Fórum teme que Covid-19 provoque aumento de trabalho infantil
Prática é ilegal e envolve 2,4 milhões de jovens no Brasil país. Nesta sexta-feira (12) marca o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil – Foto: Reprodução.
Nesta sexta-feira (12) é Dia
Mundial contra o Trabalho Infantil e também Dia Nacional de Combate ao Trabalho
Infantil. A atividade é ilegal conforme a Constituição Federal, o Estatuto da
Criança e do Adolescente e duas convenções da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) subscritas pelo Brasil – uma sobre a idade mínima para admissão
ao trabalho e outra sobre a proibição das pioras formas de trabalho infantil. A
Lei da Aprendizagem estabelece regras para a ocupação de adolescentes com 14
anos ou mais na condição de aprendiz.
A rigor, o Brasil e todo o
planeta voltam-se contra prática, que pode provocar “a queda no desempenho e o
abandono escolar, conduzir crianças e adolescentes a uma vida adulta limitada,
na qual exercem subempregos, com salários baixos e em condições degradantes,
além de ficarem expostas a outras tantas violências, como o envolvimento com
drogas, exploração sexual, acidente de trabalho, e outras”, afirma a desembargadora do Trabalho Maria Zuila Lima
Dutra, do Tribunal Regional do Trabalho (8ª Região) do Pará e Amapá.
Além desses efeitos, expostos ao
trabalho precoce, eles enfrentam problemas como o consumo de entorpecentes, o
recrutamento para o tráfico de drogas e a gravidez precoce, acrescenta Marie
Henriqueta Ferreira Cavalcante, coordenadora da Comissão de Justiça e Paz da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), também no Pará e Amapá. Ela
sublinha que o trabalho infantil deixa marcas de sofrimento. “Quem é o adulto
que é feliz e que quando se reporta a sua infância só traz experiências negativas?”,
pergunta.
A desembargadora Maria Zuila, que
também é gestora nacional e coordenadora regional do Programa de Combate ao
Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho, diz que
está especialmente preocupada com a possibilidade de a crise econômica
provocada pela pandemia da covid-19 resultar no aumento do número de crianças e
adolescentes trabalhando ilegalmente.
“A situação é agravada nesse
tempo de pandemia pelo aumento do número de desempregados no país, o que nos
leva a projetar que o índice de trabalho infantil será elevado porque a
necessidade de sobrevivência empurra crianças e adolescentes a trocar a sua
força de trabalho por comida. É um cenário que também põe em risco a
profissionalização de adolescentes e jovens”, ressalta a desembargadora.
Marie Henriqueta disse à
reportagem que “não há dúvida de que houve impacto” da covid-19 sobre o
trabalho infantil por causa do “desespero” das famílias geradas pelo
empobrecimento. Ela relata já ter ouvido de crianças e adolescentes que tem que
trabalhar frases como: “Eu me cuido, tia, mas preciso ajudar, porque na minha
casa nós passamos dois ou três dias sem comer.”
“Os pais e mães ou responsáveis,
por já viverem em situação financeira insuficiente, estimulam suas crianças e
adolescentes a conseguir dinheiro de diversas formas, tudo isso culturalmente
apoiado por uma sociedade que alimenta as desigualdades com pensamentos cruéis,
e no mínimo equivocados, de que não se tem escolha”, afirma a gerente de
projetos da Plan International Brasil na Bahia, Sara Oliveira. A ,Plan
International é uma organização não governamental (ONG) estrangeira sem fins
lucrativos e com propósito humanitário que atua no Brasil desde 1997.
Campanha
As avaliações sobre aumento da
ocupação precoce ilegal correspondem ao diagnóstico traçado pelo Fórum Nacional
de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. “O cenário brasileiro já tinha
desafios consideráveis para a proteção dos direitos de crianças e adolescentes,
especialmente para a eliminação do trabalho infantil. Entretanto, os impactos
socioeconômicos da pandemia evidenciam e aprofundam as desigualdades sociais
existentes e potencializam as vulnerabilidades de muitas famílias brasileiras”,
assinala texto da Campanha 12 de Junho, organizada pelo fórum, que discute
neste ano o tema Covid-19: Agora Mais do que Nunca, Protejam Crianças e
Adolescentes do Trabalho Infantil.
Conforme Sara Oliveira, a
campanha do “está alinhada à iniciativa global proposta pela OIT. O objetivo é
conscientizar a sociedade e o Estado sobre a necessidade de maior proteção a
esta parcela da população, com o aprimoramento de medidas de prevenção e de
combate ao trabalho infantil, em especial diante da vulnerabilidade
socioeconômica resultante da crise provocada pelo novo coronavírus”.
Naturalização do problema
Maria Zuila Dutra soma o
agravamento da situação social em meio a pandemia ao “desmonte” de órgãos
responsáveis pela fiscalização e pelo combate à exploração no trabalho. Segundo
a desembargadora, esses problemas também ocorrem porque parte da sociedade
brasileira não acha errado ou naturaliza o trabalho infantil.
Para Maria Zuila, o fenômeno tem
raízes históricas. “No Brasil, a prática de explorar a força de trabalho de
crianças e adolescentes existe desde a colonização e persiste até os nossos
dias como inaceitável herança da escravidão. Esse deplorável fenômeno
contribuiu para formar a cultura dos mitos que insistem em permanecer em nossa
sociedade, no sentido que ‘é melhor trabalhar do que ficar na rua’, ‘é melhor
trabalhar do que roubar’; ‘trabalhar não mata ninguém’, e tantos outros. Quem
de nós já não ouviu essas ou outras expressões semelhantes alguma vez?”,
questiona a desembargadora.
“A sociedade ainda entende o
trabalho como solução para a criança pobre, no lugar da educação, de garantir a
proteção integral por parte do Estado. Isso revela que nesse discurso de defesa
do trabalho infantil está presente também um preconceito de classe, uma
discriminação em relação à população mais pobre. Isso em um momento em que filhos
e filhas das classes altas estão adiando cada vez mais a entrada no mercado de
trabalho”, acrescenta Sara Oliveira, da Plan International Brasil.
Na opinião de Sara, a solução do
problema passa pela educação. “A escola de qualidade e em tempo integral é a
grande alternativa capaz de romper o círculo vicioso hoje instalado entre as
famílias de classes sociais menos privilegiadas.”
Números
Segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), havia em 2016, quando o país estava em recessão econômica,
2,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho
infantil, ou 6% da população (40,1 milhões) na faixa etária. Como destaca o
Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, “desse
universo, 1,7 milhão exerciam também afazeres domésticos de forma concomitante
ao trabalho e, provavelmente, aos estudos”.
De acordo com o levantamento, as
regiões Nordeste e Sudeste registraram as maiores taxas de ocupação na faixa
etária dos 5 aos 17 anos, respectivamente 33% e 28,8%. “Em termos absolutos, os
estados de São Paulo (314 mil), Minas Gerais (298 mil), Bahia (252 mil),
Maranhão (147 mil), ocupam os primeiros lugares entre as unidades da Federação.
Nas outras regiões, destacam-se os estados do Pará (193 mil), do Paraná (144
mil) e do Rio Grande do Sul (151 mil)”, enumera o Fórum.
Ainda segundo o que a pesquisa
apurou, há mais crianças e adolescentes trabalhadoras nas cidades em números
absolutos do que na zona rural. Em 2016, havia 976 mil trabalhadores precoces
em áreas rurais e 1,4 milhão em áreas urbanas. No meio rural, no entanto, é
mais expressivo o número de crianças de 5 a 13 anos de idade trabalhando: 308
mil. Nas cidades, o número foi de 143 mil.
“As atividades mais comuns são
trabalho doméstico, agricultura, construção civil, lixões, mendicância e
tráfico de drogas …todas tipificadas como piores formas de trabalho
infantil”, salienta Sara Oliveira. (Agência Brasil)