Atavismo criminógeno
Confira o artigo, deste final de semana (10 e 11/07), por Manoel Rocha
Por muito tempo os estudos do antropólogo e criminologista italiano Cesare Lombroso foram alvo de duras críticas, em especial aquelas advindas de sociólogos e juristas, por serem considerados discriminatórios, racistas e higienistas. Tanto a sua obra “O Homem Delinquente”, quanto a teoria do Evolucionismo de Charles Darwin, de fato, foram muito utilizadas na defesa de sectarismos políticos, sociais, jurídicos, étnicos.
O Evolucionismo inspirou o surgimento de ideias “justificadoras” do colonialismo, o domínio de uns povos por outros, considerados naturalmente superiores e civilizados como ocorreu, por exemplo, com a África, dominada e explorada por nações europeias principalmente no período pós-guerra. As duas teorias, entretanto, nunca oram cogitadas por seus idealizadores com esses propósitos. As suas utilidades com objetivos tergiversados nada têm a ver com as suas naturezas e os fins por elas pretendidos. Em relação à teoria de Lombroso, o tempo, ao que parece, incumbe-se de fazer-lhe justiça. Depois de quase dois séculos e o avanço da neurociência, cientistas comprovam que os estudos de Lombroso estão em consonância com os dias atuais. Também a neurociência – esta que em breve espaço de tempo suplantará de vez a psicologia, revelando a sua absoluta inutilidade – recentemente divulgou estudos que reforçam a tese de um atavismo criminógeno, o que em muito tem contribuído para com o estudo e compreensão sobre as origens da violência, a chamada epigenética.
A herança genética é a predisposição para adquirir características semelhantes à do organismo que o gerou. A variação biológica, necessária à evolução das espécies através da seleção natural, decorre da combinação entre códigos genéticos dos progenitores. Pesquisas recentes indicam que é possível a herança genética de lembranças e que fatores ambientais podem influenciar a biologia através de modificações “epigenéticas”, que alteram a expressão dos genes, mas são sua sequência de nucleotídeos. Assim, crianças concebidas em áreas de conflito tendem a herdar e transmitir genes responsáveis por sentimentos como medo ou outros traumas, sabendo-se que as modificações epigenéticas são importantes para processos como o desenvolvimento e a desativação de cópias de cromossomo X em mulheres.
Por outro lado, pesquisas também mostram que o DNA (ácido desoxirribonucleico) não tem a exclusividade de transmitir as características genéticas entre diferentes gerações. Características hereditárias também são transmitidas por proteínas celulares conhecidas como histonas. A epigenética são modificações do genoma que são herdadas pelas gerações futuras, mas que não alteram a sequência do DNA. Pesquisas indicam que hábitos da vida e o ambiente social em que uma pessoa está inserida podem modificar os seus genes. Partindo dessas comprovações científicas pode-se sugerir que nos dias atuais convivemos entre pessoas que carregam consigo características hereditárias comportamentais adquiridas de nossos antepassados mais remotos e que podem ter sido geradas por causas ambientais, como traumas extremos provocados por situação de conflitos bélicos ou opressões políticas.
No século VII, quando a civilização árabe começou a se expandir, encontrou um legado milenar de civilização e de cultura. Com isso, aproveitou para acrescentar a sua própria contribuição, fazendo avançar no campo das ciências, artes, filosofia, literatura e religião. Os califados eram ao mesmo tempo grandes administradores e construtores, além de protetores generosos das letras e artes. O Oriente Médio vinha sendo, assim, a fonte de civilizações brilhantes e sucessivas por mais de 40 séculos. Entretanto, por volta do século XII, os bárbaros iniciaram as suas invasões pela região. Estes, porém, pareciam civilizados se comparados com os assassinos frios que partiram do centro da Ásia, semeando a destruição por oito séculos nas terras iluminadas do Oriente Médio. Esses criminosos cruéis foram Genghis-Khan e seus tártaros, Tamerlão e seus mongóis, Osmam e seus turcomanos. Genghis Khan conquistou o império mais vasto da história, do Mar Negro ao Mar da China. Nenhuma fé, nenhum ideal o guiava; mas, tão somente, o desejo de destruir e matar. Nas cidades ocupadas, os prisioneiros eram jogados em caldeiras cheias de água fervente ou cortados aos pedaços ou serrados em dois ou enterrados vivos. Muitas dessas práticas são atualmente utilizadas pelos integrantes do Estado Islâmico, como as decapitações e o enterramento de mulheres e crianças curdas, após serem estupradas. O sadismo de Genghis-Khan foi superado pela crueldade de Tamerlão. No cerco de Sivas, fez esmagar sob os cavalos mil crianças que os cercados enviaram para tentarem sensibilizá-los. Atualmente, o Estado Islâmico massacra as crianças cristãs, inclusive, conforme imagens divulgadas, muitos deles se divertem chutando recém-nascidos como se fossem um jogo de futebol. Os loucos sanguinários de Tamerlão foram sucedidos pelos turcomanos. Eram ferozes até mesmo entre os integrantes da própria família. Salim I fez massacrar, por receio de rivalidade, dois irmãos e vários primos. Salim II fez executar dois filhos. Amurat III mandou assassinar cinco irmãos. A crueldade dos turcomanos sobrevive até os dias de hoje, como se constata nas agressões contra os povos curdos. A partir dessas incursões e destruições o Oriente Médio nunca mais se restabeleceu, tendo seguido em novas invasões de colonizadores europeus, a partir da Primeira Guerra Mundial, até os dias atuais. É sempre salutar acreditar na possibilidade de um mundo melhor, por intermédio da melhoria do ser humano com o seu potencial criador e transformador. Todavia, é preciso superar as barreiras que nos impelem a retrocedermos aos nossos mais remotos e iniciais estágios de vida. Talvez, em um breve futuro, a ciência seja capaz de corrigir esse gene da maldade que insiste em nos acompanhar, através de sucessivas gerações, e que faz dos seres humanos criaturas tão desumanas.