Renda já vinha em queda (antes do corte no auxílio emergencial)
Fim do auxílio emergencial às famílias mais vulneráveis deverá agravar queda na renda familiar, deixando mais incertos os prognósticos para a economia neste final do ano | Foto: reprodução
Lauro Veiga
O
corte de pouco mais de 54,0% nos desembolsos do Tesouro para pagamento do
auxílio emergencial às famílias mais vulneráveis deverá agravar ainda mais a
tendência de queda na renda familiar, deixando mais incertos os prognósticos
para a economia neste final do ano e também nos meses iniciais de 2021, quando a
ajuda deverá ser extinta. Na verdade, os dados apurados pelo Banco Central (BC)
mostram que a renda disponível para o consumo já vinha em baixa antes mesmo que
o governo tivesse iniciado a redução do auxílio, o que sugere que seu pagamento
ajudou a compensar apenas em parte as perdas sofridas pelas famílias,
engrossadas pelo desemprego crescente.
De
acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a despesa com o
auxílio atingiu valor mais elevado em julho, quando havia somado R$ 45,875
bilhões. Em outubro, esse desembolso foi reduzido para pouco menos de R$ 21,045
bilhões, num corte de R$ 24,830 bilhões (-54,1%). O tombo refletiu a decisão do
governo de limitar o auxílio a R$ 300 por mês desde setembro passado, diante de
valores que flutuaram entre R$ 600 a um máximo de R$ 1,2 mil por beneficiado
até agosto.
A
despesa com o auxílio tende a se manter na faixa de R$ 21,0 bilhões nos dois
meses finais deste ano, sugerindo um gasto total em torno de R$ 87,0 bilhões
entre setembro e dezembro, diante de R$ 176,97 bilhões nos quatro meses
anteriores – ou seja, quase R$ 90,0 bilhões a menos (mais precisamente, algo em
torno de R$ 89,970 bilhões, ainda em valores aproximados). Será preciso
descontar, nesta conta, a retomada gradual dos pagamentos do Bolsa Família.
No
período em que o auxílio emergencial foi pago pelo valor “cheio”, aprovado pelo
Congresso, os desembolsos do Bolsa Família foram reduzidos para uma média
mensal em torno de R$ 84,0 milhões, somando perto de R$ 420,0 milhões entre
abril e agosto. Na prática, as famílias optaram por receber o auxílio, que
tinha valor mais elevado do que os pagamentos do Bolsa Família. Agora, começam
a retornar ao programa “antigo”, fazendo a média mensal dos desembolsos subir
para R$ 2,74 bilhões em setembro e outubro.
Perda
consolidada
Mantidos
nesses níveis, os gastos com o Bolsa Família tendem a atingir qualquer coisa
próxima a R$ 11,0 bilhões entre setembro e dezembro, o que significaria alguma
coisa acima de R$ 10,5 bilhões a mais do que os R$ 420,0 milhões registrados
entre abril e agosto. De qualquer forma, isso compensaria apenas 11,7% das
perdas estimadas com os cortes no valor do auxílio, deixando um saldo negativo
muito próximo de R$ 79,4 bilhões para as famílias mais pobres. Apenas para dar
uma dimensão desse número, a perda a ser consolidada neste final de ano
corresponde a aproximadamente 40,7% da massa salarial real efetivamente paga
aos trabalhadores no terceiro trimestre deste ano, de acordo com a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Balanço
·
O
Banco Central (BC) também acompanha esse tipo de indicador, divulgando, com
certo atraso, a chamada massa salarial ampliada disponível. O nome longo e
complicado, na verdade, significa a soma de todos os rendimentos do trabalho
recebidos pelas famílias, somados às transferências de renda do setor público
sob a forma de benefícios de prestação continuada (destinados a idosos e
deficientes), Bolsa Família, aposentadorias e pensões. Dessa massa,
descontam-se as contribuições devidas à Previdência e o Imposto de Renda (IR)
recolhido na fonte.
·
No
trimestre encerrado em agosto, a renda que sobrou para as famílias depois de
descontados os impostos havia alcançado R$ 262,895 bilhões, diante de R$
313,962 bilhões em janeiro deste ano. No período, a renda disponível para
consumo e despesas das famílias já havia encolhido 16,3% (o que se traduz em
uma perda de R$ 51,066 bilhões em números arredondados). Em valores nominais,
sem descontar os efeitos da inflação sobre a renda, foi o valor mais baixo
desde o trimestre finalizado em julho de 2018, quando a massa salarial ampliada
havia atingido R$ 260,591 bilhões.
·
Na
comparação com o trimestre junho-agosto de 2019, a massa ampliada, que havia
somado R$ 278,013 bilhões, encolheu 5,44%, correspondendo a uma redução de R$
15,118 bilhões.
·
A
massa salarial acumulada em 12 meses saiu de R$ 3,436 trilhões até janeiro
deste ano para R$ 3,380 trilhões em agosto, ou seja, R$ 55,263 bilhões a menos
(recuo de 1,61% em números não corrigidos pela inflação). As perdas de renda
vinham ocorrendo mesmo num período em que o auxílio estava sendo pago em valores
integrais (quer dizer, com base nos valores aprovados incialmente pelo
Congresso).
·
Outro
indicador de que as coisas já não iam tão bem sob o ponto de vista da renda das
famílias está na massa salarial efetivamente recebida pelos trabalhadores, na
medição da PNADC. Na comparação entre o terceiro trimestre do ano passado e
igual período deste ano, a massa de rendimentos reais, desta vez em valores
corrigidos com base na inflação, a pesquisa apontou uma retração de 10,3%, com
baixa de R$ 217,20 bilhões para R$ 194,76 bilhões (ou seja, R$ 22,442 bilhões a
menos).As perdas estão relacionadas diretamente aos números recordes do
desemprego, que havia atingido até ali perto de 14,1 milhões de trabalhadores,
perto de 1,577 milhão a mais do que no terceiro trimestre do ano passado.
·
Diante
desses números, fica realmente muito complicado projetar uma “retomada
sustentada” da atividade econômica e a volta do investimento nos próximos
meses.