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segunda-feira, 25 de novembro de 2024
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Entrevista com Helio Telho

“Quem quer renovação na política vai se frustrar”

Telho defende o sistema distrital de votos por compreender que esse formato tornaria o processo eleitoral mais econômico e mais participativo

Postado em 26 de maio de 2018 por Sheyla Sousa
“Quem quer renovação na política vai se frustrar”
Telho defende o sistema distrital de votos por compreender que esse formato tornaria o processo eleitoral mais econômico e mais participativo

Rafael Oliveira e Venceslau Pimentel*

O Procurador da República Helio Telho concedeu uma entrevista exclusiva ao jornal O Hoje na tarde de sexta-feira (25). Telho, que já passou pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), fez duras críticas ao sistema eleitoral brasileiro durante a conversa.

Confira logo abaixo:

Qual a expectativa do senhor sobre o processo eleitoral deste ano, considerando que o senhor já ocupou a função de procurador regional eleitoral?

Nesse período o que a gente observa? O Congresso Nacional veio ao longo desse tempo fazendo reformas na legislação eleitoral e partidária, reformas essas que tiveram objetivo muito claro, embora não confessado, de mudar tudo para que tudo permanecesse exatamente do mesmo jeito que estava. Aquele desejo de mudança e de avanço, que é claramente perceptível por parte do eleitor, não tem sido atendido pelo Congresso Nacional no que diz respeito à mudança da Lei Eleitoral e da Lei Partidária. Como consequência disso, a expectativa nossa para o resultado da eleição deste ano é a pior possível. E não é por pessimismo ou por negativismo, é por estar acompanhando e ver como as coisas foram delineadas. Se você prestou atenção no que foi a investigação da Lava Jato, você concluiu que era um esquema grande que incluía parlamentares, partidos políticos, governantes, dirigentes da Petrobras e empreiteiros para juntar dinheiro para as campanhas eleitorais. Agora, a mudança eliminou esses intermediários. 

Traz um pouco de otimismo para o eleitor?

A única mudança que teve é que tiraram os intermediários. Vai continuar vindo dinheiro público para o partido, para o ‘dono do partido’, para que ele distribua para aquelas pessoas que ele quer financiar. Não haverá mais doação de pessoas jurídicas, mas haverá de pessoas físicas – apesar de as pessoas no Brasil não terem o hábito de doar dinheiro para campanha eleitoral. Então é uma fonte de recursos que não será significativa, e o grosso do dinheiro vai vir do Fundo Eleitoral. Ou seja, continuamos do mesmo jeito: dinheiro público indo para o cacique partidário, para ele financiar seus correligionários, com a diferença de que hoje não precisa mais dos intermediários, que são os empreiteiros, operadores políticos, doleiros, etc. O dinheiro vai sair do cofre público para os donos dos partidos. O resultado disso é que quem não estiver comendo na mão do partido não vai ter dinheiro para fazer sua campanha. A campanha de quem que vai aparecer? Daqueles que hoje já estão no poder, já são parlamentares, já são donos do partido. Esses é que vão ocupar mais tempo na televisão, carro de som e santinhos. Quem quer renovação na política vai se frustrar.

Há certo otimismo em relação à figura do caixa dois. O senhor acredita que ele vai desaparecer?

Essas lideranças das cidades do interior é que fazem acontecer numa eleição para deputado estadual ou federal. É claro que há exceções, se você é uma pessoa popular, você não precisa dessas lideranças. E essas lideranças precisam de dinheiro para trabalhar e de dinheiro para alugar um carro de som e distribuir santinhos. 

É a compra de votos?

É a compra de apoio político. A compra de votos é quando você diz: “Vota em mim que eu vou te dar tanto”. Esse dinheiro que você precisa dar para liderança política, uma parte é para ela, outra parte vai fazer uma estrutura de campanha, e outra parte, se precisarem, algumas lideranças vão comprar voto de eleitor. Então, esse jeito de fazer campanha ainda é o que elege muita gente. Se eu tenho dinheiro e quero empregar na campanha, mas não posso, porque é um dinheiro que não pode aparecer, é um dinheiro roubado, vou fazer o quê? Passa esse dinheiro para as lideranças e elas fazem a campanha. Essa é uma das formas que o caixa dois continuará existindo. É por isso também que esse sistema de votos nosso, proporcional, onde o candidato tem que fazer campanha no estado inteiro, ele é horrível. Ele só favorece quem tem dinheiro para fazer campanha da forma que eu coloquei, ou se é uma pessoa conhecida e popular. Aquelas pessoas que não se encaixam nesses dois perfis, não terão chances de se eleger. 

Qual sistema que o senhor defende? 

Por exemplo, o sistema distrital – em que o candidato não é obrigado a fazer campanha em todo estado, mas sim num território pequeno do estado. E você vai ter também partidos ou coligações que só podem lançar um candidato naquele território, sem precisar gastar dinheiro. E depois de eleito, o eleitor sabe quem são os candidatos daquele território e vai cobrar dele o cumprimento das promessas, de forma que se ele não cumprir, nas próximas eleições ele não será eleito. Então você tem condição de fazer uma eleição em que o resultado dela está muito mais próximo do desejo do eleitor, da representatividade do eleitor e não como é hoje em que você vota numa pessoa e acaba elegendo outra. Os partidos pegam uma pessoa muito conhecida, um puxador de votos, como um Tiririca da vida, e concentra a campanha nessa pessoa. Essa pessoa tem votos absurdamente, se elege e leva junto três ou quatro candidatos. Quem são essas pessoas? São aqueles sujos que não tinham votos. Então o sistema nosso não é bom.

Considerando esse cenário, o senhor acredita que a renovação no Congresso Nacional vai ser menor do que se imagina? 

Acho que nós vamos ter um recorde de votos nulos e brancos, mas não acredito muito em renovação. Tradicionalmente a renovação na Câmara dos Deputados oscila de 45% a 55%. Eu acredito que nós teremos neste ano uma renovação menor que essa taxa histórica. E isso por conta desse sistema eleitoral, que não vai permitir que candidatos novos e bons apareçam aos olhos dos eleitores. Nosso sistema partidário é péssimo. Tradicionalmente os nossos partidos tem apresentado candidatos muito ruins, e os eleitores ficam sem opção. Eles querem votar em um nome bom, mas o partido não apresentou para ele nome bom, e ele acaba votando no menos ruim.

O PT vai lançar a candidatura oficial do ex-presidente Lula, que se encontra na carceragem da Polícia Federal. Considerando ele como um político ficha suja, o senhor acredita que ele tem condições de tornar-se elegível?

Do ponto de vista jurídico, a Lei Eleitoral permite que o partido requeira à Justiça Eleitoral a candidatura de qualquer um de seus filiados. Do ponto de vista do processo eleitoral, o partido não vai só poder lançá-lo candidato, mas também vai poder requerer ao Tribunal Superior Eleitoral que efetue o registro da candidatura dele, o que significa que o TSE vai conceder esse registro. O partido vai pedir e o TSE vai analisar se o candidato satisfaz os requisitos para ser registrado candidato. Se não houver nenhuma alteração da situação jurídica do ex-presidente Lula, do processo em que ele foi condenado, muito provavelmente o TSE aplicando a Lei da Ficha Limpa e as próprias jurisprudências do Tribunal, vai indeferir a candidatura do ex-presidente Lula. É claro que ele ainda vai poder recorrer disso para o próprio Tribunal. Se mantiver a decisão, o partido poderá requerer o registro de outro candidato no lugar do Lula. 

Esse processo se dá antes das eleições de primeiro turno? 

Isso depende da velocidade que o TSE conduzir esse caso. Se o Tribunal conseguir obedecer ao calendário eleitoral que o próprio Tribunal fixou, isso vai ser decidido antes das eleições. O TSE só decide o pedido de registro de candidatura dos candidatos à Presidência da República. Então ele não vai estar sobrecarregado de processos neste período e terá condição de decidir isso antes das eleições. Se decidir não registrar, aí o partido tem dois caminhos: um é pedir a substituição do candidato e o outro é insistir com esse candidato e recorrer para o Supremo Tribunal Federal contra a decisão que negou o registro de candidatura. Qual é o risco que ele corre se seguir esse último caminho? Se o STF não tiver julgado o prazo até a data da eleição, ou se julgar e negar a ele o direito de registro, o partido então perde os votos que forem dados ao Lula.  

“Fim do foro privilegiado é o sonho dos políticos” 

Procurador da República e membro do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal em Goiás, Helio Telho falou ao jornal O Hoje sobre a prisão em segunda instância para réus de processos criminais. Sobre o fim do foro privilegiado, Telho diz que “é o sonho dos políticos”, desde que seja derrubada a prisão em segunda instância. O procurador explicou também como a agenda de cobertura da operação Lava Jato tem abafado outros escândalos, como o de empréstimos do BNDES, denunciado pelo grupo J&F dos irmãos Batista e o superfaturamento de obras na Copa do Mundo de 2014.  

A operação Lava Jato vai trazer novos escândalos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas no Rio de Janeiro? 

Acho que já aconteceu. A colaboração da JBS revelou um escândalo enorme no BNDES. Acho que essa indefinição em cima da colaboração da JBS, se vai ser mantida ou não, talvez não esteja permitindo que o processo avance tanto. Mas o potencial de investigação que a colaboração dos irmãos Batistas trouxe é muito maior que a Lava Jato, inclusive, dentro do BNDES sobre aqueles financiamentos para a própria JBS. Então tem coisas sendo investigadas. Mas essas intercorrências não deixaram ainda aprofundar essas investigações. A colaboração da construtora Andrade Gutierrez entregou os esquemas de corrupção na Copa do Mundo de 2014. Obra superfaturada no Estádio Mané Garrincha, na usina de Belo Monte, no Estádio do Maracanã, na Arena das Dunas. Mas a gente tem tanta notícia hoje em dia, hora de um contrato novo, de uma fase nova da Lava Jato, que a gente esquece esses outros fatos. Mas já tem investigação, gente presa e gente sendo processada. Agora, em relação às Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016 ainda não se tem algo muito concreto. 

A prisão em segunda instância foi uma decisão acertada? 

Sim. Nós temos no Brasil quase 200 milhões de habitantes. Só de homicídios são mais de 60 mil por ano. Pessoas que morrem no trânsito, mais 60 mil. Pessoas que são assaltadas na rua [roubo de celular e carro] mais um número que não dá para informar. Muitos crimes fazem parte das “cifras negras” – crimes cometidos que não são avisados às autoridades policiais. Com esse tanto de crimes, imagina se fosse esperar julgamento no Supremo Tribunal Federal para colocar essa gente na prisão. O órgão tem 11 ministros e julga 60 mil processos por ano e às vezes demora uma tarde inteira para julgar um caso. Agora imagina todos esses crimes entrarem na fila do STF para serem julgados. Não funciona. É impossível. Um sistema de justiça criminal precisa ter um mínimo de funcionalidade. 

Quem defende a prisão após o trânsito em julgado?

Tem três grupos de pessoas que defendem a prisão após o trânsito em julgado. Aqueles que fazem por interesse próprios porque não quer ser preso; o advogado que vive de recorrer na Justiça e cada vez que ele recorre ganha dinheiro por isso; e as pessoas românticas que acham a teoria linda, mas nunca pararam para considerar que aquilo não funciona. Se a justiça criminal não funcionar, ela retroalimenta o crime. Desde que o Brasil foi descoberto até 2009 nunca precisou transitar em julgado. Em 2009 o STF reinterpretou a Constituição Federal e disse que precisava transitar em julgado para ser preso. O STF é mestre em tomar decisões sem aquilatar as consequências da decisão. Isso foi praticamente entregar a chave da cadeia para o advogado do réu. Por exemplo, o ex-senador Luiz Estevão recorreu mais de 30 vezes em seu processo. Faz sentido isso? Recorrer 30 vezes para saber se o réu é inocente ou culpado. Mas toda vez que o réu recorre, o processo volta para a mesa do juiz. Então se cria uma situação onde o tribunal já julgou aquele caso, publicou a decisão, e o advogado recorre de novo fazendo com que o tribunal precise julgar o mesmo mérito várias vezes. Posteriormente o juiz nega, publica a decisão e o advogado recorre novamente. No caso do Luiz Estevão, por exemplo, o tribunal precisou se reunir 30 vezes para julgar o mesmo caso, enquanto poderia julgar novos casos. Com a prisão após a segunda instância, o réu começa a cumprir a pena enquanto o advogado recorre. Em muitos casos o advogado recorria para ganhar tempo e o cliente não ser preso. Agora, o advogado só vai recorrer se sentir que tem chance de ganhar. Por isso acho que a decisão vai desafogar os tribunais. 

Como você avalia o fim do foro privilegiado? 

O foro privilegiado foi criado para colocar julgamentos de autoridades em órgão competente. Nós temos cerca de 600 parlamentares, 100 ministros e outras autoridades. Previa-se que essas pessoas não sairiam cometendo crimes toda hora. Então veio a Lava Jato e descobriu-se que um terço dos parlamentares está envolvido em esquemas de corrupção. 

O foro foi criado para processar uma, duas ou três pessoas. O Superior Tribunal de Justiça e o STF não foram concebidos para instruir um processo criminal, o que demanda uma estrutura diferente para funcionar. Na discussão em se acabar com o foro privilegiado, o STF decidiu restringi-lo, mas ainda de uma forma confusa. Esse negócio de processar crimes cometidos no exercício do cargo pode gerar uma área cinzenta onde não vai se saber se é caso de primeira ou segunda instância. Existem situações onde o fim do foro vai ser vantajoso e outras onde vai criar mais impunidade. O mais adequado é esse tema ser discutido pelo próprio congresso para se estipular regras. O grande receio em se acabar com o foro é aumentar a impunidade em determinados casos. O sonho dos políticos é acabar com a prisão em segunda instância e acabar com o foro privilegiado porque eles não vão ser presos nunca. Com o foro privilegiado, demora um pouco, mas sai a decisão e não tem como recorrer. Agora, se você permite que ele possa recorrer até transitar em julgado, até ser preso, e depois joga o processo para primeira instância de novo, ele não vai ser preso nunca. O político vai recorrer eternamente. Se o fim do foro privilegiado não for acompanhado da possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância, ele vai ser o pior acontecimento. Aí o político pode roubar a vontade que ele não vai para a cadeia. 

Como o senhor enxerga o percebimento de auxílio-moradia aos juízes e procuradores? 

É um assunto bem polêmico. Se você olhar sob o aspecto de que alguns juízes recebem e outros não, realmente seria visto como um privilégio. Acho que quem critica tem a sua parcela de razão. O fundamento do auxílio-moradia é que o promotor e o juiz têm direito a uma moradia funcional, custeada pelo Estado. Na maioria das Comarcas, o Estado não fornece essa moradia, então esse direito não é assegurado. Então quando se tem um direito e esse direito não é assegurado, ele tem que ser convertido em uma indenização. 

*Especial para O Hoje. 

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