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sábado, 23 de novembro de 2024
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Política e religião

Lei coloca religiosidade como política pública no tratamento de dependentes químicos

Especialistas reforçam que medida abre portas para financiamento de centros religiosos

Postado em 27 de junho de 2022 por Thauany Melo

O governador Ronaldo Caiado sancionou uma lei que torna a religiosidade uma política pública no tratamento de dependentes químicos em Goiás. Conforme o texto, o assistido deverá ser consultado sobre qual religião ele se identifica e, então, será contatada uma das entidades religiosas cadastradas para que promova o acompanhamento religioso.

O texto estabelece que “os órgãos e entidades responsáveis pelo atendimento aos dependentes químicos deverão cadastrar as entidades religiosas interessadas em prestar o atendimento religioso”.

A proposta foi de autoria do deputado estadual e cristão Henrique César (PSC). O parlamentar alegou que “a frequência constante a uma igreja, templo ou a prática dos conceitos propostos por uma religião e a importância dada à religião e à educação religiosa na infância são possíveis fatores protetores do consumo de drogas”. Na justificativa, ele citou “estudiosos” para corroborar com a narrativa, sem, no entanto, especificar quais são os estudos.

Psicóloga e professora do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Larissa Arbués ressaltou que ficou impactada ao ver que a lei foi sancionada. De acordo com a especialista, é necessário atentar-se para o fato de que a medida abre portas para financiamento de centros religiosos, além de incentivar o uso deles nas instituições públicas.

“O problema não é a afirmação que a religiosidade ou espiritualidade sejam elementos que contribuem na reabilitação de pessoas que fazem uso de drogas ou tenham qualquer outra demanda de saúde mental. É uma dimensão que quando faz sentido para a pessoa pode sim ajudar. A questão é que ao se tornar uma política pública abre-se portas para financiamento de unidades de caráter religioso (o que na verdade já existe) e estímulo ao seu uso dentro de instituições públicas, que devem manter seu caráter laico”, explicou Arbués.

A especialista pontuou que a maioria das religiões atribuem princípios morais à dependência química, o que não é efetivo no tratamento. “A visão da maioria das religiões e do suposto tratamento religioso que existem hoje atribuem um caráter moral ao uso e ao usuário. Portanto, do tratamento. E isso sim sabemos que não funciona. O uso abusivo, ou disfuncional, de drogas é um fenômeno complexo e multideterminado, seja individual ou como questão social. A perspectiva moral é reducionista e geralmente tem uma abordagem culpabilizante do usuário”, afirmou.

Coordenadora do Centros de Atenção Psicossocial (Caps) Noroeste, que atende usuários de álcool e outras drogas, Sueli Neves reforçou que a religião pode colaborar no tratamento da dependência química, porém, é uma doença e como tal deve ser tratada em uma unidade de saúde. Além disso, ela chamou atenção para a necessidade de investimentos na rede de atenção psicossocial.

“O aspecto religioso pode contribuir no tratamento da dependência de álcool e outras drogas. No entanto, não como política pública. Primeiro por compreender que a dependência é uma doença. E por ser doença, trata-se em uma unidade de saúde”, disse. “Não enxergo a religiosidade como política pública no tratamento de dependência ao álcool e outras drogas. Pelo contrário, o que vejo como efetivo em saúde mental é o trabalho desenvolvido pela Rede de Saúde Mental de cada município. O que precisamos é investimento público nos Caps, Pronto Socorro, Gerartes, Residências Terapêuticas, Ambulatórios de Psiquiatria, Unidades de Acolhimento, dentre outros”, completou.

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