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domingo, 24 de novembro de 2024
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Indenizações

Após dois anos, Vale e atingidos em Brumadinho seguem com divergências

Empresa é criticada por divisão de lucros de R$ 19,6 bilhões e pagamentos às vítimas da tragédia de R$ 3,7 bilhões de indenizações | Foto: ABr

Postado em 25 de janeiro de 2021 por Nielton Soares
Após dois anos
Empresa é criticada por divisão de lucros de R$ 19

A tragédia de Brumadinho (MG)
completa exatamente dois anos e o volume de recursos anunciado pela Vale para
pagamento a acionistas é de R$ 19,6 bilhões. Segundo a mineradora, nesse mesmo
período, foram pagos R$ 3,7 bilhões em indenizações e auxílios emergenciais aos
atingidos. A comparação dos valores tem sido usada pelos atingidos para cobrar
um maior comprometimento com a reparação dos danos causados na tragédia.

“São valores altíssimos
repassados aos acionistas. É um desrespeito com aquelas pessoas que tiveram
suas vidas ceifadas. E não falo só das vítimas que foram privadas do direito de
viver. As famílias que perderam seus entes queridos estão sem forças pra nada.
É um pesadelo constante”, diz a engenheira civil Josiane Melo, presidente
da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem
da Mina Córrego do Feijão (Avabrum). Ela perdeu sua irmã Eliane Melo, que
estava grávida de cinco meses.

A mineradora diz estar empenhada
na reparação dos danos. “Comprometida em indenizar de forma justa e célere
todos os impactados, a empresa já pagou mais de R$ 2 bilhões em indenizações.
Ao todo, 8,7 mil pessoas já firmaram acordos de indenização com a Vale, sendo
1,6 mil por meio da justiça trabalhista e 7,1 mil pessoas em indenizações
cíveis. No total, mais de 3,8 mil acordos foram assinados. Os recursos
destinados ao auxílio emergencial ultrapassam R$ 1,7 bilhão”, diz em nota.

Desde a tragédia, ocorrida após o
rompimento de uma barragem na Mina Córrego do Feijão em 25 de janeiro de 2019,
259 corpos foram resgatados. Permanecem desaparecidas 11 pessoas e o Corpo de
Bombeiros prossegue com as buscas. A avalanche de lama também destruiu
comunidades, devastou vegetação e poluiu o Rio Paraopeba, que abastece parte da
região metropolitana de Belo Horizonte.

Após o episódio, a primeira vez
que a mineradora anunciou remuneração de acionistas foi no final de 2019. Foram
reservados R$ 7,25 bilhões para distribuição a título de juros sobre capital
(JCP). O repasse desse valor aos acionistas aconteceu no dia 7 de agosto de
2020, quando o Conselho de Administração da Vale restabeleceu a política de
remuneração que estava suspensa desde a tragédia. Um novo anúncio da Vale
envolvendo a remuneração de acionistas voltou a ocorrer em outubro do ano
passado: foram reservados US$ 2,3 bilhões (cerca de R$ 12,35 bilhões) para
pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio (JCP).

A remuneração de executivos
também tem cifras significativas. A Vale distribuiu R$ 19,1 milhões como prêmio
por desempenho a diretores. Esse valor, aprovado em assembleia em abril de
2020, é referente a 2019, ano em que a tragédia ocorreu. Entre os beneficiados
estavam pessoas que desempenhavam função de direção à época do rompimento da
barragem.

A Vale afirmou na época que os
valores foram divididos entre os executivos que não estavam sendo investigados
e sustentou que os diretores cumpriram ao longo do ano suas metas de
sustentabilidade e de reparação de danos do desastre. Sócios minoritários e o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) votaram contra a
decisão, mas foram votos vencidos diante dos acionistas que detém 60% das
ações, entre eles o Bradesco e a Previ, fundo de pensão dos funcionários do
Banco do Brasil.

Apesar do impacto financeiro que
se seguiu nos meses posteriores à tragédia, a Vale minimizou as perdas de 2019
com bom desempenho no segundo semestre. A mineradora fechou o ano com prejuízo
de R$ 6,672 bilhões (US$ 1,683 bilhão). Em 2020, considerando os balanços já
divulgados dos três primeiros trimestres, o lucro líquido acumulado é de R$
21,9 bilhões. Restando o balanço do último trimestre a ser divulgado, a Vale se
aproxima do desempenho de 2018, ano anterior à tragédia, quando lucrou R$ 25,6
bilhões.

Justiça reconheceu atingidos pelo
desastre em 25 cidades.

Justiça reconheceu atingidos pelo
desastre em 25 cidades. – Arte/Agência Brasil

Indenizações por mortes

Para indenizar parentes dos
trabalhadores que morreram, um acordo foi firmado entre a Vale e o Ministério
Público do Trabalho (MPT) em julho de 2019. Mais de 90% dos 259 corpos
resgatados pertenciam a funcionários que atuavam no Mina Córrego do Feijão: 123
eram empregados próprios da Vale e 117 de empresas terceirizadas. “Não
avaliamos que foi um acordo positivo. Não fomos consultados e não tivemos
opções. Disseram que era isso ou ir pra Justiça”, disse Josiane Melo.

Conforme o acordo, pais, cônjuges
ou companheiros e filhos dessas vítimas receberiam, individualmente, R$ 500 mil
por dano moral. Já os irmãos receberiam R$ 150 mil cada um. Além disso, a
título de dano material, a Vale deve pagar uma pensão mensal para os familiares
que dependiam financeiramente da vítima. O acordo assegura que dependentes de
cada morto não devem receber menos que R$ 800 mil, ainda que o cálculo fique
abaixo desse valor.

Os valores são inferiores ao que
previa um estudo interno da própria mineradora Vale que foi apreendido pelo
Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) no curso das investigações sobre a
tragédia. Ele fixava a indenização em quase R$ 10 milhões por morto.
“Claro que uma vida não tem preço. Mesmo R$ 10 milhões, a gente ainda iria
achar que é pouco perante uma vida perdida. Mas temos vistos algumas boas indenizações
para quem teve danos materiais. Houve lotes e chácaras devastados no rompimento
da barragem que foram muito bem valorizados. Enquanto isso, quem perdeu um
irmão ou um filho sequer foi ouvido para definir a indenização”, lamenta
Josiane.

Decisões judiciais

Nem todas as famílias aceitaram
os valores e algumas optaram por mover processos. A Vale já foi condenada em
alguns deles, embora existam decisões que foram alvo de recursos tanto da
mineradora como de parentes que pleiteiam majoração das indenizações. Na 3ª
Vara do Trabalho de Governador Valadares, por exemplo, a Justiça determinou o
pagamento de R$ 2 milhões em danos morais a um casal que perdeu sua filha na
tragédia: ela era engenheira e estava na Mina Córrego do Feijão quando foi
soterrada pela lama. Na segunda instância, o valor foi reduzido para R$ 1,3
milhão. O casal manifestou discordância em relação à quantia fixada e o caso
subiu para o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Já na 6ª Vara do Trabalho de
Betim, a mineradora foi condenada ao pagamento de R$ 1,5 milhão aos familiares
de outro trabalhador falecido. A Vale recorreu e, na segunda instância, as
partes chegaram a um acordo pactuando a quantia de R$ 1 milhão, com o processo
transitando em julgado. Na Justiça comum, também existem decisões favoráveis a
quem processou a Vale. Em maio de 2020, a 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância
e da Juventude de Brumadinho, condenou a Vale ao pagamento total de R$ 5
milhões a uma mulher que perdeu o filho de um ano, o esposo e a irmã, além de
ter tido sua casa destruída e de ter sofrido fraturas e lesões que deixaram
cicatrizes. Há um recurso da mineradora aguardando julgamento.

Em outra decisão, o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG) fixou em setembro de 2019 o montante de R$ 11,8
milhões para indenização por danos morais a quatro parentes – pais e irmãos –
de Luiz Taliberti, a irmã Camila Taliberti e a esposa dele Fernanda Damian,
grávida de cinco meses. Eles estavam hospedados na Pousada Nova Estância, que
foi soterrada pela lama de rejeitos. Após a Vale apresentar um recurso, as
partes firmaram um acordo em segunda instância cujos valores são sigilosos e o
processo foi arquivado. Posteriormente, outros cinco parentes – avós, irmãos e
primos – das mesmas vítimas também tiveram decisão favorável: a mineradora foi
condenada a desembolsar mais R$ 8,1 milhões. A Vale recorreu dessa sentença.

Sobreviventes

Indenizações para os
trabalhadores sobreviventes também foram discutidos na Justiça. Negociações
entre a mineradora e seis sindicatos levaram a acordos que foram homologados em
abril do ano passado pela 5ª Vara da Justiça do Trabalho de Betim. Deverão ser
pagos até R$ 250 mil por danos morais e materiais a cada um dos funcionários,
sejam eles da própria Vale ou de empresas terceirizadas, que atuavam na Mina
Córrego do Feijão. O maior valor é para os que estavam trabalhando no momento
do rompimento da barragem.

Josiane, que também é funcionária
da mineradora, conta que muitos colegas tiveram dificuldade de lidar com o trauma
vivido. “Muitos dos trabalhadores sobreviventes optaram por se desligar da
Vale. E há uma dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho. Primeiro
porque estamos no meio de uma pandemia. Segundo porque essas pessoas realizaram
ou estão realizando tratamento psiquiátrico. Os currículos estão manchados
porque trabalharam na Mina Córrego do Feijão e ninguém quer contratar pelo
estigma. Os empregadores não querem um trabalhador com problema
psiquiátrico”. (ABr)

 

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