Morador de rua se dedica integralmente para cuidar de cães e gatos, em Goiânia
Morador de rua já teve oportunidade de viver com seus animais em uma casa de sete quartos e três banheiros, além de grande quintal, mas preferiu voltar para debaixo da ponte
Thiago Costa
Goiânia tem atualmente uma população de aproximadamente 500 moradores de rua. Desses, 70% não são da Capital e vieram para a cidade em busca de melhores condições de vida. Mas um caso que tem chamado a atenção é de um morador de rua que vive debaixo da ponte da Avenida 24 de Outubro com mais de 50 animais, entre cães e gatos.
José Ananias, mais conhecido pelos populares como Ananias, foi morar debaixo da ponte há aproximadamente 10 anos, logo quando sua companheira faleceu. Desde os cinco anos de idade ele tem essa simpatia por animais que são seus maiores motivos para não aceitar morar em uma casa convencional. O morador de rua chama cada um pelo próprio nome. Roberto Carlos é um dos cachorros que o acompanha nas ruas, em seu carrinho do supermercado que frequenta para catar latinhas.
Ele explica que há pouco tempo um conhecido o ofereceu uma dessas casas para morar. Uma casa grande, mas que não foi suficiente para preencher as necessidades da vida dele, já que afirma ser impossível morar em uma casa com a quantidade de animais que tem.
Uma das casas que Ananias teve a oportunidade de morar era grande. Como ele mesmo explica, na unidade tinha sete quartos e três banheiros. “Eu não quis ficar lá. Eles me deram eu só consegui ficar por mais ou menos um ano”, conta o morador de rua que acha pouco provável se adaptar em casas convencionais com seus vários animais.
Em sua atual moradia, Ananias vive solto e pode, todos os dias, percorrer os dois sentidos do córrego com os animais que o acompanham. Ele conta que todos os dias faz sua caminhada pelo córrego, que considera ser extensão de sua casa. Ananias não quer uma residência, principalmente afastada do córrego que já está acostumado a passear todos os dias.
Perguntado sobre uma possível mudança após ganhar uma casa de algum órgão público ele foi categórico ao afirmar. “Eu não vou”. Como ele explica, não há a possibilidade de ficar dentro de uma casa com essa quantidade de animais. Ananias também diz que não quer morar em casa fechada, pois isso não faz parte da sua vida.
O morador de rua compara que uma pessoa que vive nessas condições está abaixo da linha da miséria. Ele explica que quando chove o esgoto sobe e invade sua residência. Ananias diz que seu maior desejo é conseguir autorização para morar próximo onde está há 10 anos, atrás de um hipermercado, em uma área brejeira. “Eu quero morar com meus bichos em paz. Nem dinheiro estou pedindo. Estou aqui é por necessidade. Doações eu sempre recebo da população. Meus cachorros sempre comem ração”, afirma.
Desprezo
Um dos maiores questionamentos de Ananias é que algumas pessoas que trabalham em órgãos públicos deveriam tratar esse tipo de morador, o de rua, com menos desprezo. Ele relata que há um ano uma equipe pegou suas coisas e jogou tudo dentro do córrego que passa pela ponte. Segundo Ananias, a única ação a se fazer nesses momentos que ele sofre algum tipo de ação pública é pedir a Deus a proteção e correr.
O morador de rua se considera mendigo e diz que esse é o seu trabalho. De acordo com ele, nenhum dos governos o ajudou até o momento, nem igrejas. Ele conta que por ser solteiro não consegue sequer uma cesta básica de uma igreja que tentou fazer o cadastro.
Moradia
Para o secretário da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), Robson Azevedo, Ananias é um morador em situação de rua diferente. Conhecido pela população como o homem do cachorro, ele tem a característica de amar os animais e, por conta desse estilo de vida, virou referência. Robson explica que recentemente o morador em situação de rua começou a acreditar que a ponte que ele sempre morou vai cair, sensação que o realocou para a praça ao lado da ponte.
O secretário explica que quando ele foi para o parque, as pessoas começaram a ficar incomodadas, principalmente por conta do grande número de animais que não se afastavam dele. Robson conta que foram essas pessoas o denunciaram a Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) e o órgão deu a ele cinco dias para se retirar do local. “Graças aos próprios moradores que o defenderam aconteceu uma reunião para tratar exclusivamente do Ananias e eu tive a oportunidade de ser convidado, oportunidade que começamos os nossos trabalhos sociais neste caso”, conta Robson.
“A Semas, por já saber da história, fez uma reunião na Amma para discutir a notificação de retirada do Ananias do local. Conheci todas as entidades que discutiam sobre o assunto e conseguimos com a Amma um tempo maior para providenciar novas possibilidades e condições para a vida do Ananias”, ressalta o secretário.
Após a reunião conversou com o morador de rua que concordou com as alterações que serão feitas. Robson reafirma o que o próprio Ananias informou à reportagem, que tem uma residência. O secretário afirma que a casa está localizada na região do Morro do Mendanha, que é uma das possíveis regiões que o órgão de assistência social irá optar para realocar Ananias com seus animais.
De acordo com Robson, um dos maiores empecilhos para a continuação do Ananias no Setor Campinas é que este é o setor mais antigo de Goiânia e já não tem mais áreas públicas para a construção do espaço para o morador de rua com seus animais. Outro problema apresentado pelo secretário é que o parque municipal Campininha das Flores, uma das possibilidades já descartadas para a permanência do Ananias, é uma área de preservação ambiental, que não pode sofrer nenhum tipo de empreendimento para solucionar o caso nas redondezas.
Maioria dos moradores de rua de Goiânia veio em busca de emprego
De acordo com o presidente do Centro de Referência Especializada para População em Situação de Rua (Centro Pop), Wellington Carlos Pereira, a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) oferece a esse público abrigos e faculdades terapêuticas, caso haja a necessidade identificada pela equipe especializada em abordagem social, que separa cada um desses moradores para que eles sejam devidamente direcionados.
O presidente do Centro Pop ressalta que 70% dos moradores de rua em Goiânia são pessoas de vêem de fora em busca de emprego e que não conseguem êxito na procura do trabalho, o que os fazem ter vergonha de voltar às suas cidades em situação pior se comparado quando vieram para a Capital.
Segundo uma pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG) de 2016, nos três anos anteriores a pesquisa 61 moradores de rua foram mortos. A pesquisa foi desenvolvida pelo Núcleo de Estudos Sobre Criminalidade e violência da UFG. À época, os números foram considerados “alarmantes”, já que, quando a pesquisa foi desenvolvida, existiam em Goiânia 351 moradores em situação de rua.
À época, quando concedeu entrevista ao Jornal O Hoje, o sociólogo responsável pelo estudo, Djaci David de Oliveira, disse à reportagem que esses dados representavam que a população goiana “estaria achando uma forma perversa de resolver a questão”.
O sociólogo também informou que os principais fatores que levam uma pessoa para a situação de ter como abrigo as ruas são os conflitos familiares. Ainda como informou o sociólogo, essas pessoas tiveram que conviver com situações de briga, maus-tratos e vários outros problemas com familiares, o que tem um impacto direto na decisão deles procurarem as ruas para saírem dessas situações. O sociólogo descobriu também que essas pessoas sabem onde estão seus familiares, mas que eles mesmos decidem não procurá-los.