Música ajuda tratamento de pacientes com Covid
Musicoterapia ajuda pacientes a terem esperanças e dão força aos profissionais de Saúde na linha de frente
João Paulo Alexandre
A necessidade de se isolar para não ser contaminado pela Covid-19 não é algo apenas para se prevenir da doença. Quando uma pessoa é infectada e necessita de cuidados hospitalares, ela acaba não tendo um acompanhante para lhe dar suporte. Atualmente, a doença é vista como um caminho para a morte, já que ninguém tem a certeza de como ela vai agir dentro do organismo.
O isolamento obrigatório leva as pessoas, por muitas vezes, a não acreditarem na cura. Porém, uma ação que ocorreu no último final de semana – em que foi comemorado a Páscoa – mostra que a música pode ser uma grande aliada para a melhora do estado clínico do paciente, assim como manter acesa a chama da esperança. A Orquestra Sinfônica Jovem de Goiás (OSJ) se apresentou em frente a quatro hospitais de Goiânia que estão tratando pacientes de Covid-19: Hospital das Clínicas, Hospital de Campanha (HCAMP), Samaritano e Hospital Urgências Governador Otávio Lage (Hugol).
A ação, realizada pelo Sesc-Goiás, tinha como objetivo levar entretenimento e boas vibrações para quem está trabalhando na linha de frente e para os que estão tratando no local. O maestro da OSJ, Eliel Ferreira, conta que o Quarteto de Cordas é formado por dois violinos, uma viola clássica e um violoncelo. Os músicos mantiveram o distanciamento social e fizeram o uso de máscaras durante toda a apresentação. “Esse formato foi pensado justamente porque permite o distanciamento e o uso de máscara, diferente de instrumentos de sopro ou do canto”, explica Eliel.
Os músicos apresentaram no repertório canções que tocam a alma e levam uma mensagem de ânimo, força e coragem, como Hallelujah, do filme Shrek, “Hill de World”, de Michael Jackson, Viva La Vida e “Imagine”, dos Beatles.
“A luta contra a Covid-19 também é nossa e essa é uma forma de levar conforto e encorajar todas as pessoas que precisam lidar cara a cara com essa doença. Além disso, a Páscoa é o momento em que celebramos a ressurreição, e independente da fé de cada um, todos estão buscando o ressurgir, o renascer, que é o significado dessa data”, reforça o presidente da Fecomércio, Sesc-Senac, Marcelo Baiocchi
“Sabemos que dentro dos hospitais as pessoas estão com medo, os profissionais estão cansados, até estafados. Essa ação nos toca profundamente porque sabemos que é um gesto singelo, mas que transmite uma mensagem positiva aos corações através da arte”, reforça o diretor do Sesc e Senac, Leopoldo Veiga Jardim.
Mas como sons e melodias são capazes de fazer isso? Daiane Morais Lourenço, musicoterapeuta e especialista em Saúde Mental, explica o que é e como funciona essa ciência.
“Nós utilizamos sons das vibrações com fins terapêuticos. Mas não é somente uma música já estruturada. Nós conseguimos bons resultados com vibrações por isso. Isso pode ser implementado na área hospitalar, reabilitação, socialização e da educação, por exemplo. O objetivo é levar uma reintegração ou reinserção de alguma parte que, por algum contexto, tenha sido prejudicada”, pontua.
Segundo ela, há etapas que devem ser cumpridas para um bom desenvolvimento da prática. “Inicialmente nós fazemos uma coleta de dados. A partir dessas informações, a gente cria uma identidade sonora para cada um. Pois cada ser é único. Assim, é possível fazer um planejamento terapêutico a partir dos questionamentos do paciente para chegar dentro do objetivo desejado”, ressalta.
Daiane afirma que há várias técnicas dentro da musicoterapia, como a audição, composição e recreação. Segundo ela, é muito importante respeitar a individualidade de cada paciente e se basear em um referencial teórico para se ter um excelente resultado.
Linha de frente
A musicoterapeuta reforça que a situação dos profissionais que estão lhe dando diretamente com a pandemia é preocupante e que essa prática serve como um acalento para quem cuida do outro. “Os trabalhadores da linha de frente estão completamente saturados e a gente esquece de cuidar do cuidador. Além de ajudar na recuperação do paciente, a gente leva conforto para aqueles que necessitam de algo paliativo para conseguir seguir em frente.”
Além disso, ela destaca como funciona a musicoterapia para os pacientes. “Para um paciente em estado terminal, por exemplo, essa ciência leva que ele tenha um final de expectativa de vida mais humanizada possível devido às adversidades que a sua saúde sofreu por causa da doença. A gente consegue levar alívio para a dor daqueles pacientes. A musicoterapia tem uma função analgésica já que o paciente tira o foco da dor e volta para o prazer.”
Ela complementa ao levar que o corpo é uma verdadeira sinfonia. “O corpo do ser humano tem muitas variações rítmicas que vai dos vasos sanguíneos, coração, respiração. Isso vem até desde o útero. E é claro que a música também leva em consideração os efeitos psicossomáticos que a doença vem provocando as pessoas”, destaca.
Porém, a profissional é clara ao dizer que a musicoterapia é um complemento dentro do processo de recuperação e que o auxílio de uma equipe multiprofissional – que leva médicos, enfermeiros, psicólogos e fonoaudiólogos – é fundamental para a reabilitação do paciente. Segundo ela, em todos os casos é possível retratar ganhos para quem é submetido pela modalidade.
Música gera estabilidade em quadros clínicos
A musicoterapia ainda consegue levar as pessoas a acessarem lugares de conforto. Isso porque a música desperta o sistema límbico, que é a capacidade de emergir a pessoa na sensação de prazer. A psicóloga Katiuscci Lopes explica como isso funciona.
“A música gera emoção e ativa várias estruturas cerebrais, que nos proporcionam relaxamento, como a liberação de dopamina, que é responsável pela sensação de prazer. Isso gera uma estabilidade em quadros clínicos, auxiliando a percepção de sentimentos e emoções e estimula a expressão individual desses pacientes. A música possibilita o contato com o inconsciente desses sujeitos, os mantendo, de alguma forma, presentes, vivos, esperançosos, conectados a eles mesmos.”
Segundo ela, a música consegue aproximar essas pessoas que já se sentem tão distantes dos seus familiares por causa da Covid-19. “Geralmente vem associada a alguma lembrança afetiva, memórias de afeto, momentos, experiências significativas que remetem à história individual de cada sujeito. Música também é sinônimo de reencontro, nos possibilita recriar experiências. Ela nos convoca, de alguma forma, à mudança, ao processo de elaboração, porque também nos desperta a esperança”, pontua.
A música como forma de terapia também traz mudanças significativas na vida do paciente. Segundo ela, isso é possível através de um movimento de expansão e crescimento emocional. “Todas as atividades que proporcionam acolhimento e bem estar, nos sentido de integrar e amenizar o sofrimento desses pacientes, são válidos. Ter uma equipe multiprofissional que olha para as demandas é sem dúvidas um diferencial. Vai desde a maneira como abordo esse paciente a projetos como da musicalização, a inclusão da família e atividades ocupacionais”, finaliza. (Especial para O Hoje)