Governo “perdeu” R$ 1,75 trilhão com incentivos em 6 anos
Essa perda tem efeitos concretos e imediatos na distribuição de recursos para a saúde, educação, ciência e tecnologia | Foto: Reprodução
Lauro Veiga
Os
economistas e especialistas em contabilidade pública classificam subsídios e
incentivos fiscais em geral como “gastos tributários”. Essa “despesa”, assim
classificada porque o governo abre mão de receitas para favorecer este ou
aquele setor da economia (e até mesmo grupos econômicos privados). Na prática,
o governo perde receitas para que empresas e aqueles grupos econômicos tenham
lucros, bancados parcialmente com o dinheiro de impostos, contribuições e
outras formas de tributação que deixaram de ser pagas, enquanto o assalariado
de classe média e o trabalhador recebem o salário no final do mês já com o
Imposto de Renda (IR) devidamente descontado na fonte, além de recolherem
impostos sobre tudo o que consomem diariamente.
Essa
perda de arrecadação tem efeitos concretos e imediatos sobre a execução do
orçamento, já que limita o volume de recursos disponível para financiar gastos
essenciais nas áreas de saúde, educação, ciência e tecnologia. Entre 2015 e
2020, segundo dados oficiais do Ministério da Economia, aqueles “gastos
tributários” somaram qualquer coisa ao redor de R$ 1,751 trilhão, o que
representou aproximadamente 23,0% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado pelo
ministério para 2020 e em torno de 21,8% da arrecadação total administrada pela
Receita Federal acumulada naqueles seis anos.
Como
alegar falta de recursos se o próprio governo abre mão, todos os anos, de mais
de um quinto de suas receitas em subsídios e incentivos que, não raro, produzem
distorções e invariavelmente agravam a concentração da renda? A receita
perdida, na verdade, tende a ser ainda mais elevada, já que aqueles números não
incluem a isenção do IR sobre dividendos e sobre lucros distribuídos pelas
empresas a seus acionistas.
Uma
parte desses benefícios parece meritória, ao contribuir para baratear, por
exemplo, a cesta básica de alimentos, mais largamente consumida pelas famílias
de renda mais baixa, ou ao estimular a cultura, a educação ou a produção de
combustíveis mais limpos. Neste último ponto, no entanto, há quatro anos não há
incentivos para o etanol, enquanto o setor petroquímico recebeu, no mesmo
período, em torno de R$ 218,886 milhões em subsídios. Quer dizer, sobrou
“espaço fiscal” para estimular a produção de derivados fósseis e poluentes, mas
não houve recursos para bancar iniciativas que ajudariam a tornar a economia
mais limpa e sustentável.
Conflito
distributivo
Apenas
no ano passado, na estimativa do ministério, os incentivos consumiram em torno
de R$ 320,799 bilhões, representando 21,1% da receita total e algo próximo a
4,2% do PIB projetado pela equipe econômica, perto de R$ 7,556 trilhões (o BC,
apenas como referência, havia estimado o PIB em R$ 7,410 trilhões neste ano). Desde
2010, o aumento dos “gastos tributários” foi muito mais intenso do que o avanço
experimentado pelas receitas e também superou o crescimento do PIB, mostrando
que o incremento foi desproporcional e refletiu a intensa disputa por nacos da
arrecadação federal e um consequente agravamento no conflito distributivo.
Balanço
Na
série de dados do Ministério da Economia, incluindo os valores projetados para
os últimos três anos, os incentivos fiscais saltaram 136,1% em valores nominais
na comparação entre 2010 e 2020, partindo de R$ 135,861 bilhões para aqueles já
mencionados R$ 320,799 bilhões. Em 2010, a renúncia fiscal representava 17,5%
das receitas e 3,6% do PIB.
No
ano seguinte, os gastos tributários alcançaram R$ 152,441 bilhões.
Aparentemente, um valor nominalmente mais elevado. Mas, como proporção das
receitas realizadas naquele exercício e das riquezas totais geradas pelo País,
foi a mais baixa relação em mais de uma década. Os incentivos em 2011
corresponderam a 16,24% das receitas e a 3,49% do PIB.
Caso
em 2020 fosse mantida a mesma relação entre gastos tributários e receitas
observada em 2011, o governo poderia ter ampliado a arrecadação disponível em
quase R$ 74,1 bilhões, praticamente 1,0% do PIB esperado para 2020. Num
exercício meramente hipotético, aquele recurso poderia assegurar o pagamento de
R$ 250 mensais a 60,0 milhões de pessoas durante cinco meses, muito mais do que
a proposta que tem sido utilizada pelo ministro Paulo Guedes para chantagear o
Congresso e aprovar o seu “pacote de maldades” fiscais.
Considerando
ainda o período entre 2015 e 2020, os subsídios destinados à Zona Franca de
Manaus somaram R$ 112,020 bilhões, algo como 1,5% do PIB e ao redor de 6,4% dos
incentivos totais acumulados nos últimos seis anos. Trata-se, muito
provavelmente, da única região especial de exportação sustentada pelo dinheiro
público para não exportar. Na verdade, as indústrias instaladas no polo
industrial de Manaus são altamente dependentes de importações e operam como
verdadeiras maquiladoras, apenas montando e embalando peças, partes e demais
acessórios comprados lá fora, com um mínimo de agregação de valor local a sua
“produção”.
A
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e as
contribuições para a Previdência são as principais fontes dos incentivos
distribuídos generosamente pelo governo federal. Ainda de 2015 a 2020, o
governo deixou de recolher R$ 398,864 bilhões de Cofins e outros R$ 369,983
bilhões deixaram de entrar na Previdência, contribuindo para engrossar seu
déficit.
A
alta recente dos preços da gasolina no mercado futuro nos
Estados Unidos parece ter relação não apenas com a variação dos preços
internacionais do petróleo, refletindo também a interrupção no fornecimento
causada pelas tempestades de neve na região do Texas. Os preços do combustível
saltaram 28% entre o final de dezembro e ontem, chegando a US$ 1,80 por galão.
Os preços do petróleo nos EUA variaram 21,7% em igual intervalo, com alta de
21,3% para o óleo inglês.