Mais de 30 mil cachorros vivem em situação de abandono em Goiânia
Lei que define e pune atos de crueldade e maus-tratos tipifica abandono de animais como crime| Foto: Wesley Costa
Igor Caldas
Desde dezembro do último ano uma praça pública no Setor Jardim Presidente, em Goiânia, ganhou quatro habitantes caninos. Os animais foram abandonados por uma moradora que se mudou da região, mas vizinhos se sensibilizaram e adotaram os animais de forma conjunta. Duas casinhas de cachorro foram construídas no espaço pela comunidade. Existem aproximadamente 30.300 cachorros abandonados em Goiânia. O dado foi obtido a partir da estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre abandono de caninos nas grandes cidades.
De acordo com a OMS, estima-se que exista um cachorro para cada cinco habitantes em cidades com grande densidade populacional. Destes, 10% estão abandonados. Segundo um levantamento feito pelo Instituto Pet Brasil, feito com Organizações Não Governamentais que se dedicam a cuidar destes bichos, há 172,1 mil animais abandonados sob a tutela de ONGs no país. No mesmo mês em que os cachorros foram abandonados na praça em Goiânia, a Lei nº 20629/19, que define e pune atos de crueldade e maus-tratos contra animais foi sancionada.
A legislação inclui abandono de animais em vias públicas ou ambientes inabitados como crime. Os infratores podem receber punições que vão desde apreensão do animal agredido até a proibição para criar ou ser tutor de outro animal. Agressões, privação de alimento, confinamento, acorrentamento ou alojamento inadequado também estão previstas como crime. Um alojamento adequado necessita oferecer condições apropriadas para o bem-estar animal.
A punição também dói no bolso. Podem ser aplicadas multas de R$ 800 a R$ 5 mil por animal e por ocorrência. O dinheiro arrecadado com as autuações será destinado ao Fundo Estaduais do Meio Ambiente (Fema) que oferece apoio financeiro à projetos ligados ao uso racional e sustentável dos recursos naturais, manutenção, melhoria ou recuperação da qualidade ambiental do Estado.
Os moradores das residências localizadas em frente à praça que serve de lar para os quatro animais comunitários no Setor Jardim Presidente pediram para que o endereço não fosse divulgado pela reportagem. O motivo é prevenir que mais bichos sejam abandonados no espaço. Antes da chegada dos cães, o local já era usado por criminosos que abandonavam seus pets por alí.
Os quatro cães gozam de liberdade e cuidado dos vizinhos. Hebert Lemes adaptou dois caixotes de madeira para transformá-los em duas casinhas de cachorro que abrigam os animais do bairro. Um dos cachorros foi resgatado por ele dentro de uma fossa por meio de uma corda. “Ele ficou 13 dias dentro do buraco sem comida e água”, relata. “Eu alimentei e dei banho nele. Depois de algumas semanas ele começou a ficar mais fortinho”.
A família de Hebert já possui duas cachorras pequenas em casa. “Não tenho condição de cuidar sozinho dos cães que foram abandonados, mas dou banho neles toda semana e nós fazemos vaquinha com os vizinhos da rua para comprar a ração e alimentá-los todos os dias”. Os moradores da pracinha ganharam o apoio dos residentes da rua que recebem carinho em troca do cuidado. “Se não conhecem quem chega perto, latem e alertam a vizinhança sobre a aproximação de desconhecidos”, afirma.
Isabela Gomes Lemes, filha de Hebert, cursa zootecnia na Universidade Federal de Goiás e se tornou a guardiã dos cães. Ela está fazendo uma campanha de doação para castrar os animais. De acordo com Hebert, nenhum dos cachorros é castrado. “É importante fazer com que eles não se reproduzam. Já tem muito animal abandonado na rua”, pontua o pai da estudante. Ele ainda afirma que o carinho dos cães pela filha é grande. “Eles fazem festa quando ela chega da faculdade”, relata.
A estudante de zootecnia vai se formar este ano e afirma que sua família não tem condições de arcar com as despesas da execução do procedimento cirúrgico nos quatro cães, uma delas é fêmea. “Estou tomando precauções para que ela não fique prenha. Apliquei um anticoncepcional na cadela, mas o medicamento tem apenas seis meses de duração”, revela a estudante.
Animal comunitário
Visando a inclusão dos pets abandonados na sociedade, a Lei Estadual 17.767/12 Art. 4 parágrafo 1º e 2º tipifica o animal comunitário como aquele que não tem um tutor específico, com a comunidade lhe garantindo cuidados básicos. Segundo a presidente da Comissão Especial de Proteção e Defesa Animal da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO), Pauliane Rodrigues, o cuidado de animais em situação de rua não é crime e deve ser incentivado.
Para ela, o abandono se enquadra na pior ação de maus-tratos que um bicho pode receber. “Quando o animal é largado na rua, ele morre aos poucos, fica vulnerável a todo tipo de tratamento porque não depende de pedir alimento para as pessoas que nem sempre entendem a situação deles”. A advogada afirma que não existem “animais de rua”, “Todos os bichos que estão vivendo em lugares públicos já tiveram tutores, foram largados”, garante.
A advogada ainda declara que, legalmente, a responsabilidade dos animais abandonados é dividida entre sociedade e o Estado. “Mas sempre recai sobre a sociedade porque o Estado é totalmente omisso em tudo que se refere ao direito dos animais”, pondera. Pauliane diz que há progresso na legislação favorável aos animais, mas falta fiscalização. “Tinha que haver uma delegacia especializada exclusivamente em crimes contra animais”, aponta a advogada.
A presidente da Comissão Especial de Proteção e Defesa Animal da OAB-GO reitera que a falta de uma delegacia exclusiva para crimes contra animais faz com que essa função seja preterida pelos órgãos responsáveis pelo combate de crimes ambientais. “Há falta de estrutura de fiscalização nestes órgãos. Se houver uma denúncia de maus-tratos e outra de poluição a um córrego, qual das solicitações vai ser atendida primeiro?”, questiona.
Parceria
A Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) afirma que a criação da Unidade Ambiental de Saúde e Bem-estar Animal está em trâmite pelo Decreto 1536/12/2019. Em caso de animais abandonados, a pasta busca alguma ONG para ajudar, pois não possui estrutura para cuidar dos animais. (Especial para O Hoje)
O que você deve refletir antes de adotar ou comprar um animal
– Nunca adote ou compre um pet por impulso, ele não é uma mercadoria
– Daqui a 20 ou 15 anos você ainda se vê com o animal?
– Se viajar, vai ter quem cuide dele na sua ausência?
– Se o animal adoecer, você terá condição financeira para o tratamento?
– Quando você sair de casa, o animal vai ficar confortável?