Projeções do BC para contas externas mostram que a crise é mesmo só nossa
Lauro Veiga
Mesmo
diante do salto projetado pelo Banco Central (BC) para o déficit na conta de
transações correntes do País, o cenário tende a continuar bastante confortável
por conta das reservas internacionais muito elevadas, próximas a US$ 382,8
bilhões no encerramento da primeira quinzena deste mês, algo como um quinto do
Produto Interno Bruto (PIB). Mas também porque o BC espera a entrada de
investimentos diretos do exterior, incluindo as polêmicas operações de
internalização de plataformas de petróleo, que ultrapassam em quase três vezes
o rombo total esperado.
Desde
o começo da recessão e ainda na sequência, com a economia demonstrando sua
incapacidade para retomar o crescimento de forma mais sustentada, os números
das contas externas apenas reforçam que a crise e o baixo crescimento são
“obras” produzidas inteiramente aqui dentro. Não foram apenas os estragos
causados por dois anos de queda profunda da atividade econômica que poderiam
explicar o baixo crescimento.
A
persistência em políticas de aperto fiscal e monetário tem grande parcela de
culpa ao inibir a demanda total. Muito especialmente numa fase de ociosidade
elevada nas fábricas, alto desemprego, famílias e empresas ainda endividadas,
pouco ou quase nenhum crescimento no mercado de trabalho. Como se torna a cada
dia mais nítido, diante da ausência de dinamismo mais relevante nos diversos
setores da atividade econômica, a queda nas taxas de juros foi insuficiente e
deveria ter sido continuada nos últimos meses como forma de combater a apatia
na economia e tentar reavivar o emprego.Mesmo a recente retomada ensaiada no
mercado de empréstimos e financiamentos (mais 5,1% em 2018 e com o BC
projetando alta de 7,2% para este ano no saldo do crédito) parece não sugerir
força suficiente para dar sustentação à demanda.
Dados revisados
Na
revisão apresentada recentemente, o BC passou a projetar um déficit em
transações correntes de US$ 30,8 bilhões para este ano, numa redução de 13,5%
frente ao rombo de US$ 35,6 bilhões na previsão anterior (um corte de US$ 4,8
bilhões). A conta de transações correntes inclui, entre outras, despesas com
viagens internacionais, fretes, aluguel de equipamentos no exterior, remessas
de juros e dividendos, além da diferença entre exportações e importações. Na
comparação com o ano passado, o déficit tende a mais do que dobrar, saltando
112,4% diante do rombo de US$ 14,5 bilhões registrado em 2018. Mas outras
contas deverão ajudar a contrabalançar essa alta e o estrago, assim, não deve
gerar maior intranquilidade. Ao contrário. O investimento estrangeiro deve
girar em torno de US$ 90,0 bilhões, em alta de apenas 1,9%, mas 192% superior
ao déficit em transações correntes.
Balanço
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Pouco
mais de 83% do crescimento esperado para o déficit em transações correntes virão
da queda de 25,4% esperada para o superávit comercial (exportações menos
importações), que deverá baixar de US$ 53,6 bilhões para US$ 40,0 bilhões entre
2018 e 2019, encolhendo US$ 13,6 bilhões.
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O
BC utiliza metodologia diferente para medir a balança comercial. Para se ter
ideia, o dado oficial da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostra um
superávit de quase US$ 58,7 bilhões no ano passado, perto de US$ 5,1 bilhões
mais elevado.
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De
qualquer forma, o BC trabalha com previsão de exportações de US$ 247,0 bilhões
e importações de US$ 207,0 bilhões em grandes números, expressando crescimento
de 3,3% e de 11,6% frente a 2018, respectivamente.
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Na
previsão anterior, a expectativa era de exportações e importações levemente
maiores (US$ 250,0 bilhões e US$ 212,0 bilhões, pela ordem), mas o saldo
projetado atingiria US$ 38,0 bilhões. Na projeção mais recente, as exportações
e importações foram reduzidas ligeiramente (-1,2% e 2,4% respectivamente),
elevando o saldo esperado em 5,3%.
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O
BC incorporou a expectativa de um crescimento menor para a economia brasileira
(com impacto sobre as compras externas), os efeitos da tragédia em Brumadinho
sobre as vendas externas de minério de ferro, assim como a expectativa de menor
produção de soja.
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Ainda
assim parece haver algum excesso de otimismo do BC ao se considerar o
incremento esperado para as importações. De qualquer maneira, um avanço menos
intenso das compras ajudaria a melhorar o saldo comercial, reduzindo, portanto,
o déficit em transações correntes.