Nem a “blackfriday” salvou as vendas do comércio em novembro
Na comparação com outubro, as vendas do varejo praticamente não se mexeram, com ligeiro recuo de 0,1% em todo o país – Foto: Divulgação
Lauro Veiga
Se
a oferta relativamente maior de crédito havia, de certa forma, compensado, em
outubro, os efeitos do desemprego elevado, da queda da renda das famílias e da redução
do auxílio emergencial sobre a demanda, em novembro, nem mesmo a tal
“blackfriday” foi suficiente para animar o consumo, lembrando que as tevês
mostravam, na época, filas e a invasão de lojas por consumidores, numa suposta “orgia
consumista” que chegou a animar analistas a reforçar seus prognósticos de uma
rápida recuperação da economia. O desempenho mais negativo na reta final do ano
parece estar relacionado à continuidade da tendência de forte redução da renda
das famílias, agravada pela geração insuficiente de empregos e pela alta
persistente do desemprego, e aos cortes aplicados pela equipe econômica no
programa de auxílio emergencial, que havia contribuído para dar alguma
sustentação à economia a partir de abril, impedindo um mergulho mais severo
ainda da atividade econômica.
Na
comparação com outubro, as vendas do varejo praticamente não se mexeram, com
ligeiro recuo de 0,1% em todo o País, enquanto o chamado varejo ampliado (que
inclui concessionárias de motos e veículos e lojas de autopeças e de materiais
para construção) experimentou desaquecimento, avançando apenas 0,6% depois da
alta de 2,1% registrada na passagem de setembro para outubro.Ainda de acordo
com a pesquisa mensal de vendas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), os resultados vieram muito negativos para Goiás, com quedas
de 1,0% e de 1,7% para o varejo tradicional e o ampliado, entre outubro e
novembro do ano passado.
Na
comparação com novembro de 2019, as vendas do setor varejista cresceram 3,4% em
todo o País, diante de alta de 4,1% para o varejo ampliado. Nos dois casos,
houve desaceleração no ritmo de crescimento, já que aqueles segmentos haviam
experimentado incremento de 8,4% e de 6,1% em outubro (também em relação ao
mesmo mês do ano anterior). O varejo convencional em Goiás registrou o segundo
pior desempenho entre todos os Estados e regiões acompanhados pelo IBGE, ao
registrar tombo de 5,0% frente a novembro de 2019, devolvendo quase todo o
salto de 5,1% observado em outubro. O varejo amplo caiu 1,4%, saindo de um
crescimento também de 5,1% no mês anterior.
Tombo
nos supermercados
Nos
números de Goiás, destacam-se o desempenho muito ruim colhido pelos
supermercados, talvez num duplo reflexo da alta nos preços dos alimentos e da perda
de renda. Na comparação com novembro de 2019, as vendas do setor desabaram
19,7%, com inclusão de bebidas e fumo. Quando considerados artigos tipicamente
de supermercados e hipermercados, concentrados em alimentação e itens de
limpeza, a queda atingiu proporções ainda mais severa, com tombo de 20,4%. Nos
11 meses iniciais de 2020, comparados ao mesmo período de 2019, os
supermercados e hipermercados venderam 2,8% a menos. No geral, incluindo o
varejo amplo, todo o setor reduziu suas vendas também em 2,8% no acumulado
entre janeiro e novembro. No Brasil, a retração havia sido de 1,9%.
Balanço
·
Dois
conjuntos de dados podem ajudar a entender o movimento do comércio nos últimos
meses de 2020. Os números da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) mostram que as
despensas com o auxílio emergencial desabaram 53,6% no trimestre encerrado em
novembro, na comparação com os três meses imediatamente anteriores. Os gastos
saíram de R$ 135,896 bilhões entre junho e agosto do ano passado para R$ 63,022
bilhões na soma entre setembro e novembro, numa perda de R$ 72,874 bilhões.
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Na
mesma comparação, no entanto, as despesas primárias com o Bolsa Família
saltaram exponencialmente, saindo de apenas R$ 160,735 milhões entre junho e
agosto para R$ 8,278 bilhões no acumulado entre setembro e novembro. O ganho,
apenas aparente, foi de R$ 8,117 bilhões.
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A
variação (51,5 vezes a mais), na verdade, refletiu o retorno ao programa das
famílias que perderam o auxílio emergencial ou tiveram seu valor reduzido a
partir de setembro. Enquanto este foi pago, essas famílias puderam optar pelo
mais vantajoso, escolhendo, claro, o auxílio emergencial, que pagava muito mais
do que o Bolsa Família.
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Na
combinação daquelas duas linhas de ajuda aos mais pobres, no entanto, as
despesas sofreram corte de 47,6% considerando aqueles dois trimestres,
encolhendo de R$ 136,057 bilhões para R$ 71,3 bilhões (ou seja, R$ 64,757
bilhões a menos, praticamente um quarto da massa salarial ampliada disponível
para as famílias no terceiro trimestre de 2020).
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Esse
conceito de massa ampliada disponível foi desenvolvido pelo Banco Central (BC),
que inclui os rendimentos do trabalho das pessoas ocupadas, aposentadorias e
pensões e benefícios sociais recebidos pelas famílias (mas não incluía na conta
o auxílio emergencial quando a coluna consultou o BC no final do primeiro
semestre). Desse total, são descontados o imposto sobre a renda recolhido na
fonte e contribuições à Previdência.
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Nessa
ótica, a massa salarial disponível em outubro havia alcançado R$ 261,512
bilhões na média do trimestre encerrado naquele mês. Comparada a dezembro,
quando havia somado R$ 316,425 bilhões, a massa de renda das famílias chegou a
encolher 17,4%, numa perda de R$ 54,913 bilhões. Comparada ao trimestre
encerado em março, início da pandemia, a massa de rendimentos sofreu baixa de
4,4%, refletindo perdas de quase R$ 12,0 bilhões.
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Mais
preocupante: os números têm sido decrescentes trimestre a trimestre. No segundo
trimestre, para se ter uma visão dessa tendência, a massa havia atingido R$
271,771 bilhões e, como visto, caiu ainda mais desde lá. Sobra muito pouco
espaço para qualquer reação da demanda num cenário de perda de capacidade de
consumo para as famílias.