Famílias sobrevivem com o descaso
Material reciclável espalhado na beira da GO-040 é separado do lixo orgânico por catadores e gera renda para dez famílias na região
Igor Caldas*
O cheiro forte faz parte do cotidiano de catadores que sobrevivem do descarte irregular de lixo no bairro Parque Madre Germana, em Aparecida de Goiânia. Há pelo menos dois anos a população faz descarte de resíduos na beira da GO-040. O material reciclável espalhado pelo crime ambiental é separado do lixo orgânico por catadores e gera renda para dez famílias na região. Erica Rodrigues mora vizinha ao descarte e afirma que a Prefeitura limpou o local há cerca de dois meses, mas falta fiscalização para coibir a ação dos criminosos.
A reportagem esteve no local e foi constatado descarte de diversos tipos de resíduos sólidos na beira da estrada. Grande quantidade de sacolas plásticas contendo lixo doméstico, partes de eletrodomésticos, garrafas de vidro e animais em putrefação fazem parte do cenário insalubre que compõe o local de trabalho de Pedro Sousa, morador do bairro Jardim dos Ipês. Pedro vai todos os dias ao local com um carrinho de mão para garimpar o lixo em busca de sua sobrevivência.
Ele afirma que o descarte ilegal de lixo acontece regularmente, mas que o maior volume de resíduos é descartado à noite ou de madrugada. “Eu já vi o povo desovando lixo aqui de tudo quanto é jeito. Carro, moto, bicicleta e até caminhão. Ninguém parou aqui para deixar lixo até agora por que vocês estão tirando foto”. Ele também afirma que já viu sofás, camas e móveis grandes sendo descartados no local.
“Teve um dia que eu cheguei e tinha uma cama em bom estado nesse lixão. Não peguei por que não cabia dentro do meu carrinho. Mas eu já vi coisa muito pior. Animais mortos a gente vê direto”. Ele afirma que já viu galinhas, cachorros e até bezerros apodrecendo no local. A reportagem constatou várias carcaças de aves, algumas em estágio avançado de putrefação.
Ele diz que a coleta de lixo acontece de forma irregular na região e acredita que esse seja o motivo do descarte ilegal na beira da estrada. Apesar de lamentar o fato da falta de consciência em relação ao lixo, Pedro afirma que o local serve à sobrevivência de muitas famílias. “É muito feio, mas muitas famílias tiram a sobrevivência desse lixão. Junto comigo, tem pelo menos mais nove pessoas que catam material por aqui”, afirma Pedro.
Pedro está trabalhando como catador de material reciclável, mas sua profissão é na construção civil. “Sou servente de pedreiro. Não sou catador. Mas, a situação está muito ruim. Não tem serviço pra fazer e a gente é obrigado a se virar. Melhor catar lixo do que roubar, fazer coisa errada. A vida é bem pior na cadeia”, o servente de pedreiro está há três anos sem conseguir trabalho na sua área de atuação. Ele sobrevive com a renda mensal de R$ 400 geradas pelo trabalho de catação.
Limpeza
A Prefeitura de Aparecida de Goiânia divulgou nota sobre o descarte ilegal de lixo que acontece regularmente à beira da rodovia GO-040. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano informa que a uma equipe de limpeza irá ao local para verificar a situação denunciada pelos moradores e tomar as medidas necessárias. A Secretaria ressalta que faz a limpeza deste lote periodicamente, no intuito de diminuir os riscos para a população, mas pede a conscientização dos moradores para não fazer o descarte irregular de lixo em lotes baldios, pois é ilegal e passível de multa e apreensão de veículos e equipamentos.
Resposta
Procurada, a prefeitura informou que a Diretoria de Resíduos Sólidos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano informa que a coleta de lixo nos setores Madre Germana I e II, Jardim dos Ipês, Setor São Conrado, é realizado com caminhões capactadores semanalmente, sendo todas as terça, quinta e sábado, no período diurno. A diretoria ressalta que o serviço foi realizado normalmente neste quinta-feira nos bairros. Sobre o descarte irregular de lixo em áreas públicas e particulares, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano explica que vai verificar a situação denunciada pelos moradores e tomar as medidas necessárias. A população ao flagrar o descarte irregular de lixo e entulho pode acionar a equipe de fiscalização da Secretaria de Regulação Urbana pelo telefone: 3545-6062
Aumento do desemprego faz crescer procura por materiais reaproveitáveis
Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do primeiro trimestre de 2019 divulgados nesta quinta-feira (16) pelo IBGE, o índice de desocupação em Goiás cresceu em 2,5%. Há 295 mil pessoas desocupadas no Estado. Essa foi a segunda maior taxa da série histórica do primeiro trimestre anual. O catador Pedro Sousa acredita que o crescimento do desemprego aumentou a procura por lixo. E o material reciclável tem se tornado cada vez mais escasso.
Durante o tempo em que o trabalho da reportagem estava sendo realizado, ele não conseguiu achar muita coisa aproveitável. O carrinho de transporte de material que ele empurrava chegou vazio e não voltou muito diferente. Segundo ele, outros catadores já haviam recolhido o material do local. “Está cada vez mais difícil de catar material. Como a situação de trabalho está difícil, aumentou o número de pessoas que buscam a sobrevivência no lixo”.
O trabalho é duro. Ele tem que meter a mão no lixo e rasgar as sacolas em busca de algumas gramas de material reciclável misturado ao lixo apodrecido que a população abandona no local. O catador ressalta que o melhor horário de recolher material para reciclagem é à noite ou de madrugada, quando há maior regularidade de descarte de resíduos. Segundo Pedro, o metal é o material mais buscado pelos catadores, ele é o primeiro a acabar.
“Aqui é bom de vir buscar material à noite ou de manhãzinha, antes do sol sair. É quando não tem luz do dia que o povo desova mais lixo por aqui. Acontece de dia também, mas a maior quantidade é à noite. De dia você não vai encontrar metal nunca. O povo pega tudo antes do sol sair”, afirma o servente de pedreiro.
Cooperativa de Catadores sofre com redução de material reciclável
Os trabalhadores que fazem parte da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis em Aparecida de Goiânia também sofrem com a escassez de material reciclável para trabalhar. Desde que o Aterro Sanitário do município foi regularizado, a Prefeitura de Aparecida de Goiânia criou um galpão de triagem para que os catadores que trabalhavam em condições insalubres dentro do aterro pudessem fazer a separação do material de forma digna.
No entanto, a reportagem do O Hoje publicada no último mês denunciou a queda do número de catadores que trabalham no galpão em mais de 50%. O motivo foi que a prefeitura diminuiu o número de caminhões que levavam o material reciclável para o galpão de triagem onde o trabalho é feito. (*Especial para O Hoje)