Famílias já temem cortes de benefícios do INSS em meio da pandemia, em Goiás
Reforma da Previdência ampliou valor limite para recebimento de BPC, mas sofreu reviravolta jurídica motivada por cortes devido crise da pandemia – Foto: Wesley Costa.
Igor Caldas
Há 27 anos Sheila Nunes deu à luz ao Phelipe. O garoto com
microcefalia nasceu no berço de uma família carente, mas caridosa. Além do
filho com deficiência, a mãe abraçou a criação de seus quatro sobrinhos. Todos
seguiram pelo mundo. Phelipe não pôde. Ele não é capaz. A sobrevivência de
Sheila e sua família sempre dependeu do auxílio assistencial do INSS para
pessoas com deficiência. Em meio à pandemia, sem aviso prévio, o benefício foi
cortado. As contas já não fecham e a fome ameaça bater à porta de sua casa.
Sheila faz parte das pessoas que podem ter seus benefícios
cortados pelo pente-fino do INSS feito após a inscrição da família no Cadastro
Único (CadÚnico), necessário para o recebimento do Benefício de Prestação
Continuada (BPC). A justificativa foi de que seu salário dividido pelos
moradores da casa ultrapassa a renda mínima de um quarto do salário mínimo
(R$261,25) que veta o direito ao BPC. Na aprovação da última Reforma da
Previdência, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que esse valor poderia
chegar até meio salário mínimo, mas após reviravolta jurídica motivada por
cortes para suprir a crise causada pelo Coronavírus, o limite encolheu.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, a
inserção de dados das pessoas que recebem o BPC no Cadastro Único (CadÚnico) no estado de Goiás, atingiu, em março,
91,5%, ou seja, 142.328 beneficiários. Faltam 13.222 pessoas, ou 8,5%, para
atingir a totalidade. O prazo para a conclusão desta iniciativa vai até o final
deste ano. Até o momento, 983 benefícios
foram suspensos no Estado, devido a seus titulares não terem seus dados
inseridos no CadÚnico. Boa parte desses beneficiários poderão perder o
direito de receber o auxílio se os dados acusarem o rompimento do limite da
renda mínima permitida.
A mãe de Phelipe recebe um salário mínimo para trabalhar de
auxiliar de serviços gerais em um hospital. Ela tem até o dia 13 de maio para
justificar a necessidade de receber o benefício. “Só com meu salário não dá.
Com os cortes de impostos eu recebo menos de mil reais. Tenho despesas com
fraldas, aluguel, alimentação específica para ele e conta de energia
altíssima”. A trabalhadora afirma que o aparelho de televisão tem que ficar
ligado 24 horas para Phelipe. “Se ele tiver dormindo e eu desligar a TV, ele
começa a ter acessos de nervosismo”, explica.
As despesas da assistente de serviços gerais ultrapassa o
valor do seu salário. Pelo aluguel de uma casa simples, no Parque das Nações,
em Aparecida de Goiânia, Sheila paga R$ 500. Ela também tem gasto médio mensal
de R$ 200 com fraldas descartáveis para Phelipe. Cada pacote de fraldas contém
sete unidades. “Dependendo do comportamento do intestino dele eu gasto um
pacote a cada dois ou três dias”, relata. Além disso, Sheila tem gastos com
alimentação, transporte e ainda ajuda uma sobrinha que mora com ela e está
desempregada. “É minha sobrinha quem cuida do Phelipe quando eu estou
trabalhando. Ele não pode ficar sozinho”.
Restituição
Presidente da Comissão de Direitos Previdenciários da OAB-GO,
Ana Carollina Ribeiro, dá orientações às pessoas que tiveram o benefício
negado, mas ainda podem ter ele restituído mediante justificativa no órgão. Ela
afirma ser necessário que o beneficiário que foi desligado inclua todas as
comprovações de despesas de essenciais na justificativa, como notas fiscais,
recibos, contratos de aluguel. Todos os gastos que comprovem a necessidade do
recebimento do BPC.
No caso de Sheila, a advogada destaca a necessidade de
complemento de renda com o auxílio. “Além do levantamento desses documentos
justificando a manutenção do benefício, diria que o trabalho que ela exerce é
essencial, uma vez que os gastos da família ultrapassam as condições de apenas
um salário mínimo”, orienta a advogada. Ela reitera que pessoas com grau de
deficiência como a de Phelipe possuem gastos elevados.
Ela orienta a assistente geral a discorrer todas suas
dificuldades na justificativa para o INSS. “A pessoa que tem microcefalia
precisa ter cuidado profissional, custos com medicamentos, alimentação
especial. Recibos de qualquer gasto dentro de casa também devem ser incluídos,
como água, luz, etc”. Ela ainda diz que no caso de Sheila, fica claro que no
decorrer de todas as dificuldades, ela precisou trabalhar. “Somando tudo isso, às
vezes ela mesmo pode ter um problema de saúde e não vai ter nenhum dinheiro
para contar com esse imprevisto”.
Justiça pode resolver impasse causado pelo limite de renda
mínima
Ana Carollina diz que se o beneficiário não conseguir
aprovação do recurso administrativo junto ao INSS, recomenda que se entre na
Justiça por meio da Defensoria Pública. “Como há o pedido de justificativa
administrativa pelo órgão, compensa tentar por esse meio, mas se não der certo
tem que tentar por meio da Justiça”. Ana Carollina afirma que há jurisprudência
de casos que ultrapassaram a renda mínima e conseguiram continuar recebendo o
auxílio por conseguirem provar a necessidade do BPC por meios judiciais.
A advogada reitera que muitas vezes, a negação do benefício
leva a pessoa necessitada a uma verdadeira Escolha de Sofia. “Quando o
cruzamento de dados acusa que o valor da renda mínima foi excedido, a pessoa
vai ter que optar pelo emprego ou pelo recebimento do benefício, mas existem
casos, como o de Sheila, que apenas uma renda não é suficiente para a
sobrevivência da família”, destaca. Ela diz que casos como o da assistente de
serviços gerais cabem recursos no próprio órgão do INSS.
“A princípio, o órgão já negou o benefício da Sheila, mas ela
vai poder recorrer. Pode até ser que eles mandem uma perícia na casa dela para
verificar a condição de necessidade”, declara a advogada. Ela afirma que é
importante que a beneficiária informe que a sobrinha mora com ela e ajuda nos
cuidados do Phelipe. “É bom ela declarar que tem uma sobrinha cuidando,
adicionar o CPF dela no cadastro para o cálculo da renda”.
A presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB
afirma que quando o STF tinha o entendimento de que a lei considerasse o limite
como um quarto do salário-mínimo, essa renda poderia variar até meio salário mínimo,
Sheila poderia entrar nesse caso. “Foi o Congresso que votou e alterou a lei
orgânica para ao invés de modificar o limite da renda para receber o benefício
como metade do valor do saláriomínimo. Mas isso, por conta da pandemia, baixaram
novamente e por isso está havendo esses cortes”,
Ela ainda explica que a ampliação do limite de
renda para o recebimento do benefício foi combatido por significar mais gastos
assistenciais. “Essa alteração trouxe um rombo para os cofres públicos. Muitas
famílias entrariam nesse caso como a da Sheila. Mas o congresso voltou atrás.
Eles justificaram que pegariam essa verba para pagar os benefícios emergenciais
até que dure a calamidade pública da pandemia”, conclui. (Com informações da Agência Brasil)