Mercado e Governo tentam justificar “arrocho” nas contas dos mais pobres
Mercado e Governo pretendem convencer que escalada inflacionária já começou e que única opção é aumentar preços – Foto: Reprodução
Lauro Veiga Filho
O
terrorismo alardeado sem pudores pelas fontes de sempre nos mercados e de dentro
do governo pretende convencer corações e mentes de que a escalada inflacionária
já estaria em pleno curso e ajudará a construir um desastre econômico maior
ainda se, claro, não forem adotadas medidas urgentes para ajustar as contas do
setor público já em 2021, quer dizer, se não vier um forte arrocho nas despesas.
Tudo por culpa da “explosão” nas despesas públicas ao longo deste ano, mais do
que necessária como forma de amenizar os impactos da crise sobre os mais
pobres. A consequência tem sido a disparada do déficit primário (gastos menos
receitas, excluídos os juros) e a elevação também acelerada da dívida pública. Em
ambos os casos, o Brasil estará acompanhado pelo restante das economias no
planeta. Ao contrário das jabuticabas, rombos e dívidas em níveis recordes não
serão um privilégio brasileiro.
O
comportamento mais recente dos preços no mercado atacadista tem sido
apresentado como uma forma de confirmar tal catastrofismo inconsequente. Mas uma
disparada inflacionária, para aqueles que ainda não estavam por aqui nos anos
1980 e 1990, caracteriza-se por uma tendência generalizada de alta dos preços
em todos os setores da economia, causando um agravamento da carestia, como se
dizia à época. Atualmente, mesmo diante dos aumentos registrados de forma mais
pronunciada nos mercados atacadistas, os índices de preços que medem a inflação
ao consumidor continuam muito bem comportados quando se observam períodos mais
longos, o que reflete a debilidade flagrante da atividade econômica e a
ociosidade elevada, com fábricas e linhas de produção ainda paralisadas por
falta de demanda.
Pressão, mas não
de demanda
Adicionalmente,
mesmo no atacado, os aumentos concentram-se principalmente em setores mais
afetados pela desvalorização do dólar (o que torna não apenas os produtos
importados mais caros, mas também encarece bens destinados à exportação). Em
alguns segmentos da economia, a desorganização ditada pela crise sanitária, que
levou à desarticulação de cadeias de fornecimento de insumos e matérias-primas,
também tem causado encarecimento de alguns itens. Em outros, o abandono de políticas
de segurança alimentar, como já analisado neste espaço, e a consequente
escalada das exportações drenaram a oferta doméstica e levaram a aumentos de
preços, notoriamente no caso do arroz.Nenhum daqueles fatores pode ser
relacionado a “surtos de demanda”. Mais claramente, as altas agora observadas
tendem a se dissipar mais à frente porque não há demanda que possa dar sustentação
a esses aumentos de preços.
Balanço
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A
dificuldade enfrentada pelo varejo e pelas indústrias mais próximas do
consumidor final para repassar os aumentos de preços verificados no atacado
pode ser vislumbrada a partir das pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
·
O
Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), medido pela FGV, subiu nada menos do
que 4,34% em setembro, acumulando variação de 14,4% entre janeiro e setembro
deste ano e nada menos do que 17,94% nos 12 meses encerrados no dia 20 deste
mês.
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Os
preços ao consumidor, na média do período, subiram 0,64% entre 21 de agosto e o
dia 20 de setembro, comparados aos valores médios aferidos nos 30 dias
imediatamente anteriores. A variação foi mais intensa do que a taxa de 0,48%
observada em agosto, mas muito distante dos índices colhidos no mercado
atacadista.
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Em
nove meses, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da mesma FGV registrou
variação de 2,03% e acumulou elevação de 3,04% em 12 meses, uma fração do salto
observado no atacado. Grosso modo, numa observação preliminar, o varejo teria
conseguido repassar ao consumidor menos de 17% da variação registrada no
atacado.
·
Ainda
assim, apenas três grupos de despesas contemplados pelo IPC registraram
variação mais forte na passagem de agosto para setembro e cinco deles anotaram
desaceleração no ritmo de alta. Com aumentos maiores para os preços do tomate
(16,46%), arroz (11,08%) e leite longa vida (6,05%), o custo da alimentação
variou 1,30% em setembro, com elevação acumulada de 9,08% em 12 meses.
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Os
gastos com educação, leitura e recreação, que haviam recuado 0,62% em agosto, subiram
1,73% em setembro, sob influência quase exclusiva dos preços das passagens
aperas, que passaram a subir 23,74% em setembro, depois da queda de 3,57%
registrada no mês anterior. Com altas de 2,66% e de 3,36% em agosto e setembro,
respectivamente, a gasolina puxou o avanço da “inflação” dos transportes de
0,87% para 1,07%.
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As
commodities mais exportadas pelo Brasil foram também as que maiores
pressionaram a alta nos preços no atacado. No mês de setembro, os preços do
minério de ferro, da soja em grão, do milho, dos bovinos e do arroz subiram,
pela ordem, 10,81%, 14,32%, 14,89%, 7,38% e 38,93%. Para reforçar a tese aqui
exposta, no varejo, os preços do arroz apresentaram elevação de muito menos de
um terço do salto captado no atacado.
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O
Índice de Preços ao Produtor (IPP), do IBGE, que afere a variação dos preços
“na porta da fábrica”, descontados impostos e fretes, subiu 3,22% em julho e
3,28% em agosto, passando a acumular alta de 10,80% em oito meses e de 13,74%
em 12 meses (a inflação ao consumidor, no mesmo período, registrava variação de
2,44%).
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No
mês passado, quatro setores da indústria responderam por 69,5% do IPP –
alimentos, derivados de petróleo e biocombustíveis, outros produtos químicos
(adubos e fertilizantes, por exemplo) e indústria extrativa.