Famílias temem nova tragédia estilo “Parque Oeste Industrial”
O destino dessas pessoas está nas mãos da Prefeitura de Goiânia que pode impedir reintegração de posse – Foto: Wesley Costa
Igor Caldas
A União deu prazo até dia 14 de novembro para a saída de cerca de 500 famílias de suas casas que compõem a área de 11 chácaras na Avenida Lincoln, no Jardim Novo Mundo. A defesa das famílias teme pelo cumprimento da medida à força, o que poderia levar a uma nova tragédia semelhante ao que ocorreu em 2007 no Parque Oeste Industrial. O destino destas pessoas está nas mãos do prefeito Iris Rezende, já que a União manifestou interesse em passar o domínio da área para o município, que se manifestou contrário a um acordo em âmbito federal.
O processo de reintegração de posse tramita na 8º Vara da Seção Judiciária de Goiás. Em defesa das famílias, o advogado Fernando Sales entrou com recurso que está para manifestação da Procuradoria da República. “Espero que o juiz possa anular essa decisão para que essas famílias se mantenham no local”. Ainda de acordo com o advogado, na audiência realizada no dia 14 de novembro de 2019, que levou a decisão de reintegração de posse, o juiz tentou fazer um acordo entre as partes. No entanto, o município de Goiânia manifestou certa resistência.
O repasse da área é um desejo da Superintendência do Patrimônio da União e o domínio do espaço seria firmado por um termo de cooperação técnica entre a União e a Prefeitura de Goiânia. Sales diz que Agência Goiana de Habitação (Agehab) que representava o Governo de Estado na audiência, também se manifestou dizendo que não teria condições de atender ao repasse de domínio da área. Dessa forma, a decisão caminhou para a liminar de reintegração de posse com a eficácia de cumprimento me 12 meses.
Em plena crise pandêmica de Coronavírus, o prazo da Justiça começa a se aproximar e caso a Prefeitura de Goiânia não mobilize as famílias carentes para um lugar digno de habitação, conforme consta na decisão da ação, a ordem deverá ser cumprida à força. “Essa é a nossa preocupação, que ocorra uma situação que manche novamente a história de Goiânia, como ocorreu no Parque Oeste Industrial”, recorda Sales.
Reurbanização da área
Fernando Sales ressalta que os órgãos de Estado tentam, a todo tempo, desqualificar a área afirmando que ela não é passível de habitação e apontando questões geológicas como justificativa. Mas, segundo o advogado, as condições seriam atendidas desde que haja a promoção da reurbanização da área, com as instalações de rede sanitária, esgoto, água, energia elétrica para que as famílias passem a viver em uma condição digna. “A pandemia já aflige essas pessoas economicamente e ainda vem essa notificação, criando temor para os moradores. É preciso um posicionamento do Iris Rezende nesse sentido”.
De acordo com a líder comunitária Geovana Nascimento, as famílias estão no local há mais de seis anos. “O Poder Público nunca bateu na nossa porta para trazer a mínima condição de moradia para a gente e agora aparece para tentar nos colocar na rua”, lamenta. A comunidade conta com instalação de postes de luz e até pavimentação de algumas vielas, tudo feito pelos próprios moradores. “A Prefeitura de Goiânia deu as costas para nós e estamos jogados a nossa própria sorte. Minha filha de seis anos veio até mim para me perguntar se a gente iria para rua. Estamos com medo”, lamenta.
Outra liderança da região, Adalto Correa da Silva, afirma que pelo menos 400 dessas famílias estão inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), um instrumento que colhe dados e informações com objetivo de identificar todas as famílias de baixa renda existentes no país para inclusão destas em programas de assistência social e redistribuição de renda.
“Aqui todo mundo é carente, não tem para onde ir, sem condições de pagar aluguel para morar. Todo ano de eleição os políticos aparecem com suas promessas, mas nunca fizeram nada por nós”, diz Adalto. Para tentar mudar a realidade de sua comunidade, o trabalhador vai se lançar como vereador nas eleições deste ano.
A Agehab informa que não é dona da área no Jardim Novo Mundo, nem é parte no processo de desocupação. A Agência foi procurada pela Superintendência do Patrimônio da União em Goiás (SPU/GO) com pedido de parceria para auxílio na solução da questão. Medidas estão sendo tomadas para celebração de convênio entre a União e a Agehab neste sentido. Na próxima semana será realizada uma reunião entre os dois órgãos para discutir o convênio. A reportagem questionou a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) sobre a posição da prefeitura, mas não houve resposta até o fechamento da matéria.
Invasão é fruto de uma promessa não cumprida
De acordo com o advogado que defende as famílias, Fernando Sales, em meados de 2005 foi determinado a construção de 14 casas populares na área de algumas das chácaras notificadas, com a denominação de Conjunto Lótus. “Essa área foi objeto de um acordo no passado entre a Prefeitura de Goiânia e a Superintendência de Patrimônio da União onde ela seria doada para o município para a construção de habitações populares”. As casas que foram construídas nessa época também constam na ordem de reintegração de posse.
Sales ainda diz que foi acordado que a área remanescente da construção dessas 14 casas seria construída um conjunto habitacional pela Minha Casa Minha Vida, mas nada foi feito e o local começou a sofrer ocupação irregular pelas famílias. “Vejo que é possível mudar essa situação se o município de Goiânia manifestar o interesse de assumir o domínio da área”. Dessa forma, teria de ser promovido a regularização fundiária, um mecanismo legal conforme à Lei 10.257, o Estatuo da Cidade e a Constituição Federal que trata dos direitos sociais pela moradia digna e a legislação municipal.
“Existem condições para que essa área, após passada para o domínio do município de Goiânia, seja garantida a regularização fundiária, já que as famílias já moram há anos no local e edificaram suas casas”, declara o advogado. Ele ainda diz que na parte superior da área, onde também foi alvo de ocupação há mais de 11 anos. A região citada por Fernando já foi objeto de reportagens do jornal O Hoje que denunciou as condições precárias que as famílias estavam sendo submetidas no local.
A região da ocupação citada, conhecida como Jardim Emanueli, no Jardim Novo Mundo II, é um local onde mais de 500 famílias tentam se regularizar para garantir o direito fundamental à moradia. A visibilidade dessa população é sazonal. Todo ano, na época das chuvas, o drama que essas pessoas enfrentam com a destruição causada pelas enxurradas é estampado nas páginas dos jornais. Na época da estiagem, elas voltam à condição de esquecimento pelo resto da cidade. Há muitos anos eles lutam para continuar na área que pertence à União. (Especial para O Hoje)