A solidariedade como principal aliada das famílias carentes em meio à pandemia
Através de ações sociais, voluntários transformam a realidade de pessoas esquecidas e marginalizadas pela sociedade | Foto: reprodução
Jordana Ayres
A pandemia causada pelo novo coronavírus promoveu e ressaltou situações de extrema pobreza e vulnerabilidade social. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 716 mil empresas tiveram que fechar as portas no Brasil em 2020, destas, 4 mil apenas em Goiás. Isso fez com que milhares de pessoas que eram responsáveis por levar o sustento à família, perdessem os empregos; em alguns casos, os empregados tiveram os salários reduzidos pela metade sem receber nenhum tipo de aviso prévio.
Para dar assistência e suporte, o Governo Federal concedeu um benefício voltado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, porém muitos deles, apesar de terem direito de receber o dinheiro, acabaram, mais uma vez, ficando a margem por conta das fraudes que aconteceram durante o período. principal objetivo dessa ajuda era fornecer proteção no período de enfrentamento à crise do coronavírus, mas em alguns casos, não foi suficiente para dar suportes básicos.
Com o caos instalado, a solidariedade ganhou mais força. Houve um crescimento notório da filantropia e da caridade nos últimos meses e muitas ações sociais que já existiam antes deste cenário foram intensificadas para conseguir amenizar a situação de extrema pobreza vivida pela sociedade.
Um bom exemplo disso, é o projeto Nós Pelo JK, realizado no bairro Juscelino Kubitscheck (JK), situado na região Noroeste de Goiânia. Apesar de fazer parte da cidade, o setor não é regularizado pela prefeitura por ter sido formado através de uma ocupação em 2007; por esse motivo, as mais de 500 famílias que moram ali, não contam com asfalto ou saneamento básico e tiveram acesso à rede de energia há poucos meses.
Em tempos não pandêmicos, o projeto, fundado há dois anos, costumava realizar as atividades uma vez por mês, levando oficinas de desenho, oficinas de cachepot para as mães, cursos de maquiagem para adolescentes, cursos de barbearia para os pais, palestras ligadas à saúde, à cidadania e à existência de uma biblioteca itinerária onde as crianças podem pegar um livro durante um mês e após a leitura, devem fazer uma interpretação sobre o que entenderam. Além disso, os voluntários distribuem lanches e comemoraram a data dos aniversariantes de 3 em 3 meses.
Segundo a fisioterapeuta e fundadora do projeto, Esther Lopes Soares, devido a essa crise o foco precisou ser mudado, ocasionando a junção com um outro projeto denominado ‘De Mãos Dadas’. Deste modo, eles oferecem assistência para mais famílias, conseguindo doar cestas básicas, cobertores e fraldas.
“Desde que começou a pandemia, eu estive lá pelo menos uma vez por semana; as visitas agora são semanais. Nossa dinâmica mudou muito, nós costumávamos ir com no mínimo 60 voluntários, agora estamos indo com o mínimo possível, no máximo 4. Meu maior medo é levar alguma contaminação para a comunidade, caso algum de nós esteja assintomático. As entregas estão sendo feitas casa a casa para não ter nenhum tipo de aglomeração, tudo é feito com muita responsabilidade”, disse Esther.
A missionária e voluntária de ações sociais no JK, Raiane Alves, conta sobre uma das experiências que lhe causou grande comoção: “Nós entramos em uma casa que não tinha nada, só um armário, uma rede e cinco crianças; moram nessa residência o total de 12 pessoas. Nesse dia havia uma neném de colo, com aproximadamente 8 meses, enrolada em uma manta, pois não tinha o que vestir. No dia seguinte voltamos lá e entregamos roupas e duas cestas básicas. Tem pessoas ali que realmente precisam de atenção e de questões jurídicas.”
A estudante alega que já tentou levar o mutirão da prefeitura para o bairro, mas não obteve sucesso. “Eu corri atrás e vi que não tem como, por conta do bairro não ser legalizado. Muita gente ali tem direito ao auxílio do governo e ao bolsa família e tinham tudo para estar recebendo o dinheiro, porém não possuem acesso à informação para correrem atrás dos direitos. Apesar de terem celulares, uma vez ou outra conseguem colocar crédito para acessar a internet.”
Outra grande organização que tem ajudado milhares de pessoas em situações de vulnerabilidade é a Central Única de Favelas. A CUFA foi criada em São Paulo e no Rio de Janeiro a partir da união entre jovens de várias favelas que buscavam espaços para expressar atitudes e questionamentos; hoje, a ONG se expandiu para 27 federações do Brasil e diversas cidades como Goiânia, Recife, Belo Horizonte, Campo Grande etc. Um dos projetos mais conhecidos é a Taça Das Favelas, uma competição de futebol apoiada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), veiculada por canais de TV aberta e fechada, como Globo e Sportv. O campeonato é composto por moradores de periferias e tem como objetivo promover a integração das comunidades através do esporte.
A médica e coordenadora social da organização em Goiás, Marina Almeida, destaca que para muitos, o termo favela ainda não é bem aceito. “As pessoas ficam muito indignadas quando usamos a palavra favela, por acreditarem que não existe favela aqui. O conceito, nada mais é do que assentamento cheio de miséria e vulnerabilidade social; a CUFA atende hoje, só aqui em Goiânia, 102 favelas e 203 em todo o estado, abrangendo Aparecida de Goiânia, Anápolis, Aragoiânia e Trindade.”
Durante a pandemia, Marina constatou que houve um aumento de pedidos de ajuda e que os moradores das periferias costumam ser os mais afetados: “Hoje a gente tem repartido o que ganha. Não temos nenhum tipo de repasse governamental ou empresarial. A situação piorou muito nas comunidades por serem regiões em que todas as famílias são autônomas, feirantes, pessoas que vigiam carros, serventes, dentre outros. Na periferia as pessoas só sabem que não podem trabalhar, mas não sabem exatamente o porquê.”
Dois dos principais projetos criados pela organização nestes últimos dias é o Cufa Contra o Vírus, responsável por viabilizar todo tipo de assistencialismo para as periferias, inclusive para o bairro JK, onde são levadas cestas básicas e assistência sanitária e o Mães de Favela em que mães solteiras ou que possuem muitas crianças recebem um vale financeiro no valor de R$ 120,00 reais, doado por apoiadores da causa.