro do Mendanha, o pastor que frequentava o local há 10 anos, disse que não vai lá mais. “À noite o Mendanha é muito perigoso. As invasões proporcionaram muito risco. Outro dia fui orar lá, um homem saio correndo do meio do mato com um facão”, relatou. Ao falar do espaço para a finalidade religiosa, o pastor reconheceu o fato do Morro do Além ter a vegetação baixa. “É mais seguro. Um monte mais seguro. Mas tarde da noite eu ainda não pude vir”. Sobre as melhorias para o local, José disse que faltam banheiros e iluminação. “Eu já fui a outros montes. Em Anápolis, por exemplo, tem banheiro e iluminação. Falta isso aqui”, considerou. 

Apesar de alguns terem construções privadas, áreas são públicas 

A Agência Municipal de Meio Ambiente (AMMA) esclarece que o Morro do Serrinha é um remanescente de Cerrado restrito, de domínio estadual, de responsabilidade, gestão e monitoramento compete a Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos (Secima). Apesar disso, a fiscalização do espaço não determina a jurisdição. “Não há jurisdição para coibir crimes ambientais ou seja, qualquer instância do poder público, ao constatar um crime, pode notificar, autuar e embargar. Mas o trâmite do processo correria na Secima”, ressaltou.

No caso dos morros do Além e Mendanha, o Plano Diretor de Goiânia considera ambos como Área de Preservação Permanente (APP). Por esse motivo, não pode haver nenhum tipo de uso direto dessas áreas, já que a finalidade é a proteção integral. Mesmo assim, a Amma reconhece que ao longo de muitos anos, parte do terreno tanto do Morro do Além, quanto do Mendanha foram ocupados, inclusive por loteamentos.

“O Loteamento Hugo de Morais, por exemplo, está dentro dos limites do Morro do Além. No entanto, em toda a extensão do Morro, existem áreas públicas também, com destinações diversas, sendo parques, praças e escolas”, considerou.

De acordo com a Agência, o mesmo raciocínio pode ser aplicado ao Morro do Mendanha. “O Parque Municipal Morro dos Macacos está dentro dos limites do Morro do Mendanha, assim como muitas áreas particulares também estão”, esclareceu. 

Ocupação irregular de morros gera conflitos com o poder público 

De acordo com a Agência Municipal de Meio Ambiente (AMMA) a ocupação desses territórios por igrejas são conflitos recentes. No caso do Morro do Serrinha, não há construção de templos, tampouco implantação de estruturas fixas com essa finalidade. Mas a utilização para realização de rituais religiosos é constante, conforme o órgão. Em geral, observam-se grupos que efetuam reuniões, fazem orações e no máximo instalam tendas removíveis. 

A AMMA esclarece que a maior reclamação da população do entorno é com relação à intensidade do som. Em geral, os grupos que frequentam o local não possuem autorização do órgão ambiental municipal ou estadual. “No caso dos Morros do Além e Mendanha, existem ocupações físicas do espaço, com construção de prédios e delimitação de território. Alguns são totalmente irregulares, portanto tramitam processos administrativos e muitas sanções podem ser aplicadas. Mas existem também construções em lotes particulares, então há que se observar quais as restrições podem ser impostas”, esclareceu o órgão. 

A Agência explica ainda que se tratando de Áreas de Preservação Permanente (APP), ainda que particulares, não deveria haver dissonância entre direito de construir e função social da propriedade. Mas ressalta que essa é uma seara que nem sempre o órgão ambiental pode nortear. Parte desses conflitos são judicializados.

Parques 

No Morro do Serrinha, a AMMA reconhece a discussão de implantação de um parque na área. Mantendo porém, o uso religioso da área. A área, no entanto, deve prever espaços que abriguem eventos religiosos. “Se isso for de fato consolidado, a sociedade deve ter em mente que o poder público não fará distinção de credo para emissão de autorizações e que é obrigatório a garantia de rotatividade. Não existe possibilidade de fechar uma área pública, ao interesse de uma só manifestação religiosa”, esclareceu a AMMA. O anúncio da estruturação e recuperação do parque deve acontecer até o fim do ano, conforme divulgado pela Secima em junho deste ano.

Assim como no Serrinha, para os demais locais, a Agência entende que embora existam discussões no sentido de “abrir” um bem público as atividades constantes de igrejas, há que se ponderar a laicidade do Estado. “[É preciso] permitir a diversidade cultural e religiosa. É diferente de fomentar de forma definitiva, atividades religiosas em áreas de uso comum da sociedade. Além disso, a função precípua de um Parque é resguardar atributos naturais e permitir o lazer contemplativo então muitas arestas devem ser aparadas antes de dotar uma área pública, de estrutura fixa para realização de atividades religiosas”, ressaltou. 

*Wilton Morais é integrante do programa de estágio do Jornal O Hoje, sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian.

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