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segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Corte de Verbas

Em 12 anos, Brasil tem menor investimento em ciências este ano

Corte no investimento cria problemas pontuais e efeitos a longo prazo

Postado em 24 de agosto de 2021 por Maria Paula Borges
Em 12 anos
Corte no investimento cria problemas pontuais e efeitos a longo prazo | Foto: Reprodução

Ano passado o governo federal investiu em ciência e tecnologia menos recursos que aplicava no setor em 2009. Em 2020, o patamar foi de R$ 17,2 bilhões, R$ 19 bilhões há doze anos, em valores corrigidos pela inflação do período. O levantamento foi feito pela economista Fernanda de Negri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e foi obtido pelo Estadão.

O corte de verbas cria problemas pontuais, como a pane da plataforma Lattes, banco de dados com informações de todos os pesquisadores brasileiros, que ficou fora do ar duas semanas apenas em agosto. Cria também efeitos no longo prazo, como perda de competitividade da economia. Desde o início de 2020, a importância da ciência também aumentou com a demanda criada pela pandemia, que envolve estudos sobre testes, remédios e vacinas contra o coronavírus, entre outras iniciativas.

No governo atual, do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a falta de dinheiro foi gravada por conta da retenção de parte do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Apesar de o bloqueio ter sido proibido pelo Congresso, cerca de R$ 2,7 bilhões continuam travados.

De acordo com o estudo de Fernanda de Negri, o investimento em ciência e tecnologia no governo federal atingiu o pico no ano de 2013, em que o gasto havia sido de R$ 27,3 bilhões. Deste ano até 2020, os gastos do governo na área recuaram em 37%, descontada a inflação. “Depois de mais de uma década de um ciclo relativamente consistente de ampliação, os investimentos em C&T (…) (chegaram) em 2020 a um nível inferior ao observado em 2009”, diz um trecho.

Os gastos estão distribuídos por pastas e órgãos públicos. Desde o Ministério da Defesa até o da Economia, onde estão alocadas instituições como o Ipea e o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), porém nem todos os órgãos foram atingidos da mesma forma. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) foi uma das pastas que concentrou os cortes.

Além disso, a pasta comandada pelo astronauta Marcos Pontes, é responsável pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Este órgão é responsável pelo Lattes e pagar auxílios a pesquisadores, além do Fundo de Ciência. A Capes é vinculada ao Ministério da Educação (MEC).

“Praticamente toda a pesquisa brasileira realizada em empresas, universidades ou instituições de pesquisa é financiada com os recursos desses três fundos (CNPq, Capes e FNDCT). Mesmo as instituições de pesquisa vinculadas ao MCTI, ou a Fiocruz e a Embrapa, acabam necessitando de recursos adicionais de pesquisa e recorrendo aos editais do FNDCT, bem como a bolsas de pesquisa e formação do CNPq e da CAPES”, diz o texto.

As três instituições juntas responderam por 40% de toda a verba para ciência da União, sendo hoje a fatia de 28%. As instituições dispõem do mesmo valor que controlavam no início dos anos 2000, momento em que a quantidade de pesquisadores no Brasil era menor que atualmente, segundo o levantamento.

“O gasto só não caiu mais porque temos essas duas instituições, a Embrapa e a Fiocruz, cujo investimento não caiu tanto. Só que essas duas tratam das pesquisas realizadas por elas próprias. Não dizem respeito à pesquisa dentro das universidades, nas empresas etc. Se você pegar só os fundos cuja finalidade principal é financiar a pesquisa — FNDCT, Capes e CNPq — o recurso deles caiu para níveis do início dos anos 2000”, informou Fernanda ao Estadão.

A pesquisadora ainda observou que isso tem impacto forte. “Obviamente isso tem um impacto muito forte do ponto de vista da formação de cientistas, que você para de formar; e vai ter um impacto grande na nossa capacidade de produção de conhecimento no futuro”.

Ao sancionar o Orçamento de 2021, Bolsonaro desrespeitou uma lei complementar aprovada semanas antes pelo Congresso, além de bloquear R$ 5 bilhões do FNDCT. A lei proibia o bloqueio de recursos do fundo e foi aprovada após intensa pressão da comunidade científica.

A verba está sendo liberada aos poucos, e esse fato tem preocupado os cientistas uma vez que pode inviabilizar o uso do dinheiro. Cerca de metade do valor foi colocado à disposição para projetos de pesquisa de empresas privadas, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa ligada ao MCTI. A taxa de juros praticada pela Finep é mais alta que a de outras linhas de crédito similares, portanto o mais provável é que o dinheiro não seja usado.

O governo sinaliza que liberará os R$ 2,7 bilhões restantes em breve. Metade deve ir para projetos não reembolsáveis e a outra metade é para organizações sociais (OSs) ligadas ao MCTI. A fatia destinada às OSs iria para entidades como a Empresa Brasileira de pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (Cnpem), responsável pelo acelerador de partículas Sirius em Campinas, entre outras.

“Não só porque cresceu a população do País, mas porque cresceu a população de estudantes universitários, que passou de cerca de 3 milhões para 8 milhões. Então emos muito mais necessidades e muito mais produção hoje”, disse o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro.

Segundo Ribeiro, a falta de investimento em pesquisa intensifica a “fuga de cérebros”. “Historicamente temos muita pouca ‘fuga de cérebros’, se comparado com a Argentina (…) e com a Índia, nosso parceiro dos Brics (grupo de países emergentes). No Brasil, sempre teve o seguinte: se você consegue emprego numa universidade que pague sua pesquisa, você aguenta as piores dificuldades, mas não vai embora. E agora, as pessoas não estão sequer conseguindo emprego. Por isso estão partindo”, afirma.

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