Goiás tem mais de 18 mil pacientes no tratamento da infecção pelo HIV
“Não basta apenas cuidar de quem já é soropositivo, temos que cuidar da comunidade”. (Tamara)
Fazer amigos, brincar e namorar. São ações simples para a maioria das pessoas, mas podem ser um desafio para quem é portador do vírus HIV que ainda sofre preconceito. É o caso de Maria Rodrigues (nome fictício), de 31 anos, que possui o vírus desde que nasceu devido a uma transmissão vertical, ou seja, ela herdou dos pais. Ela conta que o tratamento para o vírus é realizado desde o seu nascimento e deve durar a vida toda para não evoluir para Aids. Maria sentiu na pele o preconceito por ter o vírus.
“Quando criança, visto que eu morava no interior, a cidade inteira descobriu que a minha família tinha o vírus. Então quando criança na vizinhança e na escola sofri muito preconceito de pais que não queriam que eu estudasse na mesma escola que os filhos e parentes não me deixavam brincar com os meus primos. Então desde criança até a adolescência foram diversos preconceitos”.
Já se passaram vários anos desde que isso aconteceu, Maria saiu do interior e veio para a Capital em busca de uma vida melhor, mas para ela o preconceito em torno do HIV e Aids ainda é uma realidade na sociedade atual.
“Eu que sou manicure, se eu disser para as minhas clientes que eu tenho o vírus, vou perder a minha clientela. Eu uso EPI [equipamento de proteção individual] , uso da maneira correta material cortante mas se descobrirem que eu tenho o vírus eu perco clientes. Hoje em dia meu tratamento está bem avançado. Se a pessoa faz certinho, se torna indetectável, zero transmissível. Eu estou indetectável há 20 anos. Hoje de acordo com o Ministério da Saúde eu não transmito mais para ninguém”, conta aliviada.
Ela relata que antigamente, ela tinha que tomar cerca de 12 comprimidos diariamente como forma de tratamento, agora toma apenas dois. Algo que ajudou Maria a levar uma vida comum foi a Associação Grupo Aids Apoio Vida Esperança (Grupo AAVE) que, segundo ela, ajudou a ter objetivos na vida.
Aos 14 anos, Maria saiu de onde morava para se estabelecer em Goiânia, nessa época que ela conheceu o Grupo AAVE.
“Viemos com a mentalidade de interior de que eu não poderia namorar ou casar . Na verdade a perspectiva de vida naquela época era pouca, a gente vivia um ano de cada vez. Então não tinha perspectiva de fazer uma faculdade nem de tirar uma carteira de habilitação. O grupo me ajudou a ver que eu poderia ter uma vida normal e isso me ajudou a crescer de maneira pessoal”.
Organização não governamental
O Grupo AAVE existe há 27 anos e prega que um dos piores sintomas da Aids é o preconceito. Fundado no final dos anos 1995 por Margaret Hosty e Divina de Fatima Nogueira Dias, o grupo é uma organização não governamental, apoiada pela Arquidiocese de Goiânia e pela Pastoral Nacional DST/AIDS da CNBB.
Margaret Hosty é freira e teve a iniciativa de criar o AAVE a partir da morte de um amigo dela. Ele descobriu a Aids, recebeu a ajuda de Margareth, mas como já estava em estágio avançado acabou falecendo pouco tempo depois. Isso fez com que Margareth se sentisse tocada, visto que o pouco tempo que ele esteve com a doença sofreu um preconceito muito forte.
O AAVE, se pronuncia “Ave” para simbolizar Apoio, Vida e Esperança para todos os homens e mulheres portadores do vírus HIV e Aids atendidos pela instituição. No início o grupo realizava visitas domiciliares e hospitalares até que devido a alta procura a instituição viu a necessidade de ter um endereço físico.
Mais de 200 famílias são atendidas pela ONG, a membra do grupo da diretoria AAVE, Tâmara Fabíola Gonçalves, salienta que a assistência prestada pela organização é para toda a família porque todos são vítimas de preconceito.
“Além do trabalho com as pessoas soropositivas, o grupo AAVE também participa de espaços de controle social como os conselhos de saúde para defender os direitos da pessoa soropositiva. E além disso, tem também o trabalho de prevenção porque entendemos que para acabar com a epidemia da Aids não basta apenas cuidar de quem já é soropositivo, temos que cuidar da comunidade”. Todas as atividades são realizadas gratuitamente e para conseguirem se manter vivem de doações das pessoas da sociedade civil.
Tâmara Gonçalves ressalta que o vírus ainda é presente na sociedade e que mata, por isso é importante a prevenção e não tratar com descriminação quem tem, pois é uma doença como qualquer outra.
Dados
No Brasil, ao menos cinco pessoas foram infectadas pelo vírus HIV a cada hora em 2021. A estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) registrou, no último ano, 50 mil novos casos. O país chegou a marca de 960 mil pessoas vivendo com a doença. No mundo, são 38 milhões de pessoas com o vírus. Em 2021, foram 650 mil mortos em decorrência da Aids no planeta, 13 mil deles no Brasil.
Em Goiás, segundo da Coordenação de Assistência às IST/Aids e Hepatites Virais, retirados do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos Gerencial (azt.aids.gov.br) no dia 29/11/22, foram identificados 18.718 pacientes em uso de Terapia Antirretroviral (TARV). A Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) informou ainda que este número varia conforme a data de verificação, uma vez que pacientes são inseridos para início do tratamento conforme a descoberta do diagnóstico.
Em Goiânia, só em 2021, foram notificados 493 casos de infecção por HIV, sem alteração significativa em relação à taxa de detecção de 2020, quando foram notificados 492. Os dados são fechados ao final de cada ano.
Diagnóstico
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, assim que o paciente recebe o diagnóstico, através teste rápido e o teste confirmatório, ele é regulado para a infectologia por meio do Serviço de Atendimento Especializado (SAE). Na consulta com o especialista são solicitados exames de acompanhamento e complementação.
Após o atendimento o paciente já recebe a prescrição do Tratamento Antirretroviral (TARV) que é o coquetel de medicamentos e, em 30 dias, passa por uma nova consulta para avaliar a carga viral e a prescrição medicamentosa que vai ser disponibilizada, se ocorrerá mensalmente ou com 60 dias, irá depender de como o profissional observa esse paciente, se ele vai aderir ao tratamento, se não houve problemas com a TARV.
Contudo, se o paciente for atendido na rede privada, ele pode ir com a prescrição até o Centro de Referência em Diagnóstico Terapêutico (CRDT) ou no Hospital de Doenças Tropicais (HDT) que são prioritários para outros municípios e rede privada, caso necessário, para pegar os medicamentos.
Conscientização
O Dezembro Vermelho é focado na campanha de conscientização de alerta para o tratamento precoce da síndrome da imunodeficiência adquirida e de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
O Ministério da Saúde informa que dos casos registrados entre 2007 e junho de 2021, 52,9% foram entre jovens de 20 a 34 anos. E entre 2010 e 2020 houve tendência de aumento de detecção de Aids entre jovens nas faixas de 15 a 29 anos e de 20 a 24 anos.
A infectologista, Juliana Barreto afirma que o número alto de casos da enfermidade é porque atualmente existe uma facilidade no diagnóstico o que gera mais descobertas precoces de casos e as pessoas estão deixando de usar o preservativo, que é a melhor forma de prevenir contra o vírus.
A especialista acredita que “Como tem uma terapia efetiva a pessoa quase não usa preservativo, perde o medo” de adquirir a doença. Ela destaca ainda que o diagnóstico tardio ainda existe e que isso favorece desenvolver a Aids.
Existe a diferença entre Aids e HIV. “O portador do vírus HIV e da pessoa que tem a Aids. A pessoa que tem a Aids tem uma síndrome da imunodeficiência adquirida, então ela porta o vírus do HIV mas ela tem a taxa de defesa baixa, ou seja os linfócitos dela são baixos em geral abaixo de 2000 e tem doença imunocomprometedora”.
Ela chama a atenção para a Hepatite C e Sífilis que também podem ser adquiridas durante a relação sexual desprotegida. Para se prevenir, outra forma é fazer exames de HIV de rotina. Alguns sintomas comuns da doença são febre com mais de 4 meses, infecção de repetição – urinária, via aérea e entre outras.
“A terapia é muito eficaz, mas tem casos muito graves ainda. A pessoa que recebe o diagnóstico não pode achar que é o fim da vida, hoje tem tratamento que permite a pessoa viver bem, principalmente se for diagnosticado quando for apenas portador do vírus HIV”, esclarece.