Laboratório estatal chega a técnica disruptiva para etanol de 2ª geração
Etanol celulósico poderá se consolidar mais rapidamente do que o esperado no País, transformando o Brasil em protagonista no mercado global | Foto: reprodução
Lauro Veiga
A pesquisa brasileira anda a passos largos na
produção de inovações para o agronegócio, numa corrida em que os grandes grupos
multinacionais ainda levam vantagem. Em algumas áreas, no entanto, a distância
pode estar sendo encurtada. A produção de etanol de segunda geração, também
conhecido como etanol celulósico, poderá se consolidar mais rapidamente do que
o esperado no País, transformando o Brasil em protagonista no mercado global de
biocombustíveis, antevê Mário Murakami, diretor científico do Laboratório
Nacional de Biorrenováveis do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e
Materiais (LNBR/CNPEM).
Imaginava-se que o desenvolvimento de uma tecnologia
genuinamente nacional para a produção de enzimas com capacidade para “descontruir”
a biomassa lignocelulósica, tornando-a disponível para a produção de açúcares
simples, não seria possível em menos de uma década. Pois a equipe de
pesquisadores comandada por Murakami e pelo diretor executivo do LNBR, Eduardo
Couto e Silva, conseguiu o feito em dois anos e meio, uma façanha reconhecida
pela revista
NatureChemicalBiology.
A
rota escolhida pelos pesquisadores brasileiros, conforme Murakami, tomou
emprestada a mesma técnica de edição genética,conhecida pela sigla CRISPR/Cas9, que levou as cientistas EmmauelleCharpentier, do Instituto Max
Planck, da Alemanha, e Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, em
Berkeley, EUA, a compartilhar o prêmio Nobel neste ano. “Conseguimos alterar
geneticamente o metabolismo de uma cepa do fungo Trichodermareeseipara a
produção de um coquetel de enzimas a partir do melaço de cana. Nossa proposta
sempre foi desenvolver uma tecnologia nacional competitiva, pensando nas
singularidades do setor usineiro”, comenta Murakami. Atualmente, as usinas
utilizam enzimas importadas para transformar palha e bagaço de cana em açúcares
utilizados no processamento do etanol, numa tecnologia dominada por empresas
europeias e que pode representar metade do custo de produção do etanol
celulósico, incluindo o pagamento de royalties. A nova plataforma, que reduz os
custos do processo em um quarto aproximadamente, deverá estar no mercado nos
próximos dois anos, acredita Murakami.
Inovador e mais
barato
Mais barato do que os concorrentes importados, o bioprocesso
desenvolvido no CNPEM atingiu uma concentração de 80 gramas de enzimas por
litro, o que se compara ao valor máximo registrado pela literatura científica
nesta área, em torno de 37 gramas por litro para o tipo de fungo definido pelo
centro.Murakami atribui os resultados ainda ao ecossistema de inovação
instalado em torno do CNPEM, que estimulou o desenvolvimento de uma “tecnologia
tão disruptiva em curto espaço de tempo”. Numa estimativa, a segunda geração de
etanol pode acrescentar 15,0 bilhões de litros à produção brasileira, o que
significaria aumentar em 42,0% a produção realizada na safra 2019/20, que
alcançou 35,6 bilhões de litros.
Balanço
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Segundo Murakami, a robustez e estabilidade da rota
tecnológica escolhida para a produção de etanol, além de outros produtos
biorrenováveis, foram testadas na planta piloto do CNPEM, que permitiu
demonstrar ainda a viabilidade econômica do processo. Na sua visão, o modelo de
negócio do setor sucroalcooleiro deverá ganhar maior estabilidade
econômico-financeira com a segunda geração de etanol, surgindo ainda a
possibilidade de as usinas se tornarem fornecedoras de enzimas para outras
finalidades.
·
Todo o trabalho, prossegue Murakami, permitiu que o
CNPEM fizesse o depósito no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi)
de dois pedidos de registro de patentes, envolvendo, no primeiro caso, o
processo escolhido pelos pesquisadores para desenvolver a tecnologia. A segunda
patente está relacionada ao microrganismo “engenheirado” pela pesquisa, ou
seja, o fungo alterado geneticamente para, literalmente, “digerir” o melaço da
cana e produzir o coquetel de enzimas utilizado para quebrar as ligações de
carbono da celulose contida no bagaço e na palha.
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Em regime de licenciamento, o laboratório deverá
fornecer o fungo alterado geneticamente às usinas interessadas, que terão mais
uma fonte de receitas relevante, dando maior estabilidade econômico-financeira
ao modelo de negócios já adotado no setor. As usinas poderão calibrar a
cogeração de energia e a produção de etanol conforme as condições de mercado,
destinando mais bagaço e palha para uma linha ou para a outra.
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A mesma técnica de edição genômica foi adotada por
pesquisadores do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas
(GCCRC), da Unicamp, para chegar à proteína que responde pelo controle da
resposta do milho a eventos climáticos severos, como a seca, e ainda aciona
mecanismos de defesa da planta contra pragas.
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Com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp), detalha Paulo Arruda, professor do Instituto de
Biologia (IB) da Unicamp e coordenador do GCCRC, a proteína foi descoberta
entre outras mais de 30 mil que regulam o metabolismo da planta, com a
investigação atingindo a estrutura molecular mais básica, em nível atômico.
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Sob condições normais, a proteína evita que os genes
de resposta ao estresse entrem em ação. “Quando ocorre uma seca ou um ataque
por patógenos, os níveis da proteína são diminuídos e o milho desencadeia a
resposta necessária para controlar os efeitos da seca, do calor ou do ataque de
patógenos”, detalha Arruda. A planta editada pela pesquisa inibe a expressão
daqueles genes, o que permite uma resposta mais rápida do milho a situações de
estresse hídrico. O passo seguinte será reproduzir as plantas com a proteína
modificada e realizar testes a campo para referendar a tecnologia, que será
ainda submetida à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).