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segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Coluna

Charles Baudelaire poesia para beber vinho

Ele foi um dos autores do seu tempo que mais versos compôs sobre o vinho, malgrado diga-se que ele bebia pouco

Postado em 18 de novembro de 2021 por Redação
Charles Baudelaire poesia para beber vinho
Ele foi um dos autores do seu tempo que mais versos compôs sobre o vinho

Por Edna Gomes

Eu começo meu artigo com a primeira e a última estrofes do poema do escritor francês Charles Baudelaire, ‘A Alma do Vinho’, célebre por sua obra máxima, ‘As Flores do Mal’. “Uma noite a alma do vinho nas garrafas cantava: Homem, em sua direção vou, cara fatalidade, nessa prisão de vidro e lacre em que estava, um canto pleno de luz e de fraternidade! Deves andar sempre embriagado”.

Ele foi um dos autores do seu tempo que mais versos compôs sobre o vinho, malgrado diga-se que ele bebia pouco. No entanto, em A Alma do Vinho, Baudelaire dá voz à bebida, que canta sua razão de ser, suas provações, seus prazeres. No poema, é o vinho que sente alegria imensa ao descer pela boca de um homem exausto de tanto trabalhar e é desse encontro, desse amor entre o homem e o vinho, que nasce a poesia. Para Baudelaire o vinho tinha outro alcance de sentidos e significados: a embriaguez mundana, a melancolia da vida moderna, e a indignidade de bêbado, “dormir como um cão”. O vinho para Baudelaire era ao mesmo tempo veneno e antídoto. Tudo consiste nisso: eis a única questão. 

Para não sentires o fardo horrível do Tempo, que vos quebra as espáduas, vergando-vos para o chão, é preciso que vos embriagueis sem descanso.

Mas, com quê? Com vinho, poesia, virtude. Como quiserdes. Mas, embriagai-vos. A embriaguez em Baudelaire é uma tomada de posição diante do mundo: como se lê um poema, bebe-se para aplacar uma sede da alma.  Creio que o poeta pensava: se o vinho desaparecesse da produção humana, creio que ele faria um vazio à saúde e ao intelecto do planeta, uma ausência, uma imperfeição muito mais horrível que todos os excessos e desvios com que responsabilizam o vinho.

Ler o livro de Charles Baudelaire me faz refletir sobre como sentimos a vida. O maior erro que você pode cometer é o de ficar o tempo todo com medo de se embriagar. Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

Charles com sua inquietude diante da vida escreve: “E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, na verde relva de uma vala, na solidão morna de vosso quarto, despertardes com a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são. E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio vos responderão: É a hora de vos embriagardes! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos! Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quieres!” 

Ao dar voz à alma do vinho já engarrafado, o poema percorre o itinerário do vinho entre produzi-lo e bebê-lo. No olhar a esperança e no sorriso a vontade de viver – este é o reflexo daquilo que sou. Viver é evoluir, é aprender a lidar com o sofrimento e reconhecer a felicidade no que parece insignificante, mas não é, brindar o renascimento com uma bebida de baco, faz você procurar palavras de gratidão, só para agradecer, meu Deus, por mais um dia de vida. Bem, amigos, vou ficando por aqui. Daqui a pouco vou liberar um vinho de sua prisão de vidro e lacre e convido vocês a fazerem o mesmo.

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