Home office perde força e 500 mil voltam ao trabalho presencial
Pesquisa mostra que queda no home office acompanha redução do isolamento social – Foto: Reprodução
Eduardo Marques
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, divulgados pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), em outubro, 7,6 milhões de pessoas trabalhavam de casa. Em setembro, 8,1 milhões estavam em teletrabalho. Ou seja, houve uma queda de 500 mil nesse contingente.
A pesquisa mostra a queda do trabalho remoto mês a mês, conforme a queda do isolamento. Em outubro, 9,7 milhões de pessoas não tomaram nenhuma medida de restrição para evitar o contágio pelo novo Coronavírus, um acréscimo de 3,3 milhões em relação a setembro.
O número de pessoas que disse ficar rigorosamente isolada totalizou 26,3 milhões, o que representa uma queda de 8,2 milhões na comparação com setembro. Já o número de pessoas que afirmou ter reduzido o contato com outras pessoas, mas que continuou saindo de casa ou recebendo visitas subiu 9,7 milhões, totalizando 93,8 milhões. Quem afirmou que ficou em casa e só saiu em caso de necessidade somou 80,7 milhões. Esse número reduziu em 4,6 milhões de um mês para o outro.
Riscos de contágio
Com o ritmo de volta à rotina normal aumentando, ainda que a empresa ofereça todos os equipamentos e meios de proteção dentro das suas dependências, há outros riscos de contágio como o deslocamento de casa para o trabalho por meio de transporte público. Outros meios que trabalhadores correm risco de contágio são elevadores cheios, restaurantes nem sempre vazios ou cozinhas nas firmas pequenas para que todos levem suas refeições.
Um dos maiores medos dos trabalhadores é contrair o vírus no transporte público. Pesquisa realizada pela Agência Senado revelou que 89% dos entrevistados avaliam que há muito risco de contrair o vírus nos ônibus. E o medo não é em vão. Estudo da Rede de Pesquisa Solidária, da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que as mudanças operacionais adotadas no transporte público durante a pandemia, como redução de frotas e horários acabaram aumentando as lotações desses meios de transporte (ônibus, metrôs e trens).
Medidas cautelares
A auxiliar de escrita fiscal, Anna Clara Alves, de um escritório de contabilidade localizado no Setor Oeste, em Goiânia, trabalhou em casa no início da pandemia, mas depois retornou para o serviço presencial. Ela conta que ficou receosa de contrair a doença e levar para casa, onde mora com os filhos, embora possui auxílio do transporte particular do pai e namorado para conduzi-la a empresa.
No serviço, Anna Clara afirma que mantém todos as recomendações sanitárias de combate à Covid-19. “Todos trabalham usando máscara, álcool em gel, mantemos o distanciamento social. “Como é uma empresa que tem mais de 30 funcionários até o nosso horário de almoço foi dividido para não ter aglomeração. Então, assim, a gente está procurando tomar todas as medidas para que no nosso ambiente de trabalho não haja contaminação”.
Em casa, a auxiliar diz que ficou contente com o serviço desenvolvido. Para conseguir conciliar com os serviços domésticos, ela afirma que buscava trabalhar de acordo com os horários se estivesse no serviço presencial. “Ia fazer as coisas que eu tinha que fazer de casa, no meu tempo normal, no meu tempo livre. Assim, eu procurei cumprir a minha carga horária, como se eu estivesse trabalhando no escritório mesmo, para não deixar atrapalhar o rendimento do serviço”.
Medo do ônibus
A secretária de um escritório de advocacia, Valma Karine Feitosa Braga, localizado no Setor Bueno, na Capital, diz que o maior medo quando soube que ia retornar ao serviço presencial foi o transporte público. “Após saber que iria retornar ao trabalho presencial, meu medo maior foi pegar o ônibus, porque o ônibus é muito cheio, mas lá no serviço mesmo, eu não tive nenhum medo”. Ela explica que não tem medo de contrair a doença na empresa porque eles tomam todas as medidas sanitárias de controle ao Coronavírus.
Diferente de Anna Clara, Valma conta que não teve experiência satisfatória no período que trabalhou em casa. “Eu não gostei de trabalhar em casa, não achei produtivo. Porque quando a gente tem filhos, tem muita gente em casa, a gente vai arrumar a casa. Eu não consigo produzir em casa. No serviço eu produzo melhor. Então a minha avaliação não foi muito boa”.
Valma afirma que não conseguiu conciliar o serviço doméstico com o do escritório que ela trabalha. “Eu via a casa suja, eu ia arrumar a casa e às vezes deixava a desejar no serviço do escritório, no qual eu trabalho. Foi difícil conciliar, entendeu? Às vezes eu deixava a desejar. Eu preferia arrumar a casa, cuidar dos meninos do que fazer o serviço do escritório”.
A atendente de contas Mayara Alencastro, que trabalha em uma agência de publicidade, no Setor Sul, afirma que embora toma cuidados para prevenir contra o Coronavírus, diz que tem medo de contrair a doença na empresa. “O medo é real. Venho para o trabalho todos os dias pedindo a Deus para que nada aconteça, ainda mais eu que moro com os meus pais, que são idosos. Aqui usamos álcool em gel, máscara e mantemos o distanciamento social um do outro”.
No tempo que trabalhou de casa, Mayara afirma que o serviço não foi produtivo por causa da dificuldade de o filho de 1 ano entender que a mãe não estava à disposição dele em tempo integral. “Para mim foi complicado porque eu tenho filho de um ano que não entende que eu estava trabalhando e que eu não poderia dar atenção para ele. Então, realmente, ficou bem complicado. O lugar onde fica o computador é visível e ele não entendia que eu estava trabalhando”.
Direitos dos trabalhadores devem ser observados
O advogado Fernando José Hirsch, mestre em Direito do Trabalho, explica que a modalidade do trabalho em casa, prevista no artigo 75 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), prevê que a realização de teletrabalho deve ser pactuada entre as partes (empregado e empregador).
“Não pode ser compulsória. Em decorrência da pandemia as empresas devem priorizar o teletrabalho para os trabalhadores em grupo de risco, mas infelizmente a legislação não veda o retorno ao trabalho de quem tem filhos pequenos e de quem mora ou convive com pessoas de grupos de risco”, diz o advogado.
Ele ainda diz que o empregado fica à mercê do “bom senso e da sensibilidade social do empregador, que muitas vezes não existe”. Nestes casos, diz Fernando Hirsche, se o empregado, inclusive em grupo de risco, se recusar ao retorno de atividade presencial corre o perigo de ser demitido. Porém, o advogado acredita que não deve ser aplicada a justa causa, “já que a vida é o bem mais precioso”, ele completa.
Ele ressalta que se o trabalhador, que não é de grupos de risco, recorrer à Justiça para tentar garantir algum direito de permanecer em teletrabalho, provavelmente não terá sentença favorável. Por outro lado, o trabalhador deve ficar atento às regras estabelecidas para o trabalho em casa, que praticamente são as mesmas do trabalho presencial, em questões de jornada e disponibilidade.
Fernando Hirsche explica se os trabalhadores têm de cumprir horários, as empresas, por sua vez, não podem exigir mais do que o habitual. “O trabalhador precisa ter a divisão de tempo entre horário de trabalho e horário de almoço, por exemplo, da mesma forma como é no trabalho presencial”.
Mas, ainda de acordo com o advogado, na prática existem excessos. “Alguns empresários têm a impressão de que o funcionário, por estar em casa, está à disposição 24 horas por dia. Portanto, ele deve guardar mensagens, comunicados, e-mails que mostrem o trabalho fora de horário para que, se no futuro quiser discutir judicialmente, possa ter provas”, alerta Fernando Hirsche. (Especial para O Hoje)