Desindustrialização atinge drasticamente setores de maior intensidade tecnológica
Lauro Veiga
O
País assiste a um processo continuado de perda da importância da indústria de
transformação na economia que vai muito além da crise mais recente, da qual o
setor ainda não se recuperou. Foram décadas de políticas macroeconômicas
equivocadas, com juros nas nuvens e dólar barato, estimulando a entrada de bens
importados, agravada por rodadas de cortes em tarifas aduaneiras sem qualquer
planejamento e reciprocidade com países concorrentes, e ausência de políticas
industriais que permitissem ao País avançar na diversificação e sofisticação de
seu parque industrial.
Há
anos o País vive um processo de desindustrialização, que atinge mais
severamente o coração mesmo da nova “revolução industrial”, vale dizer, os
setores de alta tecnologia, incluindo bens de informática e eletrônicos. O
conceito de manufatura avançada, desenhado inicialmente pelo governo alemão no
começo da década, também conhecido como Indústria 4.0, pressupõe doses maciças
de digitalização, integração entre sistemas com elevada capacidade de
processamento, com algoritmos que permitem a tomada de decisões sem a
interferência humana, armazenamento de dados em nuvem, além de sistemas de
automação que possibilitam a comunicação entre máquinas, acoplando ainda a
internet industrial das coisas.
A
indústria brasileira não está apenas atrasada na corrida rumo ao novo paradigma
como vem perdendo relevância nos setores que mais serão exigidos ao longo do
processo de mudança, conforme detalha o estudo “Desindustrialização setorial e
estagnação de longo prazo da manufatura brasileira”, dos economistas Paulo
Morceiro (USP) e Joaquim J. M. Guilhoto (OCDE), compilado pelo Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). O trabalho mostra que a
desindustrialização em curso é não só “prematura” como “indesejada para os
setores intensivos em tecnologia e conhecimento”.
Retrocesso
Esse
processo, de resto não observado nas economias mais relevantes do planeta, foi
iniciado quando o Brasil apresentava nível de renda per capita muito inferior
ao que os economistas chamam de padrão internacional (em geral, quando a renda
atinge em torno US$ 20 mil por habitante, em valores que consideram a paridade
de poder de compra de cada moeda nacional). “Isso é grave, pois os setores
tecnológicos deveriam estar crescendo para atingir o pico no PIB (Produto
Interno Bruto) em níveis elevados de renda per capita, do qual o Brasil ainda
está distante”, anota a compilação feita pelo Iedi. E acrescenta: “a
desindustrialização em curso já atingiu, prematuramente, o núcleo dinâmico em
termos de tecnologia, crescimento econômico e mão de obra qualificada da
indústria brasileira. Em conjunto, os setores de maior intensidade tecnológica
perderam 40% de peso no PIB desde 1980”.
Balanço
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A
recessão mais recente apenas aprofundou o problema, nota o Iedi, relembrando
que a fatia da indústria no PIB caiu ao nível mais baixo desde 1947 (quer
dizer, numa fase quase “pré-industrial”). A participação do setor desabou para
11,3% em 2018, “quase metade dos 20% registrados em 1976”.
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“Temos
passado por um processo de regressão industrial dos mais intensos do mundo, o
que tem resultado em baixo crescimento econômico e atrasos tecnológicos importantes”, registra o instituto.Isso não significa
que a indústria parou decrescer e sim que tem crescido muito pouco,
demonstrando baixíssimo dinamismo.
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No
mundo, o produto do setor de manufatura cresceu, em termos reais, em torno de
175% entre 1980 e 2015. Sem a China, o avanço atingiu 124%. No Brasil, o
crescimento ficou limitado a 28%.
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A
participação do valor adicionado pela indústria global no PIB cresceu pouco
mais de 10% no período (de 16,3% para 18,0%). No Brasil, ela encolheu 42% (de
23,0% para 13,3%), levando em consideração ainda a paridade de poder de compra,
o que permite uma comparação mais precisa entre os países. Excluída a China,
essa fatia ficou praticamente estável (saindo de 16,2% para 16,1%).Como diz o
Iedi, “somos um ponto fora da curva”.
Setores de elevada intensidade tecnológica não
chegaram a regredir, mas também não avançaram, embora ocupem uma fatia muito
baixa em termos internacionais. A indústria de bens de informática e eletrônicos
responde por apenas 0,5% do PIB, três vezes menos que nos Estados Unidos. “Este
quadro sugere grandes dificuldades para acompanharmos as transformações da era
digital”, afirma o Iedi.