Tumulto marca protesto de permissionários que devem desocupar terminal
“Minha cabine é minha única fonte de renda”, diz uma das trabalhadoras que mantém uma cabine de recarga e venda de acessórios para celular no Terminal Praça da Bíblia
Em meio ao caos urbano de Goiânia, o Terminal Praça da Bíblia abriga uma série de pequenas histórias de luta e resiliência. Uma dessas histórias é a de Elaine Valério, uma permissionária de 45 anos que, com determinação, mantém uma cabine de recarga e venda de acessórios para celular. Ela oferece fones, carregadores, cabos e serviços de recarga de celular e venda de chips, dependendo desse negócio para seu sustento.
Mas a rotina de Elaine no terminal passou a ser marcada por dificuldades e incertezas, desde que recebeu a ordem de desocupação do local para reformas que ocorreram no terminal, enviada pela RedeMob Consórcio – consórcio de empresas que operam o serviço do transporte coletivo na capital.
“Eu sou permissionária aqui do Terminal Praça da Bíblia e trabalho vendendo acessórios para celular e fazendo recargas”, diz Elaine, com uma mistura de orgulho e preocupação.
A mudança repentina para um novo centro comercial, sem comunicação prévia, pegou todos de surpresa. “Não teve comunicação nenhuma sobre a mudança,” relata Elaine. “Recebemos uma notificação de que deveríamos nos retirar do terminal e nos mudar para o novo centro comercial, sem tempo hábil para nos prepararmos.”
A situação financeira de Elaine é precária. Endividada, ela depende exclusivamente de seu pequeno negócio para sobreviver, já que seu benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) está comprometido por empréstimos. “Eu recebo um benefício do INSS, mas está todo comprometido. Eu fico com apenas R$370,00 por mês, que não é suficiente para cobrir as contas de água e energia”, desabafa. “Minha cabine é minha única fonte de renda no momento.”
Elaine também enfrenta desafios de saúde mental, lidando com ansiedade e depressão. “Eu tomo remédios controlados e não sei o que pode acontecer comigo”, confessa. “É difícil encontrar outro emprego com minha saúde debilitada, e o novo local exigirá despesas que não posso arcar.”
A incerteza sobre o novo centro comercial é outra fonte de preocupação. “O espaço lá é pequeno e caro. Meus clientes já disseram que não vão se deslocar até lá,” explica Elaine. “Aqui no terminal é movimentado, é onde as pessoas estão. No novo local, será difícil atrair clientes.”
Apesar de todas as adversidades, Elaine não perde a esperança. “Meu ganho aqui é pouco, mas está pingando”, diz, com uma leve risada. “É melhor do que faltar. Estou preocupada, mas vou continuar lutando.”
Assim como Elaine Valério, muitos trabalhadores permissionados compartilham das mesmas preocupações. Cosmo Estevão da Luz, 48, é comerciante há mais de cinco anos na praça e expressou sua insatisfação com a situação, apesar de concordar com a reforma.
“Eu acho que está certa a reforma, sou a favor da reforma, só que o jeito que eles estão fazendo é que não está certo. Deveria dar um prazo maior para os comerciantes, quitar seus débitos e se planejarem. Todos nós temos dívidas aqui”, comenta o trabalhador.
Ele destacou a necessidade de um espaço provisório para os comerciantes continuarem suas atividades durante o período de obras. “Eles podiam arrumar um espaço provisório para nós trabalharmos até a obra ficar pronta, pois não temos lugar para nós trabalharmos depois que sair daqui.”
Cosmo, que possui uma pastelaria no terminal, depende inteiramente desse negócio para sustentar sua família, composta por três filhos de 8, 18 e 19 anos. Ele enfatizou que o prazo de 30 dias é insuficiente para que os comerciantes se reorganizem. “Como é que paga se estão fechando por 30 dias? Todos vão ficar em dificuldade e com os fornecedores cobrando, nós não temos condição de pagar”, lamentou.
Ana Caroline, de 17 anos, que trabalha meio período na lojinha de variedades do terminal, compartilhou da mesma opinião. “Em questão de fechar, eu acho que não tem necessidade, porque tem muita gente que mexe nesse ramo há muito tempo e depende disso. Então, se eles tirarem isso daqui, meio que vai estar tirando o sustento de vida das pessoas”, diz a jovem.
Ela também mencionou a importância do comércio para seu chefe, André Silva, que trabalha no local há mais de 30 anos. “A movimentação aqui é muito boa. No dia que está mais fraco, vende uns R$ 500. O movimento é muito bom mesmo”, explicou Ana.
Manifestação é contra prazo estipulado pela RedeMob
Na manhã desta terça-feira (6), o terminal Praça da Bíblia foi palco de uma manifestação dos comerciantes locais contra o prazo estipulado pela RedeMob Consórcio para os permissionados deixarem o local.
Durante a manifestação, segundo os trabalhadores, houve momentos de tensão entre os manifestantes e os motoristas de ônibus, com algumas brigas ocorrendo devido à tentativa dos motoristas de passarem pelo local bloqueado.
Os comerciantes esperam que o consórcio reconsidere o prazo para a reforma, proporcionando um tempo maior para que possam se reorganizar e garantir o sustento de suas famílias.
Elaine participou da movimentação organizada no terminal, a qual se propôs a ser pacífica, no entanto, a situação rapidamente se descontrolou com a chegada da polícia. “Logo que saímos, a tropa de polícia chegou. Ficamos parados para impedir os ônibus de entrarem, mas as pessoas começaram a sair dos ônibus, reclamando e xingando.”
A movimentação no Terminal Praça da Bíblia gerou um ambiente tenso. “Nós fomos pegos de surpresa”, ela conta. “Não esperávamos uma resposta tão rápida e intensa da polícia.”
O jornal O HOJE procurou a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), que por meio de nota informou que desde fevereiro deste ano, vem, ao lado da RedeMob Consórcio, Sebrae e Metrobus, vem mantendo conversas com permissionários dos terminais do Eixo Anhanguera, em especial do Terminal Novo Mundo e, desde julho, com os permissionários da Praça da Bíblia, terminal que não possui espaço necessário para a construção de um centro comercial.
A companhia pontuou ainda que em função disso, já foram realizados encontros e uma audiência pública, onde foi apresentado o projeto do Centro Comercial Popular do Terminal Novo Mundo. “Este Centro Comercial já está com obras avançadas e será entregue no próximo mês. Ele contará com 84 bancas que irão oferecer muito mais conforto e será uma excelente opção para que os permissionários possam explorar o comércio da Região Leste da capital, que conta com quase 190 mil habitantes e que não possui um centro comercial”, destaca.
Questionada sobre a transferência desses permissionários, a RedeMob disse que o Centro Comercial Popular que será entregue é um anexo ao Terminal Novo Mundo, fazendo parte da estrutura de atendimento aos usuários do transporte público coletivo e será aberto à toda a população. “A intenção do projeto é, não apenas dar melhores condições de trabalho para o permissionário, mas também uma melhor condição para que o próprio usuário do serviço de transporte coletivo faça suas compras com mais conforto.”