Incertezas externas e erros do governo causam fuga de dólares e alta no câmbio
Coluna assinada pelo jornalista Lauro Veiga
O aumento das tensões no cenário internacional,
acirradas pelos temores de novo tropeço nas negociações comerciais já complicadas
o suficiente entre Estados Unidos e China e pela crescente turbulência em
países latino-americanos, a exemplo da Bolívia, Chile e Equador, empurrou a
cotação do dólar para cima, ultrapassando a barreira (mas psicológica do que
real) de R$ 4,20 nas negociações travadas ontem no mercado de câmbio. O preço
da moeda norte-americana foi tratado pela imprensa como um recorde histórico,
em valores nominais, muito evidentemente. De qualquer forma, trata-se de uma
comparação pouco rigorosa, que desconsidera os efeitos da inflação, aqui e no
resto do mundo, e custos industriais sobre a taxa de câmbio (quer dizer, sobre
a cotação do dólar). Feitos os descontos devidos, muito provavelmente o valor
alcançado ontem no fechamento dos mercados representaria menos de dois terços
da taxa efetiva registrada em 2002.
As incertezas externas, agravadas pela
desaceleração no ritmo de crescimento das principais economias globais,
explicam parcialmente o comportamento do dólar aqui dentro. Outra parte da
explicação parece estar nas crises produzidas no cenário interno pelo próprio
governo, que tem se esmerado para tornar tudo mais incerto e intranquilo nas
áreas da política e da economia. A fuga de dólares, por uma combinação de
razões que incluem as dificuldades fabricadas a partir do Palácio do Planalto,
caminha para ser recorde (agora de verdade) neste ano, enquanto o Banco Central
(BC) acelerou a venda de reservas neste segundo semestre, aparentemente para
evitar uma elevação ainda mais vigorosa do câmbio.
A alta do dólar é sempre causa de preocupações,
em geral associadas a riscos de escalada nos preços dos bens, mercadorias e
serviços importados e seus efeitos sobre a inflação doméstica. Neste caso, estragos
eventuais, caso venham a ocorrer, tenderiam a ser rapidamente assimilados
diante dos níveis muito baixos da atividade econômica e da propensão muito
reduzida de crescimento para a economia. Traduzindo: diante de uma demanda
retraída ou em baixo crescimento, empresas e lojas teriam que acomodar aumentos
eventuais de preços daqueles produtos, seja por meio de novas rodadas de
redução de custos, seja cortando margens de lucro. Não há espaço para repasse
de aumentos a esta altura e qualquer tentativa naquela direção tende a ser
“punida” pelo mercado por meio de retração do consumidor.
O lado positivo
Há um lado positivo na desvalorização do real
frente ao dólar. Ao encarecer produtos importados, o aumento do dólar tende a
favorecer a produção interna e, igualmente, as exportações, que se tornariam
comparativamente mais “baratas” na comparação com seus concorrentes no
exterior. Esse movimento, a persistir ao longo do tempo, ajudaria a melhorar o
cenário desenhado para a balança comercial brasileira (exportações menos
importações), reforçando o superávit do Brasil com o restante do mundo. O saldo
entre exportações e importações vem encolhendo neste ano muito mais em função
da queda nas vendas externas. Será preciso avaliar ainda se a desvalorização do
real poderá de certa forma “compensar” os efeitos negativos produzidos pelo
desaquecimento no comércio mundial.
Balanço
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Nos primeiros 10 meses deste ano, o mercado do dólar registrou a saída
de US$ 21,466 bilhões (já descontados os dólares que entraram no País em igual
período), diante de um saldo positivo de US$ 18,374 bilhões no acumulado entre
janeiro e outubro do ano passado.
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Trata-se da maior fuga de dólares na série estatística do Banco Central
(BC), iniciada em 1982. Antes disso, o pior resultado havia sido computado em
1999, ano em que o “congelamento” do câmbio pelo governo FHC e consequente
torra de dólares pela enxurrada de importações literalmente levaram o País à
bancarrota e de volta aos braços do Fundo Monetário Internacional (FMI).
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Entre janeiro e outubro de 1999, chegaram a sair do País US$ 14,810
bilhões e o ano fechou com uma fuga total de US$ 16,182 bilhões.
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Nos meses de novembro e dezembro, a saída de dólares já é naturalmente
mais elevada em função de aumentos nas remessas de lucros e dividendos pelas
empresas e igualmente pelo maior volume de amortizações de compromissos
contratados no exterior pelas empresas.
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Parte desse fluxo negativo (saída de dólares) explica-se pela própria
redução do saldo comercial, o que se traduz na menor entrada de dólares. Outra
parte, conforme especialistas ouvidos pelo jornal Valor Econômico, diz respeito
à decisão de exportadores de deixarem parcela de seus dólares no exterior para
fazer frente a dívidas e outros compromissos a liquidar lá fora.
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Pesam ainda, como não poderia deixar de ser, a série aparentemente
inesgotável de turbulências geradas pelo governo, o que explicaria em grande
medida a elevação de quase 11,5% acumulada pela cotação do dólar entre 18 de
novembro do ano passado e a mesma data neste ano, a se considerar os valores
médios levantados pelo BC.
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O próprio BC parece ter acelerado a venda de reservas nos últimos meses,
tentando reverter ou administrar as pressões de alta no mercado do dólar. As
reservas do Brasil em moeda forte (dólares, euros e outras moedas, em menor
proporção, além de ouro) sofreram baixa de 5,62% desde 25 de junho deste ano,
saindo de US$ 390,510 bilhões para US$ 368,576 bilhões no dia 14 deste mês –
uma redução de US$ 21,934 bilhões. Por enquanto, essa perda de reservas não
preocupa, dado o tamanho expressivo das mesmas.