Ex-paciente que sobreviveu à política da Prevent Senior emociona senadores na CPI da Covid
“Seria ministrada em mim uma bomba de morfina e todos os meus equipamentos de sobrevivência na UTI seriam desligados. Inclusive, se eu tivesse alguma parada cardíaca, teria recomendação para não haver reanimação”, relatou Tadeu
Na sessão desta quinta-feira (07/10) da CPI da Covid, senadores se emocionaram com o relato de um brasileiro que sobreviveu ao uso do “kit Covid” da Prevent Senior e chegou a ser desenganado por médicos da operadora de plano de saúde.
Além do paciente, Tadeu Frederico Andrade, também foi ouvido o médico Walter Correa de Souza Neto, que trabalhou na empresa por oito anos. Ele é um dos autores das denúncias de que a Prevent pressionava os médicos a prescreverem remédios do chamado “kit Covid”, comprovadamente ineficazes no combate à doença, como parte de um estudo sem o consentimento dos pacientes, e ocultava mortes de pacientes por Covid. A operadora nega as acusações.
O paciente Tadeu Andrade relatou que, ao apresentar os primeiros sintomas de Covid, em dezembro do ano passado, fez uma teleconsulta com um médico da Prevent e, mesmo sem o exame para comprovar o contágio pelo vírus, recebeu em casa o “kit Covid”. Os remédios não ajudaram e Tadeu teve de ser internado às pressas na UTI.
“Esse período de UTI durou praticamente, mais ou menos, uns 30 dias, quando uma das minhas filhas recebe um telefonema comunicando que eu passaria a ter os cuidados paliativos. Seria ministrada em mim uma bomba de morfina e todos os meus equipamentos de sobrevivência na UTI seriam desligados. Inclusive, se eu tivesse alguma parada cardíaca, teria recomendação para não haver reanimação”, relatou.
A família não desistiu de lutar contra a orientação da Prevent e pela vida de Tadeu. Ainda assim, a médica insistiu. Prescreveu o cuidado paliativo, adotado apenas quando não há nenhuma chance de cura pela medicina.
“Minha filha não concordou, por telefone. Isso se deu por volta do meio-dia, esse telefonema. Acontece que, às 14h54, essa mesma doutora, Daniella, insere, no meu prontuário, o início dos tratamentos paliativos, dos cuidados paliativos, sem autorização da família. E, ao final, ela diz o seguinte nesse prontuário – que está nas mãos da CPI já, inclusive está nas mãos ao Ministério Público também, o de São Paulo. Ela escreve: ‘Em contato com a filha Mayra, a mesma entendeu e concorda’. Isso é mentira, minha família não concordou”, afirmou Tadeu.
Segundo ele, três médicos da Prevent ainda apresentaram um prontuário falso para convencer a família, mas os parentes ameaçaram entrar na Justiça e contrataram um médico particular para fiscalizar o atendimento.
“A minha família não confiava mais na estrutura e esse médico foi um verdadeiro fiscal dos procedimentos. Acho que eu estou vivo também por causa dele”, disse.
Emocionados, senadores da CPI acusaram a Prevent Senior de colocar os pacientes em cuidados paliativos para diminuir custos. “Não dá para não se emocionar com alguém que se recuperou do corredor da morte, sinceramente”, declarou Otto Alencar (PSD/BA).
“Eles praticaram o paliativismo, não foi cuidado paliativo; o paliativismo, que é uma forma de militância e de atuação como regra institucional para eliminar doentes que poderiam ficar mais tempo internados e gerar um maior custo”, disse Rogério Carvalho (PT/SE).
O ex-médico da Prevent Senior, Walter Correa, disse que Tadeu não é um caso isolado.
“Quando você estava internando um paciente, você já era pressionado por aquele médico, que era o guardião, o chefe do plantão: ‘E aí? Você já paliou esse paciente?’ ‘Não, mas eu acho que ele é…’, ‘Não, eu não acho que ele é viável, você não vai pedir UTI, é enfermaria porque nós já vamos paliar. Conversa com a família, conversa com a família e já coloca ele no paliativo’. O que importa é mais a gestão de recursos, e não o paciente, onde a cultura da empresa tem uma leniência muito grande com esse tipo de coisa. Se você paliar, ‘ah, você paliou, já estava na hora, já era idoso’”, contou Walter Correa.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, da Rede, elogiou a coragem de Walter e Tadeu. “Defender a vida não pode ter dois lados. Defender valores fundamentais consagrados na Constituição, como da saúde pública, não existem dois lados em relação a isso”, afirmou.
Os senadores aliados do governo pouco participaram do depoimento e, quando falaram, procuraram desqualificar as denúncias do médico, gerando a revolta dos senadores de oposição e das advogadas que acompanhavam os depoentes.
A sessão seguiu com muitas manifestações de apoio ao comportamento das testemunhas.
“A medicina é um lugar para ser exercido por pessoas que têm amor à vida. E a gente não tem visto isso nessa Prevent Senior. Então, senhor Tadeu, que Deus lhe dê muitos anos de vida e que o senhor, quando chegar em casa, abrace as suas filhas e dê todo o amor do mundo que o senhor puder a elas, porque foi o amor delas que salvou a vida do senhor. Porque se deixasse nas mãos destes que compõem essa mentalidade de governo Bolsonaro, o senhor estaria morto. Assim como morreram centenas de milhares de brasileiros por causa dessa visão que este segmento que se diz não corrupto, que se diz tudo, mas que não tem dignidade e não tem respeito nem amor pela vida e não está nessa atividade pública para defender o bem maior de uma nação, de um povo, que é a vida dos seus cidadãos”, disse Rogério Carvalho.
Nota da Prevent
Em nota, a Prevent Senior negou que tenha iniciado tratamento paliativo sem autorização da família de Tadeu Andrade. A empresa disse que, diante da piora do paciente, uma médica sugeriu a adoção dos cuidados paliativos, mas que o tratamento não foi iniciado porque não houve concordância de uma das filhas de Tadeu, e que ele recebeu e ainda recebe todo suporte necessário para superar a Covid e as sequelas.
Sobre a denúncia do médico Walter Correa Neto, a Prevent Senior disse que ele não apresentou fatos à CPI, mas narrativas mentirosas. Repetiu que nega e repudia as denúncias, que classificou como infundadas, com base em mensagens editadas ou tiradas de contexto. Disse ainda que contesta veementemente a acusação de que os médicos da empresa optem pelo cuidado paliativo para matar pacientes e economizar recursos.
A Prevent acusou Walter Correa de fazer parte de um grupo que tentou firmar acordos milionários para que as denúncias não fossem levadas à CPI.
Sobre as declarações dos senadores, a Prevent disse que discorda e que vai colaborar para que órgãos técnicos investiguem as acusações e a verdade seja reestabelecida.
Nesta quinta-feira, o diretor-executivo da empresa, Pedro Benedito Batista Júnior, prestou depoimento à Polícia Civil de São Paulo no inquérito sobre supostas ameaças da Prevent ao médico Walter Correa. Na saída, ele falou com o repórter Wallace Lara e negou a acusação.
Repórter: Qual foi a linha de defesa do senhor?
Pedro Benedito: Não tem defesa. A defesa é expor toda a gravação e aí todos podem ter acesso, principalmente a Justiça, para que tudo fique claro e esse desconforto causado na minha vida e na vida de todos os pacientes o que está acontecendo com a Prevent Senior por um o cidadão igual ao que está fazendo a alegação seja posta a limpo.
Repórter: O senhor nega que o tenha ameaçado?
Pedro Benedito: Ah, claro. O áudio é nítido. O áudio não tem qualquer ameaça
Nova decisão
A CPI decidiu convocar novamente o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Senadores consideraram que o governo suspendeu a análise de um relatório técnico que condena os medicamentos do tal kit.
A Conitec, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, órgão consultivo do Ministério da Saúde, tinha prevista a votação de um documento com diretrizes para tratamento de pacientes com Covid, uma espécie de protocolo para ser seguido em todo o país. O documento recomenda: não utilizar azitromicina, hidroxicloroquina/cloroquina e ivermectina em pacientes com suspeita ou diagnóstico de Covid em tratamento ambulatorial.
O relatório destaca ainda que, em um cenário de epidemia, o destino dos recursos deve priorizar intervenções com maior certeza de benefício, como equipamentos de proteção individual, vacinas, intervenções para o suporte ventilatório dos pacientes e terapias medicamentosas com efetividade comprovada.
No entanto, o Ministério da Saúde informou, em nota, que o coordenador do grupo de especialistas solicitou que o relatório fosse retirado de pauta pela publicação de novas evidências científicas dos medicamentos em análise.
O argumento não convenceu senadores da CPI. O vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues, da Rede, afirmou que o adiamento foi uma decisão do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a mando do presidente Jair Bolsonaro. Diante disso, a comissão decidiu convocar Queiroga novamente. O depoimento foi marcado para o dia 18, véspera da leitura do relatório final do senador Renan Calheiros, do MDB.
“O senhor presidente da República se irrita com o ministro Marcelo Queiroga e determina, lá do Palácio do Planalto, a retirada, na pauta da Conitec, desse tema, inclusive subvertendo a equipe técnica, designada pelo próprio ministro Marcelo Queiroga. Nós não podemos terminar esta CPI sem a Conitec dar uma posição clara sobre a ineficácia de cloroquina”, disse.
O relator Renan Calheiros ressaltou que as evidências são muito fortes.
“Nessa reta final, nos deparamos com esses experimentos macabros e de triste memória nazista com seres humanos, que foram transformados em cobaias, expostos a tratamentos paliativos. No que depender deste relator e desta Comissão Parlamentar de Inquérito, eles pagarão muito caro por seus crimes. Eles e todos os agentes públicos que contribuíram por ação, omissão, desídia e incompetência”, afirmou.