Bibi Ferreira, diva dos musicais brasileiros, morre aos 96 anos
Bibi era uma profissional completa: atriz, cantora, compositora e diretora
SABRINA MOURA E GUILHERME MELO*
A atriz, cantora, apresentadora, diretora e compositora, Bibi Ferreira morreu na tarde desta quarta-feira (13) na cidade do Rio de Janeiro. Bibi, que tinha 96 anos, foi um dos maiores fenômenos artísticos do Brasil. A informação do falecimento foi confirmada pelo empresário dela, Marcos Montenegro.
A artista morreu em seu apartamento, no Flamengo, Zona Sul do Rio, e, segundo sua filha, Tina Ferreira, a atriz acordou e pediu um copo d’água. Quando a enfermeira, que a acompanhava, percebeu que o batimento cardíaco estava baixo, chamou um médico, mas não houve tempo para levá-la para o hospital. Tina acredita que a mãe tenha morrido dormindo. Até o fechamento desta edição, a informação é de que Bibi seria velada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro , e que o corpo deverá ser cremado.
Para o coordenador do Núcleo de Teatro Gustav Ritter, em Goiânia, Edson Fernandes, a atriz Bibi Ferreira era um dos grandes nomes da história do teatro brasileiro e das artes cênicas. “É uma perda irreparável para nós a sua partida. Uma atriz completa e uma grande cantora, filha do grande ator Procópio Ferreira. Ela é uma artista que será inesquecível, um ícone do teatro brasileiro!”, lamentou ele. “Além do mais, ela era uma atriz completa: bailarina, atriz de televisão, cinema e teatro. Sua trajetória é maravilhosa, sendo uma grande referência para todos que almejam seguir a carreira artística”, completa Edson.
O diretor do instituto Instituto de Educação em Artes Professor Gustav Ritter, Edmar Carneiro, também lamenta a perda: “Uma grande tristeza a partida de Bibi Ferreira para todos nós. Uma das grandes damas do teatro brasileiro. Atriz, professora e diretora, ela se dedicava 100% ao ofício das artes cênicas. Estamos em luto!”.
Para o produtor cultural Carlos Brandão, que vem de uma geração que teve a felicidade de crescer assistindo a grandes artistas, Bibi Ferreira foi uma das pessoas que ele cresceu vendo. “Embora seja uma perda natural pela sua idade, para as artes brasileiras é uma perda irreparável. Ela foi uma superartista, atriz e estrela. Perdê-la é algo muito sério!”, finaliza Carlos.
A Grande Bibi Ferreira
Abigail Izquierdo Ferreira nasceu em 1º de julho de 1922. Filha de um dos maiores nomes das artes cênicas do Brasil, o ator Procópio Ferreira, e da bailarina espanhola Aída Izquierdo, Bibi (apelido que ganhou ainda na infância), já estava no palco com apenas 20 dias de vida, no colo da madrinha Abigail Maia, em encenação de Manhãs de Sol, de Oduvaldo Vianna.
Como a maioria dos cancerianos, Bibi foi uma pessoa multimídia: fez filmes, apresentou programas de TV, gravou discos e dirigiu shows sem nunca abandonar o teatro, uma grande paixão. Foi enredo de escola de samba (Viradouro, em 2003) e teve, recentemente, a vida e a obra contadas em musical escrito por Artur Xexéo e Luanna Guimarães e dirigido por Tadeu Aguiar.
Em março de 2018, aos 95 anos, foi assistir à peça em teatro no Rio, e fez o público se emocionar ao chorar cantando música de Edith Piaf (1915-1963), francesa que Bibi interpretou com maestria em musical de enorme sucesso no Brasil e em Portugal.
Sua interpretação foi considerada tão perfeita e cuidadosa, que mesmo pessoas que conheceram a própria Piaf se espantaram com o nível de semelhança alcançado por Bibi. Com o espetáculo, conquistou os principais prêmios do teatro nacional: Molière, Mambembe, Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), Governador do Estado e Pirandello. E esses são apenas alguns dos muitos prêmios que colecionou ao longo das décadas de carreira.
Em 1960, Bibi inaugurou a TV Excelsior com o programa ao vivo Brasil 60, que levou à TV os maiores nomes do teatro. Na mesma emissora, também apresentou o programa Bibi Sempre aos Domingos. Em 1968, estrelou o musical Bibi ao Vivo, que tinha a direção de Eduardo Sidney – o programa era transmitido do auditório da Urca.
Ainda na década de 1960, Bibi estrelou outros dois dos musicais mais marcantes de sua carreira. O primeiro foi Minha Querida Dama (My Fair Lady), de Frederich Loewe e Alan Jay Lerner, adaptação de Pigmaleão, de George Bernard Shaw, ao lado de Paulo Autran e Jayme Costa.
O outro foi Alô, Dolly! (Hello, Dolly!), uma versão da obra The Matcmaker, de Thornton Wilder, com Hilton Prado e Lísia Demoro. Já na década de 1970, Bibi foi o principal nome de O Homem de La Mancha, musical de Dale Wasserman, dirigido por Flávio Rangel e com letras adaptadas para o português por Chico Buarque.
A artista deixaria ainda seu nome marcado na casa de ‘shows Canecão’ ao dirigir o espetáculo Brasileiro, Profissão Esperança, de Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho, produção inspirada na obra do compositor Antonio Maria. Em 1975, Bibi recebeu o Prêmio Molière pela interpretação da personagem Joana, de Gota D’água, de Paulo Pontes e Chico Buarque, montagem que ambientava a tragédia Medeia, de Eurípedes, em um morro carioca. No início dos anos 2000, com seus 78 anos, ela realizou mais um impressionante trabalho ao interpretar a fadista Amália Rodrigues no espetáculo Bibi vive Amália.
Em seguida, Bibi apresentou dois recitais, Bibi in Concert e Bibi in Concert Pop, nos quais se apresentou acompanhada por orquestra e coral.
Bibi era admirada pelo público e respeitada pelos colegas, e sempre mantinha uma rotina discreta, evitando a exposição de detalhes de sua vida pessoal. Raras eram suas aparições em eventos sociais. Segundo amigos mais próximos, quando fora dos palcos Bibi preferia passar o tempo em seu apartamento (no Flamengo, Zona Sul do Rio). Em seus vários casamentos, teve apenas uma filha, Teresa Cristina.
Afastamento forçado
“Nunca pensei em parar. Essa palavra nunca fez parte do meu vocabulário, mas entender a vida é ser inteligente. Fui muito feliz com minha carreira. Me orgulho muito de tudo que fiz. Obrigada a todos que, de alguma forma, estiveram comigo, a todos a que me assistiram, a todos que me acompanharam por anos e anos. Muito obrigada! Bibi”. Com essas palavras, atribuídas a Bibi Ferreira em comunicado publicado em rede social, a atriz e cantora carioca anunciou, no dia 10 de setembro de 2018, que encerrava uma das carreiras mais gloriosas construídas por uma artista no Brasil e no mundo. A artista se retirou voluntariamente de cena para preservar a saúde, aos 96 anos, após três sucessivas internações. Bibi disse, na época, que não iria mais se apresentar nos palcos como atriz ou cantora. Tampouco daria entrevistas, nem mesmo por e-mail, como vinha fazendo nos últimos tempos.
*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE