Alfabetização chega aos operários em empresas de Goiânia
Baixa ou ausência de escolaridade ainda é uma realidade no Estado e move comunidades para erradicar o analfabetismo
Thiago Costa
Em pleno século XXl Goiás ainda registra números significativos de analfabetos. 6,5% dos goianos fazem parte dessa estatística negativa, enquanto o Distrito Federal tem apenas 2,6% de analfabetos. Os dados foram divulgados após Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PENADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os números são referentes ao ano de 2016 e confirmaram que 341 mil goianos não sabem ler e escrever. Esse número inclui jovens a partir de 15 anos, o que é preocupante para o Estado, já que serão eles que vão entrar no mercado de trabalho em breve, se já não estão inseridos na informalidade, e serão reféns dos possíveis trabalhos com precárias condições para o exercício de suas atribuições.
Dos quatro estados pertencentes ao Centro-Oeste, Goiás divide a primeira colocação com percentual maior de analfabetos com o estado de Mato Grosso, ambos com 6,5%. Teve o segundo resultado mais preocupante o estado do Mato Grosso do Sul, com 6,3% de analfabetos. O Distrito Federal é o estado do Centro-Oeste com o menor índice, somando apenas 2,6%, que é o melhor resultado de todo o Brasil por região.
A pesquisa destacou ainda que o maior número desta estatística por região está entre os que já têm mais de 60 anos de idade, com um placar negativo de 24,3% de analfabetos. Quanto maior a idade, maior é o índice de analfabetismo.
Ações
Empresas em Goiânia investem em programas educacionais para levar a sala de aula aos canteiros de obras e contribuir para que esses dados negativos diminuam mais ainda, o que será vantagem para o trabalhador e também para a empresa, uma vez que atualmente os estudos são responsáveis pelos melhores empregos, elevação de cargos e a garantia que o produto final entregue pelo trabalhador será de qualidade.
O Plano Nacional de Educação (PNE) estipula o fim do analfabetismo no Brasil até 2024. É quando o pedreiro Jonas Vieira dos Santos, de Codó (MA), deve concluir a faculdade de engenharia civil. Aos 66 anos, ele retomou os estudos em Goiânia e agora conta os dias para a formatura no ensino fundamental. Ele é aluno de programa de ensino de jovens e adultos (EJA), cujas matrículas cresceram 3,4% em todo o país, de 2016 para 2017, na modalidade ensino fundamental, conforme a última pesquisa Pnad.
Jonas Vieira dribla o cansaço de um dia inteiro na obra para estudar depois do expediente. É um dos alunos com maior número de presenças no projeto Escola Nota 10, da MRV Engenharia. A iniciativa, realizada em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi), propõe alfabetizar profissionais da construção civil em espaços montados nos canteiros de obras.
O pedreiro tem no exemplo dos seis filhos formados a motivação para encarar as aulas de português, matemática e geografia. “Eu pretendo continuar, concluir o ensino médio e entrar para a universidade. Não tem idade quando a gente quer estudar e melhorar de vida”, diz Jonas, que atua como azulejista. Antes de chegar a Goiânia, em 2014, Jonas até tentou reaver os estudos em Marabá (PA), mas um problema na visão e a transferência de cidade para Serra dos Carajás, também no Pará, o obrigou a adiar seus planos.
Jonas Vieira estuda de segunda a sexta, das 16 horas às 18 horas. Ele se diz agradecido pela oportunidade de estudar no próprio ambiente de trabalho. “É uma facilidade e tanto para quem quer aproveitar a oportunidade de estudar, de se aperfeiçoar. Enquanto eu puder, vou aproveitar. Estou me sentindo bem mais desenvolvido”, conta o operário. Ele credita o envolvimento com a escola ao apoio da família. “O cansaço é demais, mas não vou desistir”, finaliza.
O também pedreiro Valdeni Miranda de Souza, de 35 anos, quer concluir o ensino fundamental para fazer um curso de montagem e manutenção de computadores. Dia a dia, com as aulas no Escola Nota 10, ele chega mais perto do objetivo. Quando criança, Valdeni frequentou o ensino fundamental até o terceiro ano em Santana do Araguaia (PA). De 2015 para cá, após mudar de Campo Grande (MS) para Goiânia, ele voltou a sonhar com o curso na área de tecnologia. Valdeni já foi camelô e trabalhou na lavoura.
Ele atua ao lado de Jonas Vieira nas obras. Um vai motivando o outro na escola. Valdeni reconhece que, sem formação acadêmica, dificilmente conseguirá realizar seu projeto de vida. “Sem terminar o ensino médio, não posso fazer nenhum curso de formação mais avançado e tomar conta do próprio negócio. Se não aprimorar o conhecimento, o trabalho não rende. Por isso, quero concluir todos os estudos, se Deus permitir”, relata o pedreiro.
Cansaço
Marcos aprova a iniciativa de trazer a escola para o canteiro de obras. “Se não fosse isso, seria muito custoso pegar ônibus e chegar em casa às nove horas da noite. Condições financeiras quase ninguém tem hoje e isso conta também. É muito difícil não ser alfabetizado no Brasil. Por isso é que eu tenho vontade de continuar agarrando essa oportunidade”, comenta o trabalhador, funcionário da construtora desde 2015.
Ana Flávia Ribeiro é professora contratada pelo Sesi. Ela leciona para os operários na obra. Aos 27 anos, Ana Flávia se considera realizada por formar, no Escola Nota 10, alunos que muitas vezes não cogitavam mais voltar a estudar. Professora de língua portuguesa, ela reconhece o esforço dos operários. “Apesar do serviço puxado na obra, o dia inteiro, eles têm uma vontade muito grande de estudar e de superar as dificuldades de aprendizagem”, ressalta.
A turma de 15 alunos da Ana Flávia tem desde jovens de 25 anos a veteranos com idade superior a 60 anos. Por ser uma classe heterogênea, a professora conta que tem de se reinventar diariamente para trazer dinâmicas e metodologias que possibilitem um alinhamento mínimo do raciocínio dos operários nas aulas. Para tanto, Ana Flávia faz analogias entre conceitos do conteúdo programático com a rotina nos canteiros de obras.
“Além de adotar uma linguagem mais simples, a gente tenta aproximar ao máximo o conteúdo do que os alunos vivenciam na obra. E outro exercício que fazemos é de levá-los a entender o que eles têm de bagagem para oferecer na discussão do conteúdo proposto”, diz Ana Flávia.
O engenheiro coordenador de obras, Miguel Costa Junior avalia que a instalação de salas de aulas no ambiente de trabalho melhora o clima entre os colaboradores. “O funcionário trabalha motivado e essa motivação melhora o desempenho do profissional”, argumenta Miguel. Ele afirma que o projeto Escola Nota 10 resgata a autoestima do colaborador e “traz a esperança de que ele pode chegar mais longe”.
Luciana Lima é gestora de recursos humanos da Dinâmica Engenharia, empresa que possui um projeto educacional parecido, voltado também à alfabetização dos funcionários. “Muitas vezes a pessoa chega de outras cidades sem saber escrever, e sai do curso qualificado, confiante, com a autoestima bem elevada”, afirma a executiva.
Na análise de Luciana, a qualificação acadêmica leva ainda ao aumento na produtividade. A gestora de RH destaca que, com a formação, o profissional entende melhor o processo produtivo e as tarefas designadas a ele. “Na obra, isso ajuda o colaborador, por exemplo, a fazer leitura de projetos, operar máquinas e realizar medições”, conclui a gestora.
Analfabetismo está diretamente relacionado ao trabalho escravo
Os homens analfabetos são a maioria das vítimas de trabalho escravo no Brasil, segundo informa o assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho, Marcelo Campos. Esses homens trabalham, principalmente, no desmatamento e na preparação de florestas e solos para o plantio de sementes, de capim, além da criação de gado.
Campos diz que, frequentemente, há confusão sobre as definições de trabalho escravo e regime degradante de trabalho. “Trabalho escravo é quando o trabalhador está impedido de romper com o trabalho. Não é possível a ele dizer, para quem o está explorando, que no dia seguinte não volta a trabalhar. Se disser, vai receber surras ou até ter a sua vida em risco”, informa.
No trabalho degradante, segundo o assessor, a pessoa pode romper o contrato. “A pessoa tem a supressão de todo seu direito trabalhista, como no caso do trabalho escravo, mas efetivamente, se ela quiser, não precisa voltar a trabalhar no dia seguinte”, explica.
Segundo Campos, os trabalhadores que vivem em regime análogo à escravidão são iludidos com promessas de emprego e uma vida melhor. Eles são aliciados por fazendeiros ou intermediários, os chamados “gatos”. “Eles vão aonde há trabalhadores disponíveis, na maioria das vezes em outros estados, e fazem falsas promessas de bons salários, boa moradia e boas condições de trabalho. Iludem. Levam esses trabalhadores para fazendas, depois de até fazerem algum adiantamento em dinheiro”, alerta. “Quando chegam lá, os trabalhadores percebem que nada daquilo que foi prometido era verdade. E quando tentam sair são impedidos” finaliza.
Com a ajuda da empresa que trabalha, um dos operários do Escola Nota 10, o Pedreiro Valdeni, que ainda cursa o ensino fundamental, decidiu não ser refém destes trabalhos com precárias condições. Valdeni, diz que assim que se formar com esse incentivo que atualmente recebe do projeto, trabalhará na área da informática, um sonho de criança que está mais perto de ser uma realidade na vida do então operário e futuro profissional da tecnologia.