Em plena crise, governo deixa R$ 1,45 trilhão “dormindo” no BC
Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, deste final de semana (29 e 30)
Como
sabido e repisado, a equipe econômica do senhor Paulo Guedes, o “ministro dos
mercados e das jogadas (muito) especiais”, cortou o auxílio emergencial neste
ano, contando com a já sabida colaboração do vírus – que, como todos sabem,
concordou generosamente em parar de contagiar a população em 31 de dezembro de
2020. No dia D e na hora H, como diria um certo general-ministro. Mas, como
todos também sabem, e já pedindo desculpas pelo humor rasteiro e totalmente
inoportuno num momento de dor profunda em todo o País (menos nos gabinetes de
Brasília), os vírus têm essa capacidade de não honrar compromissos e a crise
sanitária agravou-se exponencialmente neste ano.
O
pretexto para deixar de pagar o auxílio emergencial a milhões de famílias
totalmente desamparadas foi, claro, a falta de recursos. Como já pontou o
comandante em chefe das Focas Amestradas, com a educação e inteligência
habituais, o País quebrou e não há nada a ser feito. Lérias, diria vovó, do
alto de seus mais de 100 anos. Não é que a Secretaria do Tesouro Nacional (STN)
deixou “esquecidos” nos cofres do Banco Central (BC) nada mais, nada menos do
que R$ 1,453 trilhões na virada do ano? O valor corresponde a algo em torno de
19,6% do Produto Interno Bruto (PIB), que dizer do total de riquezas produzidas
pela economia brasileira em um ano.
Considere,
agora, rara leitora, raro leitor, que o Tesouro gastou em torno de R$ 293,1 bilhões
com o auxílio entre abril e dezembro do ano passado, perfazendo a média mensal
de praticamente R$ 32,6 bilhões. No auge do programa, em julho do ano passado,
a despesa nesta área havia somado R$ 45,9 bilhões. Mas suponha que o governo
(não este, outro governo qualquer, com sensibilidade e empatia diante da dor e do
desespero de seus governados) tivesse decidido manter o benefício mensal dentro
daquela média (os R$ 32,6 bilhões mencionados). O gasto em 12 meses atingiria
qualquer coisa ao redor de R$ 390,8 bilhões, perto de 5,3% do PIB. Bastaria
recorrer a 26,9% do saldo do Tesouro disponível no BC para pagar a conta.
Falso
dilema
Ah,
diriam os economistas pró-mercados, mas isso causaria inflação e seria ilegal,
porque vetado pela legislação. De fato, aquelas “disponibilidades do governo
federal no BC”, acomodadas na conta única mantida pelo Tesouro na autoridade
monetária, somente podem ser utilizadas para financiar a dívida pública em
momentos de emergência, vedado seu uso para cobrir despesas correntes. Bom, se
alguém conseguir apontar um momento de maior emergência do que o atual seria
candidato a um cargo na equipe econômica. Além do mais, os governos ao redor do
mundo têm recorrido a todas as suas reservas e alguma coisa a mais para
socorrer suas populações, tentar salvar empregos e empresas e combater a
pandemia. Ou de onde você acha que sairão os quase US$ 1,9 trilhão anunciados
pelo governo Biden para enfrentar a crise sanitária e seus impactos sobre a
economia? Da emissão de moeda e dívida. Todos os países sairão da crise mais
endividados e com déficits muito maiores, problemas que terão que ser
enfrentados mais adiante, quando a vacinação em massa assegurar a desejada
imunidade coletiva e, em consequência, a normalização da atividade econômica.
Balanço
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O
saldo na conta única do Tesouro chegou mesmo a sofrer queda de 19,5% entre
dezembro de 2019 e outubro do ano passado, saindo de R$ 1,439 trilhão para R$
1,159 trilhão, indicando que o governo utilizou R$ 279,943 bilhões
provavelmente para bancar a emissão de dívida (na prática, emitiu moeda na
mesma proporção). Mas o saldo foi recuperado rapidamente e com folgas. Em
dezembro, o saldo atingiu aqueles R$ 1,453 trilhão, saltando 25,4% frente a
outubro (R$ 293,797 bilhões a mais).
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Aqueles
recursos, apenas num exercício matemático, superam em 3,7 vezes a despesa
estimada aqui para a preservação do auxílio emergencial, considerando-se a
média mensal de R$ 32,6 bilhões ao longo deste ano.
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A
dívida bruta do governo geral, que inclui a União, governos estaduais e
municipais e suas estatais, atingiu R$ 6,616 trilhões em dezembro de 2020,
alcançando 89,3% do PIB, na estimativa do BC. Houve um aumento de 20,3% frente
a dezembro de 2019, quando havia somado R$ 5,50 trilhões (74,3% do PIB). Sim,
cresceu como se esperava que ocorreria num momento de pandemia inédita. O
aumento, no entanto, ficou aquém do projetado pelos mercados, que trabalhavam
com uma relação acima de 90% do PIB para a dívida bruta.
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As
despesas com juros, no entanto, encolheram 14,9% entre 2019 e 2020, caindo de
R$ 367,282 bilhões para R$ 312,427 bilhões (ou seja, R$ 54,855 bilhões a
menos). Em relação ao PIB, as despesas com juros baixaram de 4,96% para 4,22%
ainda na estimativa do BC, que trabalha com um valor nominal de R$ 7,410 trilhões
para o produto brasileiro.
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Nos
Estados, a redução do gasto com juros foi mais pronunciada, num tombo de 24,8%
(de R$ 46,591 bilhões para R$ 35,037 bilhões), trazendo uma economia de R$
11,554 bilhões.
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Nas
estatísticas do BC, que não coincidem com os números da Secretaria de Economia
de Goiás, o cenário fiscal para o Estado teria registrado, paradoxalmente,
sensível melhora no ano passado. A dívida líquida cresceu 3,9%, saindo de R$
21,183 bilhões para R$ 22,019 bilhões. Mas, em relação à receita corrente líquida,
caiu de 47,7% para 45,4%.
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O
resultado primário em Goiás (receitas menos despesas, excluídos gastos com
juros) trocou de sinais, deixando um déficit de R$ 885,625 milhões em 2019 para
um superávit de R$ 1,907 bilhão (3,9% da receita líquida).
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Os
juros nominais, provavelmente apropriados pelo conceito de competência pelo BC
(já que o Estado foi autorizado pelo Supremo a suspender os pagamentos de
juros), aumentaram de R$ 1,540 bilhão para R$ 1,959 bilhão, num salto de 27,2%.
Com a forte melhor no resultado primário, o déficit nominal (receitas menos
despesas, agora incluindo os juros) desabou quase 99,0%, caindo de R$ 2,425
bilhões para apenas R$ 52,137 milhões.