Líder quilombola recebe título de Doutora Honoris Causa, maior outorga concedia pela UEG
Dona Procópia rompeu os paradigmas da época em que as mulheres não podiam sair da comunidade e começou atuar em defesa do território Kalunga
Líder Kalunga reconhecida por sua forte atuação em prol dos direitos de seu povo, Procópia dos Santos Rosa, de 89 anos, recebeu o título de Doutor Honoris Causa, nesta semana, na comunidade Kalunga Riachão, em Monte Alegre de Goiás.
A homenagem representa a maior outorga concedida pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), voltado a personalidades que tenham se distinguido pelo saber em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras e para o melhor entendimento entre os povos.
Dona Procópia nunca teve oportunidade de estudar. Mesmo assim, rompeu os paradigmas da época em que as mulheres não podiam sair da comunidade e, a partir dos 50 anos, começou sua atuação em defesa do território Kalunga. Lutou contra o racismo e em prol do empoderamento das mulheres, fatos que levaram o Conselho Superior Universitário a aprovar, por unanimidade, a outorga do título. O processo de concessão tramitou por quase um ano, passando por todos os ritos formais.
Leia também: Estudante quilombola comemora ter sido selecionado para intercâmbio nos EUA
Defesa ao meio ambiente
A líder quilombola também se destaca na defesa do meio ambiente e na promoção da harmonia entre os povos. Durante a solenidade de entrega da honraria, realizada quarta-feira (7/12), ela agradeceu o título e demonstrou alegria com tal reconhecimento. E deixou uma mensagem que resume sua própria essência: “Se não fosse a união, aqui não tinha nada. Hoje todos estão se formando, e quem esperava por isso? Aconteceu porque a gente correu atrás, com união e paz”, destacou. “Se unam. Não deixem o Kalunga ir abaixo”, pediu a matriarca.
O reitor da UEG, Antonio Cruvinel, enalteceu a homenageada. “Alguém da comunidade me perguntou se eu tinha vindo formar Dona Procópia. Digo que nós é que somos formados por ela. A UEG se engrandece ao entregar esse título a quem formou centenas de pessoas com suas ações, que dedicou a vida ao que acredita. Se cada um fizesse o que ela fez em sua comunidade, o mundo seria melhor”, salientou. A UEG já formou mais de 100 mil pessoas e este é apenas o 9º título de Honoris Causa entregue – o primeiro a uma mulher negra. “Só é concedido a quem realmente merece”, garantiu.
Neta de dona Procópia, Lourdes Fernandes de Souza, que é diretora das escolas estaduais da comunidade Kalunga, destacou que o título é precedido de outros gestos de grande impacto ou simbolismo que a UEG dirige à comunidade negra.
“A concretização desse momento é uma afirmação do marco histórico para o quilombo Kalunga e seu povo, bem como o reconhecimento dos valores humanos, em especial uma matriarca de 89 anos: mulher negra, quilombola, que não teve oportunidade de estudar e, mesmo assim, com coragem e fé, junto a outras lideranças, lutou fortemente contra a discriminação”, lembrou.
História
Nascida no dia 10 de fevereiro de 1933, a líder Procópia dos Santos Rosa vive na comunidade Kalunga, do lado direito do rio Paranã, no município de Monte Alegre de Goiás. Com 89 anos, a matriarca é mãe de dois filhos, 12 netos, 70 bisnetos e 15 tataranetos.
Aos 50 anos, rompeu um costume da comunidade de que somente os homens podiam ir à cidade e foi pela primeira vez a Monte Alegre. Aos 60, conheceu a capital do Estado. Sua força e determinação a tornou um nome conhecido por toda a comunidade. Lutou contra o racismo e conseguiu unir a comunidade para buscar benefícios como a titulação das terras, energia elétrica, escola e internet.
A atuação da líder quilombola fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU) a indicasse, em 2005, para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz, entre mil mulheres do mundo, sendo apenas 52 brasileiras. Mesmo não tendo levado o prêmio, a líder ressaltou a importância da indicação. “Fiquei muito feliz por levar o nome do Kalunga para o mundo todo”, destacou.