Goiás será representado pela Companhia Anthropos no Festival de Avignon
Espetáculo ‘Lições de Motim’, desembarcaram na França para uma temporada no Festival de Avignon
Há quase 30 anos vivenciando os palcos teatrais ao redor do Brasil, a companhia goiana de teatro Anthropos deu mais um passo rumo ao sonho coletivo de ver Goiás em destaque nos melhores festivais do mundo. Com o espetáculo ‘Lições de Motim’, eles desembarcaram na França para uma temporada no Festival de Avignon, evento referência quando se fala de teatro. As apresentações seguem até o dia 30 de julho e em declaração ao Essência, o diretor Constantino Isidoro diz que essa experiência única com certeza os transformarão profissional e pessoalmente.
O sonho que se concretiza neste mês teve início ainda em 2010, quando o espetáculo ‘Lições de Motim’ foi idealizado em parceria com Hugo Zorzetti. Segundo o diretor Constantino Isidoro o texto e a montagem, apesar de trazer questões universais, embarca no intuito de valorizar as práticas indenitárias do nosso Estado. Tudo a partir das perspectivas do texto de um autor goiano, elenco e diretor também goianos. “O espetáculo traz na sua composição aspectos relativos ao nosso modo de encarar a vida e nossas regionalidades. Como nós da região centro-oeste enxergamos a vida”, diz.
‘Lições de Motim’ é a radiografia da revolta que se abriga no cidadão que já não acredita em justiça. Numa residência modesta de uma pensionista, o destino arma um ardil para um visitante odioso: um ladrão costumeiro, velho conhecido da pobre viúva. Uma presença sem cara, mas materializada nas perdas quase que diárias dos poucos e modestos bens que, como mágica, pulam o seu muro. Agora, ali, preso em uma janela, indefeso, humilhado, o marginal, antes sem cara, sofre com os estratagemas inteligentes e impiedosos da sua vítima. No limiar entre drama e comédia, o final pode ser bem diferente do imaginado ou esperado.
Apoiado em um realismo, ‘Lições de Motim’ traz também pitadas de surrealismo, sendo percebido no próprio diálogo entre os personagens interpretados pelos atores Arilton Lopes e Renata Caetano. Combinação que tem conquistado os corações franceses, já que Arilton diz, diretamente de Avignon, que a primeira semana de apresentações foi bastante satisfatória. “Estamos todos contentes com a história linda que a Anthropos tem feito representando o Estado de Goiás aqui na Europa. A plateia curtiu demais nosso espetáculo, a receptividade nos deixou felizes com o resultado do trabalho desenvolvido”.
Parte de um momento único e marcante da história do teatro goiano, a Cia. Anthropos reforça a capacidade dos nossos artistas de estarem em um dos melhores festivais de teatro do mundo. A internacionalização do mercado já era um objetivo do grupo, e com a oportunidade de apresentar a estética brasileira e goiana por meio do teatro, tornou o sonho palpável para eles e para as demais companhias do centro-oeste. “O festival dita algumas tendências da cena teatral contemporânea. Então para nós é importante fazermos parte disso para intercambiarmos e aprendermos com os diversos estilos de espetáculos”, conta o diretor.
Para Constantino, a dinâmica que enfrentam no festival traz para eles novas perspectivas e agrega conhecimentos. “Assistir outros modos de se fazer teatro, outras experiências, agrega na nossa capacidade de realização, de transpor pensamento e ideias em espetáculo cênico”. Para além do teatro, ele garante que esse intercâmbio cultural profundo irá repercutir em suas almas. A vivência que estão experimentando na França passa por muitas camadas e com certeza deixaram marcas positivas. Segundo o grupo, já tiveram contato com outros artistas, inclusive brasileiros. Mergulhados na oportunidade, eles estão dedicados.
Após sucessivos adiamentos do festival, que contribuiu com as angústias dos envolvidos, e em meio as incertezas pandêmicas, eles chegam ao festival dedicados a absorver o que o evento tem a oferecer. “Chegamos com uns dias de antecedência para nos ambientarmos, sentir o clima. Tem sido aprazível a chegada, o contato com os franceses, com o festival. Percebe-se que de fato a cidade respira teatro neste período”, enfatiza Constantino. Fazendo parte do processo, o diretor conta ainda que se inseriram nas tradições locais. Eles caminham pelos estabelecimentos da cidade para panfletar, divulgar e convidar para sua produção.
Depois de mais de dez anos em cartaz e rodando o Brasil, a escolha da companhia para representar o Brasil e Goiás, por meio de edital público, coroa o sucesso que é o espetáculo ‘Lições de Motim’. Ultrapassando a barreira da língua, é crível que há uma interpretação, uma ação cênica, vocal, corporal das imagens potentes que são construídas na produção. Elas são capazes de fazer com que o espectador europeu se identifique de alguma maneira. “Estar aqui é um desafio para nós, e nós recebemos com muita expectativa de como seríamos recebidos”, revela Constantino. Expectativas estas que foram sanadas da melhor forma.
Finalizando a entrevista, os integrantes reforçam a importância de estarem no Festival de Avignon e a oportunidade de representar Goiás mundialmente. Eles estão entre os melhores e se mostram preparados para essa nova etapa, já que lá farão 26 apresentações em um mês. Condição inédita para a companhia, que o máximo que fizeram foi 12 datas consecutivas em Goiânia. “Com certeza esse cotidiano dará outra dinâmica para o espetáculo, um aperfeiçoamento na lida que se dá entre os atores. É uma oportunidade muito grande de ficar 30 dias vivendo de teatro, é o sonho de qualquer artista”.
Desde 1947 Avignon se transforma, no mês de julho, em um verdadeiro teatro a céu aberto com apresentações em todos os cantos da cidade. O festival, criado por Jean Vilar, reúne mais de 1500 apresentações e tem em sua programação espetáculos, exposições, filmes e debates de todo o mundo. Imersos nesta experiência, eles sairão do festival direto para o retorno de ‘Lições de Motim’ nos palcos nacionais e certos de que portas se abrirão para eles. Apesar de ainda não viverem exclusivamente do teatro, este momento tem tudo para ser o divisor de águas que a companhia aguardava.