Sem fiscalização, novos loteamentos são vendidos sem galerias pluviais, água tratada e esgoto
Compradores levantam casas em local sem galerias pluviais, água tratada e rede de esgoto| Foto: Wesley Costa
Igor Caldas
O loteamento Jardim dos Flamboyants próximo ao Solange Park II, em Goiânia foi instituído por meio de decreto municipal do dia 17 de dezembro de 2018. De acordo com o documento, o loteador teria dois anos para fornecer toda infraestrutura básica de moradia ao local. O decreto vai completar dois anos daqui a cinco meses e apenas 20% dessa infraestrutura foi construída. Enquanto isso, os compradores de lotes levantam suas casas em um local sem galerias pluviais, água tratada e rede de esgoto. Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás culpa falha de fiscalização de cronograma da obra.
No decreto consta que o loteador tem dois anos para instalar a rede de energia elétrica e pontos de iluminação pública; rede de distribuição e abastecimento de água potável; sistema de esgotamento sanitário; abertura de vias de circulação; demarcação dos lotes, quadras e áreas públicas; galerias de águas pluviais; obras de pavimentação asfáltica e terraplenagem. A equipe de reportagem averiguou que apenas as vias de circulação e rede elétrica com pontos de iluminação foram instaladas.
A equipe de marketing da empresa responsável pelo loteamento, SPE Pinus Empreendimentos Imobiliários, afirma que os prazos para a instalação da infraestrutura estão sendo cumpridos e constam no contrato de compra e venda dos lotes. A reportagem tentou falar com o engenheiro responsável pela obra, César Faratto, mas não conseguiu contato até o fim da reportagem. A reportagem solicitou a ainda cópia dos contratos de compra e venda para averiguação do cronograma físico financeiro da obra, mas não obteve o documento.
Para a conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), Janaína Holanda, houve falha na fiscalização da Secretaria de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) do município. “Acredito que haja uma falta de fiscalização por parte da prefeitura porque certamente o loteador não cogitou fazer 80% da infraestrutura do loteamento em apenas cinco meses”. Janaína ainda diz que o cronograma físico financeiro da obra, documento que aponta quando cada etapa da infraestrutura deve ser executada é necessário para a aprovação do loteamento.
O documento não consta no decreto Nº 2569, de 17 de dezembro de 2018 que aprova o loteamento. “O loteador tem que aprovar os projetos de infraestrutura para registro imobiliário em cartório. Ele precisa apresentar um cronograma físico financeiro durante esse período de dois anos e esse cronograma também foi aprovado na prefeitura”, afirma a conselheira do CAU.
Como garantia caucionária para execução das obras pelo loteador a empreendedora oferece à Prefeitura de Goiânia 44 lotes avaliados em R$ 5.178.791,74. De acordo com a conselheira do CAU-GO Janaína Holanda, é dever da Seplanh intimar a empresa a cumprir o cronograma apresentado. “Primeiro, deveria intimar para cumprir as etapas no prazo e se reiteradamente não forem cumpridos, a prefeitura poderia acionar o caução”, defende.
A reportagem ligou para um dos corretores de venda de lotes do Jardim dos Flamboyants e ele afirmou que os 480 lotes já haviam sido vendidos. A média de preço de um lote no local é de R$ 200 mil. A caução pelo não cumprimento da obra representa cerca de 5% do valor bruto da venda dos lotes. Segundo Janaína, se o prazo não for cumprido, cabe à Prefeitura de Goiânia à implantação da infraestrutura.
Alta tensão
Outro fator que chama a atenção no loteamento Jardim dos Flamboyants é a proximidade com a rede de alta tensão. No decreto consta que deve haver uma distância segura das torres de rede elétrica, mas cabe a Seplanh fiscalizar se esse espaço está sendo cumprido. A conselheira do CAU, Janaína Holanda esclarece que é necessário saber a voltagem da rede para ter certeza sobre qual distância os lotes devem estar dela. “Se a distância mínima não for cumprida, cabe acionamento dos compradores dos lotes ao Procon-GO porque é um desrespeito ao consumidor”, explica.
De acordo com a Janaína Holanda, a falta de fiscalização pode ter origem política. “É muito comum que os agentes se sobrepõem e se misturem. Muitas vezes o loteador é também político ou licenciador”. A equipe de reportagem averiguou que os sócios da empresa SPE Pinus tem parentesco com ex-prefeitos e ex-parlamentares goianos.
Por meio de nota, a Secretaria de Planejamento Urbano e Habitação afirma que o prazo para a implantação da infraestrutura é prorrogável por mais dois anos. A reportagem solicitou o cronograma físico financeiro do loteamento à Seplanh, mas a Secretaria informou que o referido documento não passa pela Secretaria, ele é enviado junto com os projetos aprovados pala a concessionária.
Loteamentos irregulares deixam marcas na cidade
A conselheira do CAU-GO diz que a aprovação de loteamentos sem infraestrutura na Capital era muito comum na década de 1950. “Hoje temos vários loteamentos sem infraestrutura que foram originados nessa época, como é o caso do Jardim Petrópolis, porque a legislação da época não exigia essa questão”, declara. No entanto, ela esclarece que foi instituída a Lei Federal 766 que obriga a implantação de infraestrutura em loteamentos.
Ela ainda diz que depois da implantação da lei, o mais comum na organização urbana é que surjam loteamentos irregulares que são regularizados depois da construção das casas. “Hoje existe o aparo legal para a regularização de loteamentos que foram feitos em anos anteriores a 2016”, pondera. Janaína revela que antes isso era feito apenas em loteamentos que tinham caráter social. “Isso acontecia dessa forma por causa do histórico de urbanização do país”.
No entanto, ela esclarece que a nova lei de regularização fundiária urbana (Reurb) incluiu medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais com a finalidade de incorporar núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial da cidade e à titulação de seus ocupantes. “Na legislação, também pode ser incluídos os loteamentos de classe de média e com outras finalidades além da social”. Atualmente, a conselheira afirma que há grande concentração de loteamentos irregulares feitos na região de chácaras, próximo ao Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás. (Especial para O Hoje)