Incra estuda reduzir área de quilombo na Cidade Ocidental
Parte da comunidade recebeu a informação com surpresa e se mobiliza para reverter a tentativa de redução do território herdado de ancestrais
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) estuda reduzir em cerca de 80% a área do Quilombo do Mesquita, situado
na Cidade Ocidental (GO), entorno do Distrito Federal. Medida instituindo a
redução de 4,2 mil hectares para menos de 1 mil foi publicada há pouco mais de
três semanas no Diário Oficial.
De acordo com a resolução, o Conselho Diretor do Incra,
órgão responsável pela titulação das terras quilombolas no país, aprovou no dia
17 de maio um requerimento apresentado por uma associação de moradores para
declarar como território do Mesquita apenas o espaço onde vivem os
remanescentes de quilombolas e uma área de vegetação, hidrografia e sistema
viário que totalizam 971,4 hectares.
A resolução estabelece ainda que só será publicada portaria
com a nova delimitação de território se a associação apresentar, no prazo de
três meses, comprovação de que submeteu a proposta de redução do território à
deliberação e aprovação da maioria dos integrantes da entidade.
Herança ancestral
Parte da comunidade recebeu a informação com surpresa e se
mobiliza para reverter a tentativa de redução do território herdado de
ancestrais. Eles explicam que a nova área não é suficiente para manter o
plantio e a sobrevivência da comunidade.
“São 4,2 mil hectares que nós temos hoje no nosso
território. Não concordamos com essa redução, estamos já nos movendo com a
assessoria jurídica. Isso não impactará só o Quilombo Mesquita, isso abre
precedente para todos os quilombos do Brasil, é uma questão de garantia de
direitos”, declarou Sandra Braga, liderança do Quilombo do Mesquita.
O temor de redução da área do Mesquita se espalhou pelas
comunidades do país. Quilombolas de vários estados acreditam que a medida, se
for concretizada, pode se repetir em outras terras. O assunto foi um dos mais
debatidos na Plenária Nacional da Coordenação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas (Conaq), realizada esta semana no Mesquita, que recebeu mais de 90
líderes de quilombos de vários estados do Brasil.
“Não houve um processo democrático nem consulta à
comunidade. Nós sabemos que tem instruções internacionais que garantem que
qualquer interferência em território quilombola ou indígena tem que passar por
consulta deliberativa e isso não aconteceu aqui [no Mesquita]. A gente está
preocupado, porque cria uma jurisprudência”, relatou Antônio Crioulo, liderança
do Quilombo Conceição das Crioulas (PE), que também passou por uma tentativa de
redução de território.
Reconhecimento
A Comunidade Remanescente de Quilombo do Mesquita foi
reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 2006. Após processo de estudo
técnico e antropológico, o território foi delimitado em 4,2 mil hectares. Em
2011, foi publicada a certificação do território reconhecendo a área
identificada. O quilombo ainda aguarda a conclusão do processo final de
titulação.
O primeiro registro do quilombo data de maio de 1746 e a
área inicial chegava à extensão de 8 mil hectares. Atualmente, o quilombo
abriga 785 famílias que mantêm a agricultura como principal meio de
subsistência. No território, é possível encontrar casarões centenários e resquícios
seculares do tempo da escravidão.
A partir da década de 50, com a construção de Brasília, a
área do quilombo começou a ser invadida devido ao avanço da especulação
imobiliária e de grandes propriedades rurais. O território é cobiçado pela
posição privilegiada e por ter muitas nascentes de água, inclusive águas
termais, o que atrai empreendimentos de luxo, seja para moradia ou lazer.
“Tem uma disputa política grande, os ruralistas querem
deixar para os quilombolas somente a área que eles estão morando em cima. Só
que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que o território quilombola é
aquele necessário para reprodução física, social, cultural e econômica das
comunidades”, explicou Fernando Priosti, advogado organização de Direitos
Humanos Terra de Direitos.
Advogados e integrantes do quilombo também relatam que o
Incra expôs em algumas reuniões que a falta de verbas para pagar indenização
pela desocupação dos não quilombolas poderia dificultar a titulação da área
originalmente delimitada de 4 mil hectares.
A indenização aos fazendeiros da região estaria estimada em
R$ 1 bilhão, os quilombolas contestam e afirmam que os estudos de delimitação
apontaram que o valor da desintrusão não passaria de R$ 60 milhões.
Providências
Os advogados de defesa do quilombo recorreram ao Incra para
tentar anular a resolução. A defesa argumenta que para reduzir o território
seria necessário refazer todo o estudo técnico e antropológico da área, além de
consulta à comunidade, procedimentos que ainda não foram seguidos pelo Incra.
“Todos os encaminhamentos necessários para a demarcação e
delimitação do território já foram realizados. O nosso entendimento é que a
ação de redução do território é absolutamente ilegal e nula, porque passa por
cima de todo um procedimento que já foi realizado”, explica o advogado Cleuton
de Freitas.
A defesa do quilombo também solicitou apoio do Ministério
Público Federal de Luziânia (GO) que enviou um ofício ao Incra solicitando os
documentos e as informações que basearam a resolução. Segundo o MPF, o Incra já
respondeu à solicitação e os procuradores responsáveis pelo caso estão
analisando o material.
No Congresso Nacional, alguns parlamentares também enviaram
pedido de esclarecimentos ao Incra e apresentaram um projeto de lei que anula
os efeitos da resolução.
Incra
Em nota, o Incra confirmou que a extensão original do
território é de 4.292 hectares, mas alegou que a resolução que prevê a redução
do Quilombo Mesquita para 971 hectares “acatou o pedido” da Associação
Renovadora Quilombo de Mesquita, que reivindica ser a principal representante
da comunidade.
O órgão destacou que “a resolução não acarreta
automaticamente a diminuição do território” e que isso só deve ocorrer após
publicação de portaria e de decreto presidencial.
A resolução publicada no dia 24 de maio estabelece que a
portaria só será publicada se a referida associação apresentar, no prazo de
três meses, comprovação de que submeteu a proposta à deliberação e aprovação da
maioria dos integrantes da entidade.
O Incra informou ainda que, depois de questionamentos, o
processo foi submetido a nova análise do Conselho Diretor e da Procuradoria
Federal Especializada (PFE) da instituição.
Com informações da Agência Brasil.