A psicologia da violência policial
Confira o artigo de opinião, desta sexta-feira (04/06), por Manoel L. Bezerra Rocha
Ultimamente, não tem sido raro os episódios de violência policial contra pessoas indefesas, na maioria das vezes, pelo crônico e covarde sadismo e, como nos casos mais atuais, por “preferência política”. As duas coisas, porém, podem coexistir.
A denominação “preferência política” decorre da ausência de uma terminologia mais condizente com esse estado de coisas que, equivocadamente ou por bondade, convencionou-se denominar de “ideologia”, mas que, em verdade, nada tem de ideológico. É difícil acreditar que pessoas ignorantes possam ter ideologia. Ignorantes têm apenas ignorância. A existência de uma ideologia pressupõe um conjunto de ideias, de pensamentos, de visões de mundo, que constroem um pensamento político ou, no âmbito filosófico, uma dialética teórica acerca da existência humana e o seu posicionamento ante os mistérios do universo.
A partir dessas conceituações, fica claro que definir a ação truculenta da polícia como sendo uma motivação ideológica, seria o mesmo que supor que as coisas inanimadas têm consciência. Resta claro que suas condutas não são pautadas por quem raciocina politicamente, mas, ao contrário, são apenas seres toscos que agem por impulso ou pulsão, o que pode perfeitamente ser explicado pela sociologia e pela psicanálise.
O atual momento político é propício para a junção de fatores extremamente perigosos. Os aficionados pelos discursos autoritários de apologia à violência do presidente Jair Bolsonaro veem neles uma oportunidade para exteriorizarem seus instintos mais primitivos e suas pulsões sexuais reprimidas.
As polícias, notadamente as militares, além dessa identificação com a violência, vêm tornando-se insubordinadas, quebrando a disciplina e a hierarquia em relação às cadeias de comandos, realizam abordagens motivadas por preferência política, em um verdadeiro patrulhamento político. Essas abordagens e repressões violentas, geralmente, atendem a aos desígnios de grupos rebeldes, uma espécie de “milícia ideológica” desgarrada do comando e controle dos governadores e secretários de segurança, mas extremamente fiel aos sectarismos bolsonaristas.
Durante muito tempo, as pessoas politicamente ignorantes, para fugir de um assunto que não dominavam, diziam que “política não se discute”, quando deveria ser o contrário. As consequências dessa carência intelectual estamos vivenciando, com o vácuo político-institucional e a ausência de lideranças capazes de qualificar o debate sobre questões de altíssima relevância para o país. Nunca os idiotas se sentiram tão desavergonhados e esse despudor leva-os a tratarem as questões políticas e sociais da única forma que conhecem: o ataque violento, o xingamento, a intimidação, a força física. Não atacam apenas as opiniões divergentes, mas desprezam os fatos, os atuais e os históricos, inclusive negando a ciência. Nutrem um verdadeiro pavor e ódio à cultura e suas formas de manifestações.
Não é que estamos vivendo um tempo obscuro e tenebroso. A verdade é que estamos em uma época em que as pessoas de mentes obscuras e tenebrosas resolveram ter voz, perderam a modéstia e resolveram levantar-se dos submundos dantescos onde viviam intelectualmente aprisionadas. E fizeram isso ao mesmo tempo, tornando-se tantas. Tendo formado essa multidão de obtusos e culturalmente indigentes, é inevitável que episódios incivilizados ocorram, pois, com o agrupamento, todos os instintos primitivos são libertados, provocando em cada indivíduo a sensação de proteção e segurança, estimulando-os.
De acordo com o sociólogo e filósofo francês Gustave Le Bom, em sua obra “A psicologia das multidões”, as principais características do indivíduo que se encontra na massa são o desaparecimento da personalidade individual consciente e o aparecimento da personalidade inconsciente. Pelo fenômeno do contágio, sugestão ou imitação, é na multidão que os monstros são soltos.
Para o psicanalista Sigmund Freud, os indivíduos na massa são sempre encantados pela figura de um líder que exerce sobre eles fascínio que remete ao fenômeno psicológico do complexo de Édipo, geralmente provocado por pulsões de uma sexualidade reprimida. A opção pela violência das multidões seria, para Freud, um sinal de estado afetivo que desponta na libido pelo outro, ou podendo também ser a projeção do alter ego. Quando esse erotismo resvala na pessoa do mesmo sexo, o indivíduo, cuja homossexualidade é reprimida por fatores externos, como a consciência, reage com ações violentas.
De outra forma, mas também como um meio de satisfação do impulso libidinoso, o indivíduo pode praticar a violência como uma maneira de “agradar” ao seu objeto de desejo. Para isso, a repressão violenta contra quem se opõe àquele que o inconsciente deseja sexualmente, pode ser considerada tanto como uma repressão à própria sexualidade, quanto uma forma de manifestação de afeto e “fidelidade” erótica àquele a quem o tem como líder ou inspirador.