Câmeras de videomonitoramento não podem servir para autuações de multas
Houve interposição de recurso de apelação para derrubar a sentença, mas ainda não foi julgada| Foto: Divulgação
Igor Caldas
Centenas de câmeras de videomonitoramento espalhadas em Goiânia não podem servir para autuações de multas que violem a privacidade do condutor. Desde setembro do último ano uma sentença judicial determinou que esses equipamentos devem autuar apenas infrações que não violem o direito de intimidade ou daquelas infrações que já possuem seu próprio sistema de fiscalização. Houve interposição de recurso de apelação para derrubar a sentença, mas ainda não foi julgado. Portanto, a proibição ainda está valendo.
As câmeras poderão “ver” o motorista falando ao celular, dirigindo sem cinto de segurança ou mesmo furando o sinal vermelho. No entanto, o vídeo não servirá como base para aplicação de multa. A decisão foi da Justiça Federal do Ceará, assinada pelo juiz Luis Praxedes Vieira da Silva, de Fortaleza. A ação pública tem validade para as esferas federal, estaduais e municipais e foi alvo de críticas dos órgãos autuadores em todo território nacional.
O secretário Municipal de Trânsito, Transporte e Mobilidade de Goiânia, Fernando Santana, ficou surpreso com a decisão. Ele afirmou que a ação representa um retrocesso porque o trabalho das câmeras faz colaboração com as atividades dos agentes da SMT e dos outros órgãos autuadores. Na época, o secretário ressaltou que o uso de câmeras de monitoramento também gera economia para a administração pública, já que ela faria o trabalho de inúmeros agentes de trânsito. Em nota, a SMT afirma que prevalece a decisão do juiz federal, e a Secretaria cumpre a determinação.
Peso no bolso
Apesar de ter sido multado via câmera de monitoramento, o contador Marley Alves, é contrário ao veto das autuações por câmera de videomonitoramento. Ele foi autuado na Avenida Perimetral, na entrada do Setor Pedro Ludovico. “Tem um posto de gasolina da lateral e o pessoal costuma pegar a pista do posto para cortar um pouco do trânsito”. Como na legislação, a pista do posto é considerada como calçada, Marley foi autuado por trafegar com motocicleta em cima da calçada. Ele aprendeu a lição. “A multa foi cara, mas valeu à pena porque eu não faço mais isso”.
O custo da multa foi de R$ 880, mas Marley teve desconto por que pagou antes de completar 30 dias da autuação. “Eu acredito que a multa funciona para educar no trânsito porque, no Brasil, enquanto não doer no bolso, nada muda. Pelo menos para mim funcionou”. Marley gastou R$ 760 com os descontos do pagamento antes do prazo de validade da multa.
O contador afirma que ficou sabendo sobre a decisão judicial. No entanto, a infração que cometeu ainda pode ser lavrada tendo como base as câmeras de videomonitoramento. Mesmo entendendo a questão do direito à privacidade, Marley acredita que a determinação fere o direito de quem trafega na rua. “Eu acho que existem alguns direitos que ferem outros. Se uma pessoa está dirigindo com celular e põe em risco a vida de um pedestre, ela deve ser multada”, opina.
Apelação
A presidente da Comissão de Direito ao Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Goiás, Eliane Nogueira da Silva, afirma que houve a interposição de recurso de apelação em face da sentença, mas ainda não foi julgado. “O que houve é que as autuações realizadas através de videomonitoramento de alto alcance, cuja infração tenha ocorrido no interior do veículo, foram canceladas de ofício pelo próprio órgão autuador”, explica.
No entanto, a advogada ressalta que na sentença, o juiz decidiu que algumas autuações por videomonitoramento podem ser lavradas, porém, o órgão de trânsito deverá descrever, com detalhes da infração cometida, que o trecho atingido pelo videomonitoramento esteja sinalizado, contendo a informação da referida fiscalização. Se houver alguma autuação que fere a decisão judicial o motorista deverá recorrer.
Os condutores que forem autuados nas infrações cuja decisão judicial determina que o vídeo de câmeras de monitoramento não pode autuar deverão recorrer da multa por meio de formulário. Ele deverá direcionar o documento para o órgão que realizou a autuação e/ou ao órgão judiciário competente. O motorista poderá entrar com recurso nos dois órgãos de fiscalização e no judiciário ao mesmo tempo. O formulário deve estar no verso do documento de autuação ou poderá ser baixado pela internet no órgão de trânsito autuador.
Multas que ferem a decisão judicial devem ser anuladas
São exemplos de multas que ainda podem ser lavradas usando a fiscalização de câmeras de videomonitoramento: estacionar em local proibido ou em faixa de pedestres; estacionar em fila dupla; trafegar pela contramão; passar por cima de calçadas, entre outras. Quanto aos motociclistas, o não uso de visor e capacete ou uso de chinelos para conduzir também podem ser autuados por câmeras.
Eliane explica que para a realização dessas autuações os órgãos ainda devem apresentar laudos anuais sobre o funcionamento das câmeras porque o tipo de fiscalização não exige a aferição ou certificação pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) como ocorre nos casos de equipamentos de fiscalização de velocidade e de avanço de sinal. “O juiz sentenciou que os órgãos de fiscalização deverão apresentar anualmente certificado de conformidade e de bom funcionamento dos equipamentos por videomonitoramento através de empresa credenciada para esse fim”, explica.
Segundo a decisão judicial, exemplos de multas que não podem ser lavradas tendo como base o vídeo oriundo de câmera de videomonitoramento são infrações que violem a privacidade no interior dos veículos, assim como aquelas cometidas por excesso de velocidade e avanço de sinal vermelho, uma vez que existem equipamentos de fiscalização próprios para esses tipos de infração. Também está vetada a aplicação de multas pelo não uso do farol baixo durante o dia, exceto em túneis. Se alguma dessas autuações for feita por câmera de videomonitoramento, o condutor deve recorrer da multa.
A presidente da Comissão de Direito do Trânsito da OAB-GO, Eliane Nogueira da Silva, garante que todas as multas aplicadas nessas condições após a decisão judicial devem ser anuladas. “A sentença tem efeito a partir da sua publicação, ou seja, caso tenha ocorrido à lavratura de atuações nas condições vetadas após a publicação da sentença, defenderão nulas”, afirma.
Eliane afirma que caso o condutor seja autuado ainda na vigência dessa liminar, e a autuação não ser cancelada de ofício, deverá apresentar defesa prévia ou recurso perante o órgão responsável pela autuação, pedindo o cancelamento com sustentáculo na liminar. “Se o auto não for cancelado, o órgão responsável estará sujeito a multa fixada pelo juiz”. (Especial para O Hoje)